terça-feira, 30 de dezembro de 2008

SUGIRO AOS AMIGOS DESTE BLOGUE QUE LEIAM O TEXTO MACHADO DE ASSIS, MINAS E A HISTÓRIA DA MEDICINA DIVULGADO EM www.medicina.ufmg.br/cememor

domingo, 23 de novembro de 2008

VINÍCIO DE TODOS OS PALCOS

João Amílcar Salgado

Tangos arrabaleros, boleros de arrastre, valsas e canções seresteiras – eis o encanto que desfruto freqüentemente junto ao grupo do Vinício, com seus músicos feiticeiros: Nievas, Maximiano, Lenice, Ramonda e Fernando. São brasileiros e argentinos que extraem, de cochichos de violinos e resmungos de gaitas, malabares melódicos para a gente fruir e sonhar. Quem os irmana é um maestro zíngaro, com ascendentes galego-ítalo-franceses - doublé de ator e cantor, de arranjador e intérprete – provando ser o mais poeta (mal dos Vinícios) dos Tisos, todos poetas. Por que? Porque se recusa, como ocorreu a Chaplin, a deixar de ser a criança que de fato é. Encanecido, ainda é o pirralho que brincava de pique com o garoto Aureliano, na praça acolhedora de Três Pontas. É o sempre menino, herdeiro de muitos traços da mãe-heroina Antonieta, e que acompanhava encantado o pai, o irrecuperável boêmio Mário (dono de uma legenda em seu rastro), pelos bailes da vida, comendo poeira aos solavancos das boléias.

Estávamos no coquetel do Pedro Bial, celebrando o documentário sobre Guimarães Rosa. Rara ocasião de encontros inapagáveis, por exemplo entre a maior autoridade mundial em Rosa, Luiz Savassi Rocha, e o januarense Levínio Castilho, descendente de Rotílio Manduca, o Zé Bebelo existido de carne-e-osso. Mostro a Castilho a flautista Taciana, o ornamento musical da confraternização - grávida e angelical, tão digna do maior silêncio e tão indiferente ao bla-bla-blá invencível. Garanto: virtuose na flauta como o pai no violino! Lembro-lhe, demais, que o Juscelino incentivou o maestro Epaminondas a constituir a maior orquestra de violinos do mundo aqui no Brasil, aplaudida de 1950 a 80, e nela estava incluído o violino vibrante do Vinício. Imediatamente, Levínio quis a família e a respectiva orquestra em sua inesquecível festa de cidadão honorário. E até hoje o vejo com sua esposa Teresinha, de origem bom-despachense, a sempre bela musa de Guignard, em rodopios de valsas e tangos, tendo em volta os irresistíveis violinos tisos. Eram o norte e o sul de Minas frente a frente, temperados pelos eflúvios de um bom despacho e da melhor cachaça. Ora o deputado montesclarense Genival Tourinho explicava o fenômeno humano chamado Simeão Ribeiro Pires, ora o sindicalista nepomucenense Luiz Fernando Maia dizia das façanhas de seu pai Alfredinho Maia e dos vínculos oeste-sul entre Assunçãos. Ora, então, valsavam o neuriatra Guilherme Cabral e a arquiteta Solange, aplaudidos sem socapa.

Agora, estamos num sábado de supermercado e lá está a troupe do Vinício, enlevando os consumidores em doces acordes. Que ótima idéia, que sacada feliz! Vejo os rostos duros se abrindo. Vejo os olhares se alongando em saudades reincidentes. Vejo lábios sintonizados na evocação de letras que dizem mais do que dizem. E tais respostas são captadas pelos menestréis que redobram o dolorido de tons e entre-tons. E o mais belo de tudo é a nobreza dos músicos, que não é diminuída pelo ambiente. Ao contrário, é o recinto que se enobrece com a humildade cativante deles todos, cada qual merecedor de récita e coro sinfônico, cada qual generoso no talento que sobeja.

Parabéns ao gerente que percebeu esta surpreendente brecha entre a sociedade de consumo e a tradição seresteira destas paragens! Parabéns à gente belorizontina, pelos semblantes recuperados, humanizados, ternos, desta manhã de sábado! Parabéns, enfim, aos prestidigitadores musicais, inventores desta nova prática matinal de beleza.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

JOSUÉ DE CASTRO - DE COMO VEM SENDO INJUSTIÇADO ESTE HERÓI DA MEDICINA BRASILEIRA
João Amílcar Salgado
Em setembro de 1998, visitei o Memorial da Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, que estava sendo inaugurado no Casarão do Derby, antiga sede da primeira Faculdade pernambucana. Ali foi organizado rico acervo, antes acumulado no Hospital Pedro II e datado desde os primeiros anos do Brasil. Depois de elogiar o conjunto da exposição e especialmente o realce de alguns aspectos, cobrei dos anfitriões a mínima referencia a Josué de Castro. Fui informado de que no repertório do que foi recolhido nada havia sobre ele e que a partir de então seria providenciado ativamente o que fosse possível. Mesmo no riquíssimo acervo do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, fundado em 1977, onde nos orgulhamos de preservar os livros pernambucanos de Mourão, Rosa, Pimenta, Guilherme Piso, Otávio de Freitas, Leduar Rocha, Nelson Chaves, Valdemar de Oliveira, Orlando Paraim, Luiz Carlos Diniz e outros, também não tínhamos até recentemente os livros de Josué de Castro. Isso significa que o anátema ditatorial de que foi vítima foi particularmente eficaz em quase apagar seu nome da memória médica nacional.
Dessa vergonhosa injustiça tive notícia percebida de fora de nosso país em 1979. Nesse ano houve um congresso sobre ensino médico na cidade de Puebla, no México. Um professor peruano, cujo nome infelizmente não anotei, pediu minha opinião sobre Josué de Castro. Quando declarei admirá-lo desde os bancos acadêmicos, meu interlocutor se animou em revelar sua amizade pessoal ao brasileiro. E descreveu-me com lágrimas nos olhos a angustia de Josué temeroso de falecer longe da pátria. E nós dois afinal concordamos em que a perversidade de impedir seu regresso para morrer aqui deve ser assinalada para a posteridade tão firmemente quanto o brilho inapagável com que viveu.
Relatei-lhe a seguir a objeção de Baeta Viana às idéias de Josué de Castro E o fiz como integrante da escola clínica derivada de Viana. Mesmo reconhecendo os méritos desse líder científico, não poderia honestamente deixar de atribuir-lhe considerável influência na sonegação do prêmio Nobel a Josué de Castro. E o pior é que posso ter contribuído, eu próprio, para acirrar as objeções de Baeta a Castro. De fato, estávamos em 1956 e colhíamos entusiástico abaixo-assinado em favor do prêmio Nobel a Josué de Castro. Considerando a projeção de Baeta Viana na ciência brasileira, ingenuamente pensávamos que seu apoio seria valiosíssimo. Quando pedimos que subscrevesse o documento, ele não apenas negou como nos fez uma preleção para provar que os textos de Josué continham grave impropriedade bioquímica. Era a afirmação de que a fome aumenta a prole, o que seria impossível do ponto de vista da química das proteínas. E cada aula seguinte era precedida de introdução demolidora contra Josué de Castro. Em defesa deste, espicaçávamos o Baeta com dados de peso contrários à sua argumentação, trazidos da rica biblioteca que ele mesmo criara. Chegou a indignar-se quando observamos que sua posição certamente advinha de que os livros de Josué eram contundentes contra o eugenismo tendencioso cultivado nos EUA e na Alemanha nazista. Noutro dia argumentei que suas objeções pareciam vir mais de Aristóteles do que de Francis Bacon, pois, sendo de natureza apenas lógica, eram destituídas de dados numéricos experimentais. Colhido assim, ele reagiu com um de seus raros sorrisos, mas sua posição se manteve a mesma.
Mais tarde, concluí que a oposição de Viana foi muito mais significativa, indo além da força de sua assinatura. Isso pela enorme influência que ele desfrutava na SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, da qual era co-fundador e da qual foi dirigente por mais de um mandato. Ali ele era ouvido como a um papa e não como a um cientista. O tempo provou que Josué estava certo, mas a censura de que foi vítima não ficou restrita àquela época. A ditadura militar de 1964 a reafirmou e a pretendeu definitiva. Hoje, o prolongamento de tal anátema em pleno regime democrático, passa a ser mais odioso ainda. Sem dúvida é tão inaceitável quanto omitir seus autores atuais, que devemos denunciar. Mesmo quando a China atropela o noticiário diário, em virtude de seu espantoso crescimento econômico e do impressionante desempenho organizacional, estético e esportivo nas Olimpíadas de 2008 – verifica-se que o centenário de Josué de Castro não é lembrado, logo ele que expôs ao mundo as entranhas e as múltiplas dimensões desse gigante real, que o Ocidente espezinhou e quis ignorar. Insisto: afinal, de onde vem a censura póstuma a Josué de Castro? Meu dedo neste caso se volta para apontar gente supostamente intocável no Brasil de hoje: são os auto-designados cientistas políticos.
São atores (ou melhor, prestidigitadores) fundamentais na ação coordenada pelos interesses neo-liberais mais escusos. A trama envolve, além deles, os jornalistas da chamada grande imprensa e os publicitários. São personagens inventadas pela inteligente iniciativa da Fundação Ford de criar, nas universidades da América Latina, os chamados DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIA POLÍTICA, na década de 60 do século 20, como resposta à agitação estudantil mundial que culminou em 1968. A estratégia consistiu em usar tais departamentos para atrair formadores de opinião originariamente esquerdistas, de modo a que se deslocassem rumo à centro-direita e à direita, coerentemente com o fenômeno da globalização. Os líderes mais promissores foram levados a Santiago do Chile e, conforme o caso, aos EUA. O processo de amansamento dos ativistas foi reforçado durante os prolongados governos Reagan e Thatcher e pelo colapso da União Soviética. Afinal o objetivo daquela Fundação foi alcançado, com resultados bem maiores do que os esperados, na medida em que os novos entes forjados por ela, os chamados cientistas políticos, passaram a saturar a comunicação coletiva, na condição de consagrados gurus de jornalistas (dos âncoras aos focas), de publicitários e de profissionais de Historia e de Ciências Sociais. No Brasil a coisa foi mais longe ainda, quando um deles, Henrique Cardoso, foi guindado, também prolongadamente, a Presidente da República.
Vale lembrar que no dia-a-dia, quando percebem ser inevitável focalizar alguém, mas não é seu interesse enfatizar o respectivo lado ideológico - por exemplo, figuras ainda em vida como Betinho, Niemeyer, Florestan Fernandes, Helio Pelegrino, Antônio Candido, Sérgio Buarque, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Leonardo Boff - a ordem é realçar o talento apesar do ranço ideológico. Mas, quando é possível uma censura completa ou quase completa, como no caso de Josué de Castro, esta é feita sem pudor ou piedade, infringindo-lhe dupla morte. Sim, o povo brasileiro é refém de uma comunicação coletiva insensivelmente tendenciosa, cinicamente mendaz e transudante de preconceitos por todos os poros. São tão unânimes, em seu conluio desinformativo que, quando se ouve um deles e, a seguir, o aparente outro, é como ouvir porta-vozes uníssonos do primeiro mundo. Em outras palavras, comportam-se não como latino-americanos ou brasileiros, mas como ianques e, mais que isso, como ianques militantes do Partido Republicano.
Aproveito para implorar-lhes que despertem por conta própria pelo menos desse tremendo ridículo de se auto-designarem cientistas políticos. Se os verdadeiros cientistas se constrangem quando são chamados de cientistas e, sempre que podem, aceitam a contragosto serem chamados de pesquisadores – que palhaçada é essa da insistência no ranço dessa auto-denominação monstrenga? Diante disso tudo, Josué de Castro não tem a menor chance de ser lembrado condignamente em seu centenário. E este herói da medicina brasileira deverá aguardar as comemorações de seu bicentenário, para que lhe sejam tributadas todas as homenagens, em honra de seus méritos incontestes. E ficará para nós poucos e as gerações futuras o profundo lamento por tão clamorosa e tão infidável injustiça.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

terça-feira, 30 de setembro de 2008

BONUS EM DINHEIRO PARA OBTER DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

Neste mês de setembro de 2008 foi anunciado que o Ministério da Saúde passa a pagar bônus para quem conseguir convencer a família a doar órgão de paciente com morte cerebral. Esta decisão, se verdadeira, fere frontalmente a ética médica. E mais, se confirmada, esta iniciativa vai somar-se àquele fiasco do governo Henrique Cardoso, segundo o qual a condição de doador (ou não doador) passava a constar da carteira de identidade. O Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Estaduais de Medicina deverão entrar com providências urgentes para impedir tamanha agressão governamental à ética médica, já tão desrespeitada pela propaganda de medicamentos, de equipamentos e de planos pré-pagos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

NEPOMUCENENSES NOBRES DO IMPÉRIO
João Amílcar Salgado
Nepomuceno conta com dois de seus filhos entre os nobres do Império. Isso interessa àqueles nepomucenenses que gostariam de saber se tem algum parente fidalgo. Não há nada de ridículo nisso, pelo contrário. Os estudos nessa área podem produzir conhecimento histórico de interesse geral que ultrapassa a vaidade das famílias. Ainda não foi feito estudo completo de como a Ordem de Cristo operou para a escolha dos agraciados por critérios de mérito real, especialmente aquilo que hoje se chama empreendedorismo.
No presente caso há a relação com parte das tropas brasileiras que participaram da Retirada da Laguna. Quando antes se dirigiam ao teatro da guerra do Paraguai, acamparam exatamente nas terras da família do futuro Barão de Monte Santo, na cidade paulista de Mococa. E quem descreve tal passagem é nada menos que o Visconde de Taunay. Vale lembrar que em meio a essa tropa havia outro importante nepomucenense que deixou ilustre família: o capitão Menezes.
Em meu livro O RISO DOURADO DA VILA, de 2003, falo dos dois nobres nepomucenenses, o Barão de Monte Santo e o Barão de Mogi-Guaçu, nos trechos reproduzidos a seguir.
“ Precioso é o mapa de nossa população, levantado no ano da abdicação de Pedro I, nove depois de proclamada a independência do Brasil. Nele está oficializado o nome da futura cidade de Nepomuceno como DISTRITO da CAPELA DE SÃO JOÃO NEPOMUCENO da FREGUESIA DE SANTANA DE LAVRAS da VILA DE SÃO JOÃO DEL REI da COMARCA DOS RIO DAS MORTES, datado de 16 de dezembro de 1831 e assinado pelo juiz João Antônio Gomes. Revela que o distrito contava com 172 casas (fogos) e 2605 moradores, sendo 1362 livres e 1243 cativos.” ... “A partir de 1820, Garcias e Limas, sem abandonar o lugar, foram colonizar o noroeste paulista e o Triângulo, chegando ao antigo Mato Grosso, onde o Sertão dos Garcias ficou conhecido. Esta diáspora nos rendeu dividendos nobiliárquicos em São Paulo, ou seja, os dois únicos barões do império nascidos na Vila são o Barão de Monte-Santo, Gabriel Garcia de Figueiredo, e o Barão de Mogi-Guaçu, José Caetano de Lima. O primeiro aparece no citado censo com 14 anos, filho de Diogo Garcia da Cruz, e o segundo com 10 anos, filho de João Caetano de Lima.” ... “ Em seu livro O Capitão Diogo Garcia da Cruz, Ricardo Daunt diz que o Visconde de Taunay, em Marcha das Forças, referente à guerra do Paraguai, descreve sua parada a 3/7/1865, na fazenda Alegria em Mococa. Ali topa com seu proprietário, o nepomucenense Diogo Garcia de Figueiredo, que, no mapa de 1831, consta com a idade de dez anos.”
A fazenda Alegria passou a integrar a cidade de Casa Branca, sendo Mococa sua ex-freguesia de São João Batista.. Para a região vieram também os Vilas Boas, Carvalhos e Vilelas, todos primos dos Garcias, Figueiredos e Limas. A principal praça de Casa Branca chama-se praça Barão de Mogi-Guaçu, onde se localiza o Casarão dos Vilela, atração turística. Esse casarão foi edificado na fazenda Santana e foi “transportado” para a praça em 1890, na época do boom da ferrovia Mogiana. Na mesma cidade, na praça Honório Sillos, está o Marco da Retirada da Laguna, referente ao histórico acampamento militar.
O nepomucenense Barão de Monte Santo, Gabriel Garcia De Figueiredo
Gabriel Garcia de Figueiredo, terceiro Barão de Monte Santo, nasceu em Nepomuceno, MG, em 14-01-1816, e faleceu em Mococa, SP, em 18-11-1895. Foi um político, banqueiro, agricultor e pecuarista brasileiro. Recebeu o título de terceiro Barão de Monte Santo. O título, embora referente à cidade mineira de Monte Santo, não tem com esta relação direta, como era usual nos títulos do império. O Imperador Pedro II, em 19-12-1885, outorgou a Gabriel Garcia de Figueiredo o título de Barão de Monte Santo por seus inúmeros serviços prestados à Nação. O outorgado pertencia também à Ordem de Cristo e era Tenente-Coronel da Guarda Nacional
Gabriel foi proprietário de diversas fazendas na atual microrregião de São João da Boa Vista, abrangendo os municípios de Casa Branca, Mococa, Cajuru, Altinópolis, Batatais, São Tomás de Aquino e São Sebastião do Paraíso. Suas principais propriedades rurais em Casa Branca foram denominadas Borda da Mata (nas terras da grande fazenda Alegria), Grama, Monte Santo e Jardim, tendo sido um dos maiores exportadores de café, da Província de São Paulo (a fazenda Alegria, como antes dito, hospedou as forças brasileiras rumo à Guerra do Paraguai). Foi um dos fundadores do Banco Regional de Mococa. Sucedeu seu cunhado, Capitão José Gomes de Lima, como chefe do Partido Conservador, de 1866 até a proclamação da República. Foi vereador à Câmara Municipal de Casa Branca, nas gestões de 1852 a 1856 e de 1860 a 1864, como representante da então Freguesia de São Sebastião da Boa Vista, hoje cidade de Mococa, da qual é um dos fundadores. Desta cidade foi grande benemérito, juiz de paz e, em 1873, primeiro presidente da Câmara Municipal. Ali, em 1879, custeou sozinho um edifício para a instrução pública, doando-o, em 1885, ao governo provincial. Auxiliou o padre Bento Monteiro do Amaral na construção da igreja matriz de S. Sebastião de Mococa. A seu pedido “ante-mortem”, sua filha Carolina Emília de Figueiredo, doou a esta mesma cidade o hospital “Carolina de Figueiredo”.
Gabriel Garcia de Figueiredo casou-se em 30-11-1839 na ermida do Jaborandi, em Altinópolis, com sua sobrinha Maria Carolina de Figueiredo (1828-91, falecida em Mococa), filha de seu irmão Joaquim Garcia de Figueiredo e de Jacinta Carolina dos Reis. Gabriel e Carolina tiveram sete filhos: Maria Cândida, Ana Jacinta, Iria Leopoldina, Carolina Emília, Mariana Leopoldina, José Gabriel e Maria Pia. Maria Pia casou-se com Rogério Daunt, sendo pais de Ricardo Gumblenton Daunt, autor do citado livro (hoje um clássico) sobre Diogo Garcia da Cruz. O apelido de outra “nepomucenense”, Ana Jacinta de Figueiredo, irmã do Barão Gabriel, é digno de registro, pois era chamada por todos de “Tia Senhora”. Além de Daunt, são historiadores da família José Guimarães, Luiz Antônio Vilas Boas e Luiz Gustavo de Sillos.
O nepomucenense Gabriel Garcia de Figueiredo, terceiro Barão de Monte Santo, foi o décimo segundo filho do capitão Diogo Garcia da Cruz e de Inocência Constância de Figueiredo; sendo neto paterno de Mateus Luís Garcia, fundador de Nepomuceno, e de Maria Francisca de Jesus; e neto materno do Capitão-Mor José Álvares de Figueiredo, fundador de Boa Esperança, e de Maria Vilela do Espírito Santo, que por sua vez era filha do Capitão Domingos Vilela e de Maria do Espírito Santo Garcia, e, por esta, neta de Diogo Garcia e de Júlia Maria da Caridade (Corrêa), uma das célebres Três Ilhoas.
O nepomucenense Barão de Mogi-Guaçu, José Caetano de Lima
José Caetano de Lima, 1º Barão de Mogi-Guaçu, nasceu em Nepomuceno, MG, em 29-07-1821 e faleceu, aos 82 anos, em Casa Branca, SP, em 22-03-1901. Era filho de João Caetano de Lima, nascido cerca de 1795 e de Cecília Maria Rosa de Jesus. José Caetano de Lima casou-se em 04-08-1838 com Maria Leopoldina de Sillos, e tiveram os filhos Francisco Eugênio de Lima, casado, em 04-08-1838, com Altina Etelvina Nogueira, e Maria do Carmo Sillos Lima, casada, em 16-07-1850, com José Caetano de Castro.
José Caetano de Lima herdou o nome de seu tio-avô que faleceu solteiro. Faleceu de enterite crônica e está sepultado na igreja matriz de Casa Branca. No censo de 1850, realizado em Casa Branca, José Caetano aparece como negociante alfabetizado. Exerceu o cargo vitalício de Partidor dos Juizes e de Órfãos de Casa Branca. Reconstruiu a igreja matriz de Casa Branca depois de um incêndio.
Maria Leopoldina de Sillos, esposa de José Caetano de Lima, era filha do Barão da Casa Branca, tinha 19 anos no referido censo de Casa Branca, de 1850, e prestava assistência na Santa Casa de Misericórdia em São Paulo. Faleceu em 1874. O Barão Vicente Ferreira Sillos, pai de Maria Leopoldina (que recebeu o mesmo nome da imperatriz), recebeu o título de nobreza em 1887. No ano seguinte hospedou Pedro II em Casa Branca, para a inauguração da ferrovia Mogiana, e o hospedou novamente em 1886.
Viúvo aos 55 anos, José Caetano casou-se em segundas núpcias com sua parenta, também viúva, Inocência Constança de Figueiredo, nascida em Franca e que já tinha nove filhos do primeiro casamento com Jerônimo José de Carvalho. Inocência não teve filho com José Caetano e faleceu em Casa Branca.
Eis uma lista de nepomucenenses que tiveram alguma relação com a família de José Caetano de Lima na região de Nepomuceno e na região de Casa Branca:





- ANA LUISA DE AQUINO
- ANA ANTONIA DE SOUZA
- ANA ATONIA DE LIMA
- ANA CONSTANCIA DE JESUS OLIVEIRA
- ANA FRANCISCA DE CASTRO
- ANA JOANA CORALINA
- ANA JOSEFA SILVA LEITE
- ANASTACIO MENDES DOS SANTOS
- ANTONIO CAETANO DE MENDONÇA
- ANTONIO CAETANO VILAS BOAS
- ANTONIO DE PADUA DA SILVA LEITE
- ANTÔNIO JOSÉ CAETANO DE LIMA
- ANTONIO PEREIRA DE CASTRO
- AUGUSTO DE PAULA LIMA
- BÁRBARA GENEROSA DE JESUS LIMA
- CANDIDA BALBINA DE SÃO JOSE VILAS BOAS
- CANDIDA CAROLINA DE OLIVEIRA
- CECILIA MARIA ROSA
- CECÍLIA ROSA DE JESUS
- FRANCISCA CANDIDA DE SÃO JOSÉ DE LIMA CASTRO
- FRANCISCA PEREIRA DE ARAUJO
- FRANCISCA ROMANA VILAS BOAS
- FRANCISCO ANTONIO DE LIMA
- FRANCISCO ANTONIO DE LIMA FILHO
- FRANCISCO JOSÉ DE PAULA LIMA (GÊMEO DE MARIA FILISBINA LIMA)
- JERÔNIMO JOSÉ DE CARVALHO
- JOÃO CAETANO DE LIMA
- JOÃO CAETANO DE LIMA FILHO
- JOÃO ERNESTO COELHO
- JOÃO FERREIRA DE AQUINO
- JOAQUIM CAETANO DE LIMA
- JOAQUIM DA SILVA
- JOSÉ ANTONIO DE LIMA
- JOSÉ ANTONIO DE PADUA
- JOSÉ MARTINIANO DA CUNHA
- JOSÉ MARTINS VILAS BOAS
- JOSÉ QUITA DE LIMA
- JOSÉ VENÂNCIO VILAS BOAS
- LINO GOMES DE LIMA
- LUDOMILA OU LIDOMILA (LUDIMILA?) LIMA
- LUISA FLAUSINA DE SÃO JOSÉ
- MANOEL ANTONIO DE LIMA
- MANOEL CAETANO VILAS BOAS
- MANOEL JOÃO DA COSTA
- MANOEL JOAQUIM DA SILVA
- MANOEL PEREIRA DE CASTRO
- MARIA BALBINA MONTEIRO VILAS BOAS
- MARIA CANDIDA BALBINA DE CASTRO
- MARIA CONSTANCIA DE JESUS
- MARIA LIMA MELO
- MARIA LUISA DE SÃO JOSÉ VILAS BOAS
- MARIA PERCILIANA DE OLIVEIRA
- MARIANA CANDIDA BALBINA DE CASTRO
- MARIANA CANDIDA DE OLIVEIRA
- MARIANA CLEMENTINO DE SOUZA
- MARIANA FILISBINA DE JESUS CAETANO DE LIMA
- MARIANA LEITE DE JESUS
- MARIANA PEREIRA DE CASTRO (MARIANA JANUÁRIA?)
- PADRE ANGELO GONÇALVES D´ASSUMPÇÃO
- PADRE BRAZIL
- PADRE JOÃO TOMÁS DE SOUZA
- PADRE JOSE CUSTODIO DE OLIVEIRA (CUSTODIO JOSÉ)
- PADRE NICOLAU
- PERCILIANA (PRECILIANA) DE SOUZA LIMA
- RAFAEL ANTONIO DE LIMA
- VICENTE FERREIRA DE SILLOS PEREIRA
- VICENTE FERREIRA MARTINS
- VICENTE MARTINS PEREIRA DA COSTA

sábado, 20 de setembro de 2008

O ENSINO DE MEDICINA MAIS IRRESPONSÁVEL DO MUNDO

João Amílcar Salgado

A Associação Brasileira de Escolas Médicas, hoje de Educação Médica, foi fundada no início da década de 60. Teve por modelo a associação congênere criada bem antes nos EUA, exatamente para, entre outros fins, coibir a criação indiscriminada de cursos médicos. Quando esta foi criada, o processo sobre novos cursos passou a obedecer às seguintes instâncias: a decisão era tomada pela corporação da associação de escolas, que era acatada pela Associação Médica e a posição desta era acatada pela sociedade em geral, inclusive sancionada pelo poder público.

Com o agigantamento da indústria de saúde a partir da segunda guerra mundial, tal controle veio sendo progressivamente modificado pela entrada em cena de poderosos interesses industriais ligados a medicamentos e a equipamentos, com reflexos indiretos sobre o sistema de educação médica, especialmente na pós-graduação. No final do século 20 e no início do 21, interesses crescentes ligados à cada vez mais poderosa indústria de serviços passam a pressionar diretamente sobre o modelo educacional e diretamente sobre a graduação. A tendência é o enfraquecimento do poder decisório das associações corporativas, podendo ocorrer, principalmente se Obama for derrotado, que o controle da formação de médicos passe às próprias organizações de serviço.

No Brasil observa-se que essa mudança está ocorrendo de maneira tão agressiva que as entidades médicas e os “irresponsáveis” pelo ensino médico encontram-se francamente intimidados e até escandalosamente marginalizados. E culminam com uma atitude totalmente ridícula diante do surgimento desenfreado de cursos médicos. Atitude que varia desde fingir que nada de mal está ocorrendo até o estarrecedor apelo para que se fale na coisa com cuidado, para não desagradar ao ministro e para não ofender o Banco Mundial, a Fundação Getúlio Vargas ou a Rede Globo de televisão.

Com a atual demanda exacerbada de mão-de-obra para serviços, indústria e agricultura, em geral, é freqüente a queixa dos dirigentes de que estão sendo obrigados a formar seu próprio pessoal. Ora, essa providência, em vez de motivo de queixa, no caso dos serviços lucrativos de saúde, é seu sonho. Ou seja, o sonho dos mercadores da saúde é serem donos de escolas médicas, para nelas formar seus próprios balconistas, travestidos de doutores. Tudo culminará com o gangsterismo educacional abraçado ao gangsterismo em saúde - para desgraça de toda a população brasileira, sem distinção entre pobres e ricos.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

domingo, 24 de agosto de 2008

GENEALOGIA DA FAMÍLIA ABREU SALGADO
João Amílcar Salgado
A família Abreu Salgado é um dos ramos da família Ferreira de Brito de Três Pontas e também da união desta com ramos da família bandeirante dos Bueno, da família Magalhães do Sul de Minas e da família Arantes / Faria Bello de Formiga. A família Ferreira de Brito surgiu com a chegada de Bento Ferreira de Brito a Três Pontas. Havia ali uma capela consagrada a Nossa Senhora da Ajuda, desde 1768. Bento Ferreira doou à capela o terreno em torno da mesma, no qual surgiu a cidade de Três Pontas, sendo por isso considerado o fundador da cidade. Ele nasceu em Portugal, em 21 de março de 1744 (mesmo dia e mês do autor deste texto, seu descendente), na localidade de Ribeira, freguesia de São João de Brito, filho de Francisco Vieira da Silva e de Catarina Luiz. Casou-se em Minas Gerais, na cidade de Carrancas em 06/08/1766, com a mineira Ignácia Gonçalves de Araújo. Ignácia era filha do português Ignácio de Araújo, natural da freguesia de Santa Maria do Araújo, e da paulista Juliana Vieira de Afonseca, natural de Taubaté, por sua vez, filha de José Vieira da Cunha e de Catarina Portes. É provável que Ignácia Gonçalves, batizada em 17/08/1746 na igreja de Nossa Senhora do Pilar em São João del Rei, seja, por meio de sua mãe Catarina Portes, consangüínea do Tomé Portes, fundador de São João del Rei.
Bento Ferreira de Brito e Ignácia Araújo de Brito tiveram cinco filhos e cinco filhas: Marta Umbelina (Costa Rodrigues), Manoel, padre Joaquim Vieira (que teve filhos), José, Bento, Francisco, Beatriz (Silva Mendes), Ana Luiza (Vinhas de Castro), Catarina (Souza Diniz), Josefa (Mesquita) e Luiza Cândida de Brito, esta casada com o português Domingos de Abreu Salgado. Com os sobrenomes dos genros de Bento Ferreira de Brito (Costa Rodrigues, Silva Mendes, Vinhas de Castro, Souza Diniz, Mesquita e Abreu Salgado ficam constituídos os troncos das famílias matriciais de Três Pontas. A estas devem ser agregados os sobrenomes do fundador - Vieira, Ferreira e Brito - e da esposa - Araújo e Vieira - bem como das noras: Nascimento, Silveira, Castro e Adelindes.
Domingos de Abreu Salgado era português de origem galega (como os Salgado em geral), aqui se tornou capitão e foi nomeado um dos seis vereadores da primeira câmara da Vila de Lavras, em 1832. De seu casamento com a filha de Bento Ferreira de Brito, Luiza Cândida, nasceram seis filhos: Valentim, Francisco, Maria Cândida, José Maximiano, Claudina Constância e Estevão de Abreu Salgado. Valentim de Abreu Salgado casou-se com uma descendente das 3 Ilhoas, Maria Bárbara de São José (Ilha do Faial), enquanto Maria Cândida se casou com Antônio Tomás de Aquino.
Já o coronel Estevão de Abreu Salgado, que viveu em Três Pontas (1820-93) e foi fazendeiro nas Águas Verdes (entre Campos Gerais, então pertencente a Três Pontas, e Dores da Boa Esperança), casou-se duas vezes, a primeira com Alexandrina Cândida de Mesquita. Interessante é que um dos filhos do casal, Alexandrino (Domingos Alexandrino), era casado com Alexandrina (de Azevedo). O segundo filho de Estevão chamou-se Zeferino Mesquita, do qual não há dados.
Viúvo, Estevão casou-se em segundas núpcias com Sabina Magdalena de Faria Bello, neta de João de Arantes Marques, o iniciador da família Arantes. O patriarca João de Arantes, nascido em Vieira, arcebispado de Braga, em 1724, veio de Portugal para Formiga e se casou com Margarida Faria de Magalhães, filha do patriarca da família Magalhães do Sul de Minas, o português João de Faria Magalhães, natural de Vila do Porto, bispado de Leiria. O casal João Arantes e Margarida Faria de Magalhães teve quatro filhos, um dos quais Maria Madalena do Sacramento Arantes, que se casou com o açoriano (Ilha do Pico) capitão Manoel Antônio de Faria, patriarca da família Faria Bello, vindo a ter sete filhos, um dos quais Sabina Madalena de Faria Bello, segunda esposa de Estevão de Abreu Salgado.
Dentre os Arantes com alguma fama, três parecem necessitar citação: o duque de Caxias, Arantes por linha materna, que honra a todos; o contraditório e polêmico Edson Arantes do Nascimento, o Pelé; e Joaquim Silvério dos Reis, que, mesmo contra-parente, ocupa posição incômoda nesta linhagem.
O casal Estevão e Sabina de Abreu Salgado teve os seguintes dez filhos e respectivos consortes: 1) Modesto de Abreu Salgado, com Ezilda de Magalhães Chaves; 2) Augusta Belmira de Abreu, com Antônio Ferreira de Brito Júnior; 3) Luiza Bello de Abreu, com Olímpio Vilela; 4) Sabina Bello de Abreu (Sabininha), com João Pinto de Abreu Vilela; 5) Cristina Maria de Abreu, com o Antônio Luiz de Azevedo Araújo; 6) Maria Madalena de Abreu, com o mesmo Antônio Luiz de Azevedo Araújo (segundas núpcias deste); 7) Ana Inácia de Salgado Abreu, com Silvestre José Ferreira de Mesquita; Teodolina de Abreu Salgado, com Domingos José Ferreira de Brito; João Ferreira de Abreu Salgado, com Balbina Guilhermina do Espírito Santo Magalhães; e Constância de Abreu Salgado, solteira.
O casal João Ferreira e Balbina de Abreu Salgado teve cinco filhos: Delmira (Lica), Maria (Mariquinhas), Ana (Sinhaninha), Luiz e João. João Ferreira de Abreu Salgado era coletor e se tornou ativista do movimento antimonarquista, juntamente com dois parentes, o médico Josino de Paula Brito e o padre José Maria Rabelo. Sua militância política não permitiu que cuidasse satisfatoriamente dos filhos, o que se agravou com o falecimento da esposa. Assim, seu filho João de Abreu Salgado, por ter ficado órfão da mãe Balbina muito jovem, foi criado pela irmã mais velha, Delmira, esposa de Aprígio Mesquita. Foi também amparado pelo parente e padrinho Barão de Boa Esperança, tenente-coronel Antônio Ferreira de Brito, que, ao contrário do pai republicano, muito o influenciou na admiração a Pedro II e à princesa Isabel.
João de Abreu Salgado casou-se com Emerenciana Ferreira de Castro (sua consangüínea pelo lado Ferreira), sendo filha de João Ferreira de Castro e de Amélia da Silva Campos. Emerenciana, apelidada de Chanica, tem ascendência ligada diretamente à linhagem de Amador Bueno, por meio do ramo Bueno de Lavras. Seu pai João Ferreira de Castro se casou duas vezes, teve quatro filhas com Amélia Campos: Zulmira, Amélia, Caca e Emerenciana, e dez filhos com a segunda esposa: Antonieta, Marieta, Rita, Maricas, Julieta, Francisco, Antônio, João, José e Benjamim.
O casal João de Abreu e Emerenciana teve dez filhos, sendo que duas meninas, as primeiras, faleceram bebês (Amélia e Balbina). Sobreviveram: João, Maria, Iracema, Moacir, Elisabete, Rute, Osvaldo e Aprígio. Elisabete (Bebete), Rute e Osvaldo (Tito) permaneceram solteiros. João de Abreu Salgado Filho (Joãozinho) casou-se com Evangelina Vilela Salgado (Vange) e tiveram os filhos Emerenciana (falecida ainda bebê), Maria Aparecida, João Amílcar, José Aníbal, Neusa Vilela e Antônio Lívio. Maria de Abreu Salgado (Cotinha) casou-se com Antônio Corrêa Figueiredo e tiveram a filha Maria José Figueiredo. Iracema Abreu Salgado casou-se com Luiz Lourençoni e não tiveram filhos, sendo pais adotivos de Maria Aparecida, José Lucas e Maria de Lourdes. Moacir de Abreu Salgado casou-se com Odete Barbosa Lima e tiveram os filhos Ana Maria, João Aluízio, Maria Stela e Lourdes de Fátima. Aprígio de Abreu Salgado casou-se com Maria Gabriela Prata e tiveram os filhos João Euclides, Aprígio Filho e Olga Elisabete.

O autor, João Amílcar Salgado, é professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisador em História da Medicina e do Sul de Minas e genitor de Carlos Amílcar Salgado (pai de Ana Luiza, Thaís, Bruno e Brenda) e João Vinícius Salgado (pai de João Mateus)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008





AS DUAS SERPENTES E A MEDICINA

João Amílcar Salgado

Da conflituosa convivência entre ambos, ao longo de milhões de anos, a serpente é temida e invejada pelo homem. Este teme nela não só o potencial de morte, mas também o comportamento sorrateiro. Ele inveja nela não só o mesmo comportamento ardiloso, mas sua imortalidade individual. Então é sobre o comportamento da serpente, especialmente sua mágica de envenenar sem se envenenar e de fingir a morte sem morrer, que convergem o temor e a inveja do homem.
Na maioria das culturas a serpente é importante elemento mítico. O lado temido é representado pela própria serpente. O lado invejado é representado pelo rio (a serpente líquida), pelo arco íris (o rio celeste) e pelo pênis e suas variantes simbólicas (fálicas). Grandes civilizações se devem a grandes rios e em seus vales habitam serpentes gigantes e/ou arborícolas, como a píton, desde a África à China, e a jibóia e a sucuri, na América. Já o simbolismo fálico tem dupla força, pois se o pênis serve à sobrevivência da espécie, a serpente é a mais veemente referência observada na natureza em favor da sobrevida individual. Assim, um bastão fálico, enlaçado por um casal imortal de serpentes, em cópula, não poderia deixar de ser o símbolo perfeito da medicina.
Além da serpente e do bastão, a medicina conta com dois outros símbolos fálicos, recorrentes entre as culturas: o umbigo e o cavalo. A maioria dos povos denomina umbigo a seu local ancestral, nos respectivos idiomas nativos, e, assim, o nexo ônfalo-órbico sacraliza a saúde cultural das gentes, graças a sua conotação de centralidade, antigüidade e perpetuidade. Já o sonho de poder, representado na fusão do cavaleiro com o cavalo, inclui a tripla potência do centauro: sexual, artístico-industrial (habilidade manual) e médica. Por outro lado, a ligação mulher-serpente se faz meta-simbólica na saga de Tirésias e na tentação de Eva.
Em 1878 foi encontrado, numa biblioteca real assíria, o relato escrito da epopéia de Guilgameche. A história se passa num dilúvio ocorrido na Mesopotâmia, há mais de quatro milênios. Assim como na história semelhante de Noé, de quem, pela Bíblia, os assírios descendem, mas escrita posteriormente, o relato pode ser apenas a versão escrita, etnocentricamente adaptada, de lenda oral remontante ao degelo da última glaciação, há nove milênios. Este sim seria capaz de dilúvio aparentemente universal, superando a hipótese de mera inundação fluvial. Pois bem, Guilgameche, ao concluir que só sobrevivera por intervenção e eleição da divindade, pediu à mesma que a graça da sobrevida se estendesse em imortalidade. Seu pedido foi atendido, por meio de um vegetal panacéico - e ele de tão feliz adormeceu. Ao acordar descobriu que a serpente sorrateiramente lhe usurpara aquela dádiva.
Desde cedo o homem, ao observar a troca de pele das cobras, concluiu que elas espertamente driblam a morte, fingindo que morrem pela descamação. Neste sentido, quem sempre pretendeu usurpar a esperteza da cobra é o homem. E - por perseverar na esperança de que dê certo esta aplicação crucial do princípio homeopático - desenvolveu o conhecimento médico e, por isso mesmo, o símbolo mais persistente da medicina.
Em Delfos, na Grécia, o clássico oráculo reuniu a fonte solar da vida (Apolo) com o sonho da vida eterna (Píton), sob a intermediação terráquea e reprodutiva da mulher (pitonisas sibilinas) e também do falo umbilical (o umbigo geocêntrico). Aí, a devoção xamanística ao vinho, simbolizada em Dionísio (Apolo ébrio), se mistura ao fascinante recurso a substâncias indutoras de sonhos. Esta bela síntese mítica tem explicação antropológica, que remonta a bem antes dos gregos.
A domesticação de plantas e animais, em vários locais do mundo, levou à divinização do sol, que então substitui a divindade panteísta dos catadores-caçadores. No Egito, o sol, fecundante das cheias do Nilo, é Amon-Ra, deus também da medicina. A Grécia, onde aquela domesticação não teve o mesmo significado, copiou Amon-Ra como Hélios, por sua vez copiado pelos romanos como Apolo. Em virtude da especialização requerida pela maior complexidade social, um semideus, Imotepe, filho ou descendente de Amon-Ra, se torna o deus específico da medicina. Imotepe é copiado na Grécia como Asclépio e em Roma como Esculápio. Já na Mesopotâmia, o deus solar (correspondente a Amon-Ra) é Ninazu, fecundante da agricultura entre o Tigre e o Eufrates, enquanto seu filho semideus (correspondente a Imotepe) é Ningishzida. O Imotepe histórico (2667-2648 aC), deificado depois, foi médico do faraó Zoser. Além da medicina, foi pioneiro no uso da escrita (provável autor de farmacopéia) e na arquitetura, autor da primeira pirâmide faraônica - a de Sacara, em degraus, derivada de pirâmides núbias.
No Egito, antes do culto hegemônico a Amon-Ra, a divindade pré-agrícola correspondente é Toth. O caráter panteístico, ubíquo, flúido e imanente de Toth, permite que seu culto subsista após a agricultura, prolongando-se até hoje, ainda secreto e iniciático. A Grécia copiou Toth como Hermes e Roma como Mercúrio. Desde o início, Toth era identificado com a serpente, neste caso simbolizando virtudes genéricas de sagacidade, ubiqüidade e periculosidade, enquanto, na simbolização de Amon-Ra, as virtudes de sobrevida são concentradas na serpente constritora e arborícola. A serpente ligada a Toth é principalmente veloz e venenosa e a serpente ligada a Amon-Ra é sobretudo forte, poderosa e imortal.
Nos impérios alexandrino e romano, a iniciação a Toth é ritualizada em culto esotérico a Hermes Trimegisto, deste derivando, sucessivamente, a alquimia, a farmácia, a química, até chegar à manipulação do DNA. A substância mercúrio é a perfeita serpente líquida. Os primórdios da manipulação farmacêutica alexandrina surge da abertura gradual de segredos terapêuticos hermeticamente guardados. Daí que a serpente se acha no símbolo de Hermes tanto para o comércio como para a farmácia. O comércio farmacêutico das especiarias presidiu as Cruzadas e as grandes navegações. Para o comércio, o casal de serpentes entrelaça bastão alado, enfatizando os aspectos de informação privilegiada, segredos do ofício, agilidade, sagacidade e comunicabilidade. Para a farmácia ambas entrelaçam bastão em taça, enfatizando a simbologia de veneno domesticado (phármakon = veneno). O distintivo hoje do comércio foi usado para anunciar o local ou a presença do comerciante e depois para qualquer anúncio, neste sentido chamado de caduceu (bastão ou estandarte de anúncio). Na França, usa-se este termo também para o símbolo da medicina. Aliás, o próprio distintivo pagão de Hermes foi usado, nas guerras do Ocidente, para anunciar médicos militares e pessoal não combatente - antes da adoção do símbolo cristão da Cruz Vermelha.
O símbolo primordial da medicina é um segmento retilíneo de galho de árvore entrelaçado por um casal de serpente em cópula. Esboçado assim, exibe as tais duas simbolizações fundamentais: a da sobrevida da espécie (a madeira fálica, a forma do animal e a cópula) e da sobrevida do indivíduo (as serpentes descamáveis). As mais remotas representações já reduzem o pedaço de árvore a cajado ou bastão. Uma delas está no Louvre (2000 aC) e outra foi divulgada por Heuzey (2350 aC), ambas em cálice votivo para libação cerimonial a Ningishzida.
O moralismo ainda pré-cristão, mas principalmente cristão, entretanto, acabou fazendo lamentável censura à cópula das serpentes, reduzindo-as a apenas uma. A censura sexual sempre foi compreensivelmente mais severa no âmbito da medicina. Nisso pesou também a aproximação simbólica com o crucifixo. Assim foi deformada a comovente simetria do símbolo e ficou desequilibrada a forte mensagem emitida desde o paleolítico. A simples comparação visual, entre a mensagem semiografica, em pedra sabão, datada de quatro mil anos atrás, e o desenho molecular, da metade do século 20, é a esmagadora demonstração de que o código xamânico intuiu com incrível precisão o código genômico.
Vista sob tais antecedentes, a polêmica sobre uma ou duas serpentes perde muito de sua paixão. Nada melhor que um pouco mais de cultura para desinflamar debates apressados. A propósito, a medicina brasileira, desde antes da chegada dos europeus, está envolvida, de modo bem específico, com a serpente. No exercício da medicina a que foi obrigado, Anchieta foi informado pelos nativos de que as pessoas picadas por cobra e que sobreviviam poderiam ser novamente picadas sem qualquer dano - o que não deixa de ser um lampejo de imortalidade. Daí por diante coisas maravilhosas aconteceram. Pois não foi brasileira e também mineira a contribuição decisiva de Vital Brasil contra o MAL da ofensa ofídica? E não foi da brasileiríssima jararaca que nossos cientistas (um deles o mineiro Wilson Beraldo) descobriram o BEM não só da bradicinina (chave de herméticos segredos da fisiologia), mas também da família revolucionária de anti-hipertensivos, iniciada com o captopril?
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O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais



quinta-feira, 19 de junho de 2008

JARBAS JUAREZ ANTUNES - haverá artista mais original em Minas ?
João Amílcar Salgado
Sou testemunha presencial de como se revelou ao mundo o talento polimorfo deste originalíssimo artista mineiro. É glória de três cidades: nasceu em Coqueiral, viveu a infância e a juventude em Nepomuceno e, em Belo Horizonte, Guignard e o ambiente artístico dos anos dourados lhe fizeram o acabamento criativo. Forma com Álvaro Apocalipse e Amílcar de Castro a santíssima trindade da presença artística sul-mineira na Capital. Acompanhei a progressiva ampliação dos rótulos que veio recebendo: no início era excepcional desenhista, depois foram-lhe reconhecidas as várias facetas de pintor, mais tarde as de escultor e finalmente o impacto de seu domínio das cores. É sobretudo o intrigante comunicador da arte que atinge grande número de apreciadores, quase sempre silenciosos, mas sempre atentos e sempre à espera de sua próxima e inédita maneira de expressar-se.
Cito o exemplo do cientista Wilson Beraldo. Por volta de 1977, topo com ele numa exposição do Jarbas. Perguntei que sabia do artista. Respondeu que não o conhecia pessoalmente, mas o vinha acompanhando ao longo da carreira e estava ali para ver suas novas criações. Apresentei um ao outro e o Jarbas ficou sabendo que o descobridor da bradicinina (a maior realização da ciência mineira e brasileira, depois da descoberta da doença de Chagas) vinha sendo seu admirador silencioso há bastante tempo.
Outro cientista que muito o admirava era Liberato DiDio, o anatomista. Fiel a sua ascendência italiana, DiDio estava à busca de estudantes e docentes inclinados a unir ciência e arte. Freqüentavam seu laboratório anatômico os docentes-artistas Geraldo Dângelo, Jairo Câmara, Hélcio Werneck e Edson Moreira, os estudantes-artistas Edson Razuk, Alberto e Rui Paolucci e Carlos Fakir e também os desenhistas-ilustradores Tenente, Alemany e Jordá-Poblet. Garanti ao DiDio que aquele jovem, o Jarbas, não queria emprego, apenas permissão para desenhar cadáveres e peças anatômicas, pois era estudioso da técnica de desenho de Leonardo Da Vinci. E foi assim que o nosso artista teve para sua privilegiada formação, além das aulas do mestre Alberto Guignard, substancioso preparo em anatomia artística. Fez para mim uma escultura do coração que repousa sobre a palma da mão e, para o neurocirurgião Sebastião Gusmão, o cérebro em idêntica posição. Vale lembrar que desde bem cedo o Jarbas era ligado aos dois formidáveis médicos-artistas Chanina e Konstantin Kristoff, seus condiscípulos sob Guignard.
Quando foi criado o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais pedi ao Jarbas para restaurar um retrato danificado de Carlos Chagas. Daí ele passou a freqüentar as aulas de História da Medicina. Ele ficava na platéia com uma prancheta e, caso o tema o inspirasse, esboçava uma ilustração. Daí surgiram as duas esculturas citadas, uma gravura do aleijão do Aleijadinho e outra do centauro Quíron. Ainda hoje temos a esperança de que esta se torne uma escultura para ficar à entrada da Faculdade. E a missão do artista seria esculpir o centauro com base não só no desenho já feito, mas aproveitando os estudos elaborados por Auguste Rodin para uma peça que nunca chegou a confeccionar.
Mas as duas maiores contribuições do Jarbas, dentro desta cooperação, foi o grande painel sobre a história da medicina que se exibe no salão principal do Centro e a suntuosa capa do livro ERÁRIO MINERAL (1735), em edição fac-similar. Encantado com a beleza dessas duas obras, o professor Joaquim Carlos Salgado, também companheiro de juventude do artista, exigiu que fizesse painel análogo e igualmente fascinante para a Faculdade de Direito da mesma Universidade.
Em meu livro O RISO DOURADO DA VILA (2003), descrevo como a originalidade do Jarbas foi descoberta, sendo ele ainda garotinho, em virtude de seu modo inusitado de empinar papagaio. Falo da procedência macabéia dos Antunes. Relato como ele se encontrou pela primeira vez com Guignard. Descrevo como indicou o Henriquinho (futuro Henfil) para substituí-lo na elaboração de cartuns para um jornal. Lembro quando o visitei num apartamento quarto-e-sala, onde também morava o hoje conhecido poeta Afonso Romano de Santana e, mais tarde, numa república onde também moravam outros futuros intelectuais mineiros.
Jarbas, em sua magnífica versatilidade artística, ilustrou livros infanto-juvenis, um deles de Ângelo Machado, que era um dos jovens presentes naquele laboratório anatômico antes citado. E ilustrou um livreto da maior importância na história da inteligência mineira. Trata-se da segunda edição (1967) de ATUALIDADE DE DOM QUIXOTE, de autoria de Francisco Campos , ainda mais que prefaciado por Abgar Renault (1950). Sim, este multifário quixote da arte de Minas foi acertadamente lembrado para ilustrar o tema Quixote, no que este tem de criação imensamente original, ou seja, o romance por excelência, aquele que é trans-centenário, trans-etário, sempre imitado e nunca superado. E o desenhista alcançou justo o mesmo foco dos poderosos cérebros de Campos e Renault. Em outras palavras, basta observar as ilustrações, para verificar como o artista caminhou junto, unívoco ou unígrafo, com o pensador e o poeta. E foi assim que os três atingiram a significação máxima do protagonista, que, por sinal, só poderia ter sido engendrado das profundezas do pensamento ibérico.


O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
A ONOMATOMANCIA NEPOMUCENENSE
João Amílcar Salgado
Os habitantes da cidade de Nepomuceno desenvolveram há muito tempo o hábito de achar semelhanças fisionômicas entre as pessoas. De mania divertida passou a ser um esporte, principalmente por influência do cinema, quando vários artistas que apareciam na tela eram apontados como semelhantes a pessoas da cidade. O costume progrediu de modo recíproco, quando as pessoas da cidade passaram a ser apelidadas com o nome (onomato) de atores ou personagens. E a coisa se expandiu com os jovens que buscavam estudo ou trabalho em outras cidades. Qualquer pessoa desses lugares poderia ser apelidada de seu parecido. Uma penúltima etapa desse cacoete foi a busca de semelhanças não mais entre pessoas, mas entre acontecimentos, especialmente os engraçados. E mais uma etapa afinal ocorreu na mente de alguns fanáticos colecionadores de tais semelhanças. Estes passaram a suspeitar que outras cidades conspiravam para imitar coisas que acontecem, aconteceram ou (pior) acontecerão em nossa cidade.
A essa mania própria de Nepomuceno dei o nome de ONOMATOMANCIA NEPOMUCENENSE. Com isso, a antiga Vila passa a ser A CAPITAL ONOMATOMANTE DO MUNDO. Tal título ficou incontestável diante de três episódios que elevam o fenômeno nepomucenense ao plano internacional. Interessante é que dois deles têm como protagonista nada menos que o saudoso Edmilson Cardoso Costa, personalidade queridíssima de nossa história. Pouca gente o tratou por seu nome verdadeiro, pois era conhecido por nada menos que dois apelidos: Zotinho e Passata. Era Zotinho, em seu lado sério de corretor de café, um dos melhores que já tivemos. E era Passata, em seu lado boêmio, companheiro da juventude e disputado para estudantadas, seja na Vila seja na Capital.
O primeiro episódio internacional de onomatomancia nepomucenense em que o Passata se envolveu foi quando o ator Marlon Brando dançou o último tango em Paris, no filme do mesmo nome (1972). Todos os ex-estudantes nepomucenenses que viram a cena na tela exclamaram: será que a família Bertolucci de Lavras relatou ao autor da fita os mesmos passos de tango exibidos pelo Passata no cabaré Montanhês, em Belo Horiconte, em 1959? Ao saber dessa façanha do Passata, o diretor Bernardo não teria resistido à tentação de fazer do causo um filme. Não só incluiu a mesma dança no roteiro, mas encerrou o enredo com ela e, mais que isso, fez dela o nome do próprio filme. É onomatomancia prá ninguém botar defeito!
O segundo episódio do mesmo Passata foi quando a CIA resolveu procurar, em todos os países, os sósias mais perfeitos do presidente Reagan. Isto porque este tinha levado seis tiros, em 1981, e o papel dos sósias era aparecerem em público em vez do presidente. Ora, desde quando Reagan era mero e péssimo artista de cinema, nós já o chamávamos de Passata quando aparecia na tela do cine-teatro da Samina (nossa inesquecível Sá Mina: Guilhermina Guimarães Cardoso). Um agente da CIA foi informado disso por um primo, professor visitante da antiga ESAL, e veio bater uma foto sigilosa do Passata em Nepomuceno. Nosso herói tirou o terceiro lugar no mundo, entre os sósias selecionados. Mas quase esganou o ianque, quando este lhe propôs sete mil dólares por mês para levar tiro em vez do verdadeiro Reagan.
O terceiro episódio foi quando passou aqui o filme Melhor Impossível, estrelado por Jack Nicholson (1997), e este aparecia na tela evitando pisar nos riscos do piso das ruas de Nova Iorque, ou seja, o ator protagonizava autêntico fenômeno de catação-de-risco. Todos os nepomucenenses que viram a cena exclamaram: olha lá!, o Jack está, vergonhosamente, imitando cena acontecida em Nepomuceno em 1946, sendo que o protagonista original era nosso querido dentista e professor de inglês Sílvio Veiga Lima! E note-se que o Jack era ali uma celebridade a fazer o papel de um catador-de-risco, enquanto hoje sabemos que, pelo menos, duas celebridades, o cantor Roberto Carlos e o ator Leonardo DiCaprio confessaram ser catadores-de-risco em suas vidas reais.
Até o momento, a única hipótese para a chegada da catação-de-risco aos EUA é ter sido levada por um nepomucenense chamado Joaquim Lucinda, que se vangloriava de ter ido até lá, mais de uma vez, por um atalho secreto de poucos dias, a pé. Na Europa, o fantástico pseudologista barão de Münchausen (1720-1797) hoje é também conhecido como o Lucinda europeu - e vice-versa. A propósito, meu grande amigo José de Souza Andrade Filho, um dos maiores histopatologistas brasileiros - ao ler meu livro O RISO DOURADO DA VILA, onde traço a história da onomatomancia nepomucenense - deduziu que ele próprio, era, sem o saber, o papa onomatomante da medicina, graças a suas pesquisas sobre analogias na terminologia médica.
Não posso encerrar sem proclamar que a onomatomancia nepomucenense foi alçada até mesmo às artes plásticas, pois está registrada no enorme e belíssimo painel pintado por Jarbas Juarez Antunes (Jarbinha, Binha) para o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Nele está sintetizada a história da medicina e aparecem ali um homem examinado por doutores medievais, um outro de óculos dissecando um cadáver e um terceiro de avental ensinando pediatria, que, depois de disfarçados a meu pedido, são, em ordem respectiva, o próprio Jarbas, eu e o Edward Tonelli, onomatomanticamente eternizados por uma homenagem a nossa cidade.

O autor é professor titular de Clínica Médica da UFMG e historiador do Sul de Minas






A MÁ-DIGESTÃO E NEPOMUCENO

João Amílcar Salgado

Nesta data verifica-se a repercussão do lançamento de um livro que honra a cultura de Minas. No 39º Congresso Brasileiro de Gastroenterologia, em novembro de 2006, na cidade de São Paulo, foi lançada a obra DISPEPSIA NA HISTÓRIA & A HISTÓRIA DA DISPEPSIA, versão em livro da tese de mestrado do médico Carlos Amílcar Salgado. Trata-se de um texto que é de interesse de pessoas cultas, especialmente historiadores, podendo até ser lido pelo público em geral. Nele a gente aprende como a má-digestão, que os médicos chamam de dispepsia, foi importante na história da humanidade. Por outro lado, ali é relatado como a dispepsia atormentou grandes figuras da humanidade, a exemplo do imperador Marco Aurélio, do califa Al-Mansur, do iluminista Voltaire, do conquistador Napoleão e do cientista Einstein. Também permite deliciosa viagem ao longo da busca por remédios capazes de aliviá-la, desde plantas e minerais, até produtos da alquímia e da tecnologia atual. Os aplausos recebidos pelo livro é mais uma evidência da projeção da gastroenterologia mineira e da Universidade Federal de Minas Gerais no plano nacional.
Entre os muitos comentários que o tema sugere, é oportuno lembrar sua relação com a cidade de Nepomuceno. Isto porque a tese de Carlos Amílcar Salgado acabou sendo uma homenagem a seu avô, o farmacêutico João Salgado Filho, inventor de célebres gotas para má-digestão. O João Sargado, como era chamado pelos nepomucenenses, vinha observando que o pessoal da Vila sempre comparecia a sua farmácia à procura de alívio para problemas com a digestão.
O sintoma parecia mais comum aqui do que em outros lugares. A princípio ele suspeitou de uma raça de lombriga que só dá aqui, chamada pelo Malico de lombriga de coleira. Mas é quase certo que o mal seja mais simples: resulta do gosto de algumas de nossas famílias pela boa mesa e por refeições exageradas. Querendo aliviar fregueses e amigos, ele começou por selecionar as melhores poções já conhecidas e afinal decidiu criar fórmula inteiramente nova.
Certo dia, um homem chegou à farmácia com cara de desespero e disse que estava com a boca do estômago crescida e não agüentava mais aquele empanzinamento. O Sargado trouxe uma xícara com dois dedos de água e pingou dez gotas do novo remédio. Em poucos minutos veio o alívio e o sofredor exclamou: foi o padre Vítor que me guiou prá entrar nesta farmácia! Daí que o povo passou a chamar o medicamento de gotas do padre Vítor. A verdade é que quando interrompemos a manipulação dessas gotas, muita gente se sentiu desamparada na cidade.
O próprio inventor, que por sinal foi batizado pelo padre Vítor, ficou tão feliz com sua criação que quis dar-lhe um nome à altura, chamando-a tecnicamente de gotas eupépticas, mas, com o tempo, aceitou o apelido dado pelo povo.
Assim, posso muito bem imaginar a satisfação do avô: a razão e o sucesso de sua invenção se reproduzindo no tema e no sucesso do livro de seu neto.

O autor é professor titular de Clínica Médica da UFMG e historiador do Sul de Minas

sexta-feira, 28 de março de 2008

D. JOÃO VI E A MEDICINA


Em 2008 comemoramos os 200 anos da chegada de João 6o ao Brasil e esta é a oportunidade para que os historiadores da medicina perguntem: quais foram as relações de João 6o com a saúde? Comecemos por apontar três delas: a varíola de seu irmão, a loucura de sua mãe e a autorização para a abertura de cursos médicos no Brasil.
A VARÍOLA NA CORTE. O príncipe José, irmão mais velho de João 6o , seria o herdeiro do trono luso, mas sua morte, em 1788, aos 26 anos, causada pela varíola, exigiu que João passasse a herdeiro. A data da morte do príncipe José indica que este sofreu a varíola um ano antes da publicação sobre a vacina feita por Jenner em 1798. Mas antes da vacina de Jenner já havia o recurso à variolização, prática milenar oriental, divulgada na Europa por Lady Montagu desde 1721. Tal recurso poderia ter salvo o príncipe José que foi educado e preparado para assumir o poder. Com sua morte, o príncipe João teve de ser de certa maneira improvisado para a missão difícil de governar aquele vasto reino, mais ainda naquelas circunstâncias históricas.
A LOUCURA DE MARIA 1A. Maria 1a foi a primeira rainha reinante de Portugal, filha de pai português, o rei D. José, e de mãe espanhola, Mariana de Bourbon. Este casal não teve filhos homens e daí Maria se tornou herdeira. Casou-se com um tio, Pedro 3o, e acompanhou a morte de vários filhos, inclusive a do príncipe herdeiro José, falecido dois anos após o pai (ele também casado com uma tia). Os biógrafos apontam como circunstancia de sua loucura, além da hereditariedade endogâmica, a mudança de uma vida inicial de mulher despreocupada para o exercício súbito, em 1777 (um ano após a guerra de independência dos EUA), de pesadas responsabilidades masculinas, sob um céu existencial de terríveis nuvens ameaçadoras. Estas se compunham das mortes citadas, dos movimentos de independência nas Américas, do triunfo da revolução francesa, com reis guilhotinados, e do remorso pela aplicação da pena de morte (exemplo de Tiradentes) e pelas perseguições promovidas por Pombal e adeptos, especialmente aos aristocratas suspeitos de judaismo e aos jesuítas. Tudo isso era mais fanatizadamente aterrador e mais demonizadamente angustiante em conseqüência da exploração de seu pietismo infantil por seu confessor, o inquisidor José Maria de Melo, bispo do Algarve. Em outras palavras, Maria estava esmagada entre, de um lado, a força do pombalismo, com pressões para ser simples déspota, se possível déspota esclarecida e se possível ainda “déspota constitucionalista”, e, de outro lado, a versão católica do pietismo, de devoção ao Sagrado Coração, pregada por prosélitos da Visitação e inspirada em Santa Margarida Maria O historiador da medicina corre o risco de analisar anacronicamente a loucura de Maria 1a. Para se prevenir disso deve conhecer bem o capítulo da história da psiquiatria pré-nosológica, própria da época, seja na Europa, seja especificamente em Portugal. A corte chegou a mandar vir o padre e médico Francis Willis que teria curado a loucura do rei inglês George 3o e que nada pôde fazer no caso da rainha, apesar dos honorários regiamente cobrados. A cura de George 3o, diante da terapêutica ministrada por Willis, levou alguns historiadores a levantar a suspeita de sintomas reversíveis de origem orgânica, como porfiria ou envenenamento. A idade avançada de 82 anos com que morreu Maria 1a faz supor que sua loucura não era grave. O diagnóstico proto-nosológico de melancolia mencionado na época é interessante, pois continua em moda, hoje com a tentativa de moderniza-lo no âmbito do transtorno bipolar (como semiologista, uso aqui o péssimo designativo transtorno sob protesto). O anacronismo neste particular é grave, na medida em que taxonomistas ianques querem sancionar a manutenção do uso do velho vocábulo, restringindo-o à manifestação apenas monopolar, mais lamentável ainda se vinculada a déficite mental. Isso chega a significar ofensa à abrangência semântica de melancolia, já que o termo já dispunha de cânone artístico, aristocraticamente timbrado, depois que o renascentista húngaro Albrecht Dürer (gênio universal, uma espécie de Leonardo da Vinci do norte da Europa, para onde migrou) pintou célebre quadro com tal nome. O temo melancolia (que literalmente significa pletora de bile negra, sendo bile = cole e negra = melanos) remonta ao médico, poeta e filósofo pré-socrático Empédocles, outro gênio universal, nascido em Agrigento, na Sicília. Enquanto os neurocientistas de hoje localizariam a melancolia no encéfalo, antes os médicos, durante mil anos, a localizavam no baço (local próprio da bile negra, oposta à bile amarela, simetricamente localizada no fígado). Ainda no século 19, sob um céu também de terríveis angústias, representadas pela peste branca da tuberculose, os poetas ultra-românticos usavam o termo spleen (baço em inglês) para designar o culto à melancolia, ao tédio, ao suicídio e ao abismo (remontante a Byron), como foi o caso de Charles Baudelaire, autor de um soneto e três poemas com o mesmo nome, e do poeta brasileiro Álvares de Azevedo, autor de dois poemas SPLEEN E CHARUTOS e MACÁRIO, onde aparece o termo.
ABERTURA DE CURSOS MÉDICOS POR JOÃO 6o . Não é correto dizer que João 6o trouxe o ensino superior de medicina para o Brasil. Jornalistas e até historiadores estão cometendo o erro de confundir curso de cirurgia com faculdade de medicina. João 6o abriu em 1808 dois cursos de cirurgia, um em Salvador e outro no Rio. A verdade é que tais cursos não eram de nível superior, isto é, não eram faculdades de medicina. E nem foram os primeiros criados no Brasil, pois o próprio príncipe regente já havia criado um curso de cirurgia em Vila Rica em 1801 e este estava funcionando quando da chegada da corte. Outros cursos haviam sido autorizados mas só o de Vila Rica funcionou regularmente. As faculdades de medicina só surgiram em 1832, depois da independência

quinta-feira, 27 de março de 2008

segunda-feira, 10 de março de 2008

DE PROTAGONISTA A HISTORIADOR

Em diversas ocasiões tenho denunciado o progressivo aprofundamento da crise na saúde e na educação. Tais posicionamentos decorrem de minha participação ativa no processo constituinte, quando vários itens pelos quais lutei foram incluídos nas constituições federal e estadual. Apesar de apontar falhas no texto final, participei com muita esperança dos preparativos para a saúde e a educação do governo federal Tancredo Neves. Acreditava mesmo que a autoridade desfrutada pelo novo governo sustentaria verdadeira revolução nestas áreas.
Com a morte de Neves, tudo mudou sombriamente e isso testemunhei de perto. O governo Sarnei, logo substituiu a autoridade pelo acovardamento, notadamente quando se tratou de implementar os itens mais drásticos exigidos pela constituição, seja na concretização do sistema único de saúde, seja na montagem de um ensino público universalizado. Era de se prever que as acomodações de Sarnei atingissem o caos no governo Collor e assim foi. Apesar disso, na luta desesperada para salvar alguma coisa, ainda conseguimos, no governo Itamar Franco, acabar com a central de negociações chamada Conselho Federal de Educação. Já no governo de Fernando Henrique Cardoso, encerrei qualquer participação em nível federal por meio do telegrama que enviei ao recém-empossado ministro Paulo Renato de Souza, quando lhe apontei a maneira irresponsável com que estava instituindo um monstrengo: o provão.
Ao tomar posse o governo Lula, cheguei a publicar no jornal CAROS AMIGOS uma espécie de roteiro por itens para que os leitores conferissem as providências que esperávamos do novo governo. Minha grande curiosidade era verificar como sua equipe enfrentaria o estado de coisas na saúde e na educação. E me surpreendi com a serenidade de seus ministros nestas áreas! Para meu estarrecimento, eles se comportaram como se estivessem ali apenas para maquiar os desastres de seus antecessores.
Na condição não mais de protagonista mas de historiador, faço aqui a análise da saúde e da educação, com base em minha vivência desde o governo estadual de Juscelino Kubitschek. Sim, desde meus posicionamentos colegiais e universitários, inclusive como orador da turma ao termino do governo nacional de Juscelino, tenho sido testemunha não apenas da irresponsabilidade governamental, mas das oportunidades perdidas e dos sonhos desfeitos, seja na trincheira da saúde, seja na frente educacional.

AO-PERSISTIREM-OS-SINTOMAS É UMA BOFETADA HISTÓRICA NA DIGNIDADE PROFISSIONAL DO MÉDICO

A automedicação foi objeto de pouca ou nenhuma pesquisa por parte dos historiadores da saúde. Dados coligidos em Minas Gerais indicam que sua história está superposta à da religiosidade popular, das terapias hoje chamadas alternativas e das ocupações da saúde não exercidas por médicos.
Reciprocamente, a vigilância sanitária na área química e farmacêutica também tem sido evitada pelos historiadores. Na química nascente do século 18, aconteceram cem anos de invalidez e morte, pelo uso a esmo de doses maciças das primeiras substâncias purificadas, a ponto de surgir a homeopatia, que, sob tal perspectiva, foi um pedido histórico de clemência, em favor da diluição dos tóxicos. Ingenuamente se acreditou que as farmacopéias, inicialmente não-oficiais e depois oficiais, fossem suficientes para corrigir abusos decorrentes da cupidez mercantil. Veio então, no começo do século 19, a polícia médica de Peter Frank, intuitiva e ingenuamente fundada no conceito faraônico-bíblico do limpo versus sujo. Desde então, a vigilância ficou estagnada ou apenas maquiada, na justa medida em que a mercantilização se tornou imensamente poderosa.
Tal descalabro culmina com inacreditável anúncio com que somos agredidos diariamente. Trata-se de ostensivo apelo à automedicação, que se completa com acintoso e cínico lembrete: ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado. A vigilância sanitária, os ministérios da saúde e das comunicações, bem como as entidades médicas e dos farmacêuticos são, portanto, inescapáveis co-réus deste duplo crime. Duplo por que? Não contente em pôr em risco a população pelo incitamento à automedicação, o anunciante constrange os médicos, e à própria revelia destes, a passivos cúmplices e a humilhados legitimadores de tão infame e perversa gana consumista.
Diante de tanta desfaçatez, resta à vigilância sanitária ouvir um apelo para que se distancie do século 19 e se encoraje para enfrentar o gigantismo dos interesses trilionários ou miliardários do século 21: interesse, cobiça e ganância do narcotráfico, do terrorismo químico e biológico, dos fabricantes de venenos agrícolas e domésticos, da indústria de alimentos, bebidas e tabaco, das transnacionais farmacêuticas e da neoindústia do doping e dos transgênicos.
Como fazer vigilância de tantas ardilosas atividades, por meio de pachorrenta burocracia, altamente vulnerável à corrupção, que, ao mesmo tempo, tem de ficar super-alerta contra o recrudescimento veloz das pestes infecciosas, não só humanas, mas animais e vegetais?

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

OBJETIVO DESTA PÁGINA

É viabilizar eletronicamente o que vem sendo feito há muito tempo: a distribuição manual de textos avulsos escritos pelo autor, João Amílcar Salgado, a amigos que o ouvem em palestras ou o visitam. Os textos se referem às áreas de interesse do autor que são: saúde, medicina, história da medicina, história de Minas Gerais, do Brasil e da humanidade, bem como educação em saúde, pedagogia, antropologia e filosofia.
A mudança do meio de divulgação se dá em razão das efemérides do ano passado e dos anos próximos referentes ao conjunto de fatos e figuras da história da medicina e da educação estudadas pelo autor, inclusive aqueles com quem tem envolvimento e aquelas com quem conviveu. Adiantamos três exemplos: o centenário de Guimarães Rosa em 2008, a abertura de cursos de cirurgia por D. João VI em 2008 e o centenário da descoberta da doença de Chagas em 2009. Ao mesmo tempo a experiência do autor em assistência e ensino médico dá-lhe autoridade para debater os graves problemas de saúde e educação que o país e o mundo vivem no momento. Recentemente foi divulgada monografia do autor cujo título diz tudo: DURAS VERDADES SOBRE SAÚDE E EDUCAÇÃO. Extratos dela deverão ser aqui transcritos.