sexta-feira, 27 de novembro de 2009


MÁRCIA (ALVES VILELA) DE SOUZA ALMEIDA

Em 2006 recebi das mãos de uma senhora, às vésperas de seus 90 anos, um livro de belo título: SEMEANDO E COLHENDO, que acabara de escrever. Na capa estava estampado seu belo rosto, quando jovem, flagrado em cativante sorriso. Comparei a foto com o rosto ali defronte e me espantei de ver como tantas décadas não foram capazes de desfazer aqueles delicados traços de beleza. Na dedicatória ela escreveu: Ao emérito cientista e cultor das artes, com o carinho e a admiração da prima, Márcia.

Essa extraordinária Márcia fez bem em deixar registrado o que o casal de educadores Márcia-Manoel Almeida SEMEOU e COLHEU pelo Estado de Minas Gerais inteiro. Admira-me como a Márcia fulgura com desembaraço na rica galeria de mulheres da família Vilela, aclamadas como queridas educadoras: Marta Nair Monteiro, Iracema Vilela Lima, Climar Vilela Paiva, Maria Aparecida Salgado e Neusa Vilela Salgado.

Márcia é filha da Dona Micota (Maria Olímpia), uma mâezona da velha têmpera Alves Vilela. Foi a querida dama de Boa Esperança, que ajudou o alfaiate João Rosa, a bem educar seus quase vinte filhos, sendo ambos, por isso mesmo, também notáveis educadores. Ela, exímia na culinária e na costura, e ele, na alfaiataria e na música, que obtiveram de cada filho dominar o canto e também um instrumento musical, dominando ele o saxofone, embora tirasse o sustento de tantos, segundo a Márcia, pelo menor instrumento de trabalho – a agulha – a amiga silenciosa e discreta. Dona Micota era filha de Joana Alves Vilela e do poeta Modestino Moreira, sendo Joana filha de Modesto Vilela e de Laura Alves Vilela (ou seja, curiosamente, a filha do Modesto matrimoniou-se com o Modestino).

Perguntei ao Carlos Netto, também musicista dorense, se, pelo pendor musical, havia a possibilidade de o saxofonista João Rosa ser parente do compositor Noel Rosa, que tinha parentes mineiros. Netto achou pouco provável. Mas hoje estou em busca de algo mais: o eventual parentesco entre dois Joões Rosas: o sulmineiro João Rosa e o sertanejo João Guimarães Rosa.

A música é marca tão forte na Márcia que ela recheou seu livro com as letras e partituras das canções que ela (e eu) mais preza. A tradição musical de Boa Esperança, simbolizada em Nelson Freire, passa necessariamente por esta família. Mas, nas páginas citadas, o que me encantou em especial é a foto saudosa de João e Micota com a filharada, que poderia ter por legenda: UMA FAMILIA SULMINEIRA TÍPICA E EXEMPLAR.

domingo, 22 de novembro de 2009

NOBEL A CHAGAS EM DEBATE respeitoso

João Amílcar Salgado

- Os debates democráticos, que chegaram a acalorados mas não desrespeitosos, ocorridos ontem, 16-11-09, na reunião da Academia Mineira de Medicina, mostram que, num momento tão próximo do final das comemorações do centenário da descoberta da doença de Chagas, persiste a tendência, observada desde a morte de Oswaldo Cruz, de se punir Carlos Chagas pela ousadia de ser gênio, num país eivado de recalques coloniais. E seus detratores de ontem e de hoje persistem na tendência em considerar tal ousadia ainda mais afrontosa já que manifestada por um caipira mineiro.

- É de todo lamentável a confirmação da divisão, também já verificada desde bem antes, de detratores não-mineiros versus defensores mineiros. Isso ficou evidente quando outro mineiro, Vital Brasil foi ontem desaforadamente acusado de cobiça financeira.

- Infelizmente o tempo disponível não permitiu que se discutisse a frustração da premiação Nobel de Chagas, comparada com outras igualmente frustradas, como a de César Lattes, Josué de Castro e Helder Câmara, sendo que o prêmio chegou mais perto não destes, mas de Mário Pinotti, exatamente na área da saúde, por seu estalo de Vieira (como ele mesmo dizia) de ter alegadamente criado a sal cloroquinado e o reboco das cafuas com estrume.

- Outro dado que o tempo não permitiu discutir foi a recentíssima premiação de Barack Obama, que contrasta com a sabida pressão de Harvard em favor de Chagas. Teríamos mostrado que Harvard, na época, não tinha, para os escandinavos, a imagem e a força que tem hoje. Na exposição que fiz, em 1999, fiz um histórico de prêmios Nobel dentro e fora da medicina, pormenorizando as controvérsias. Detive-me especialmente nos escândalos de Roentgen (logo o primeiro premiado) versus Lenard, Cajal versus Golgi e, principalmente, a absurda premiação de MacCleod, em detrimento de Best, pelo isolamento da insulina.

- Outra tendência que parece ganhar corpo é o velho truque de demarcar referencias bibliográficas consideradas confiáveis pelos detratores, daí decorrendo a desqualificação das referências apresentadas pelos defensores. No caso, com o agravante de deslocar para a Argentina e o Uruguai a localização de fontes insuspeitas. Com três pesquisadores mineiros, ligados a Manguinhos, Amílcar Viana Martins, José de Noronha Peres e José Pellegrino, discuti a negativa do premio a Chagas, desde antes de 1961, sem que nunca tivessem vinculado o tema a autores argentinos ou uruguaios. Pelo contrário, quase sempre manifestavam reservas em relação aos retardatários do Cone Sul, exceto os chilenos. Essas reservas se confirmaram afinal quando do lançamento do que seria o primeiro medicamento contra nosso tripanosoma, plenamente aprovado por eles e desaprovado pelos pesquisadores mineiros, e quando da autorização para imunosupressivos a chagásicos.

Como conclusão maior, resta a sugestão de sincero esforço profilático contra os desvios tendenciosos e da busca de ângulos ainda não utilizados ao longo de décadas de debate.

Em tempo. Mais uma sugestão: seria lamentável qualquer êxito na tentativa de aloirar o “acobreado” Carlos Chagas.

sábado, 21 de novembro de 2009

EM MEIO A MEGA-DESASTRES, NAVEGA NOSSA NAU DOS INSENSATOS, COM A SAÚDE E A EDUCAÇÃO A BORDO

Quanto mais bem sucedido vem sendo o atual governo na melhoria da distribuição de renda no país, mais escandaloso é seu fracasso em saúde e educação. Em meio a mega-desastres aéreos e à violência crescente, ninguém está dedicando atenção a nosso risco como passageiros desta verdadeira nau dos insensatos, capitaneada pelos ministros da saúde e da educação.

É ledo engano pensar que uma boa notícia, como o anúncio do pré-sal ou o reconhecimento do BRIC, seja capaz de compensar a derrocada na saúde e na educação. Tais boas-novas desviam a atenção, anestesia dores menores, produz refresco breve – mas as duas feridas largas e profundas, da saúde e da educação, prosseguem subsistentes. Já as más notícias, principalmente a péssima notícia, como de três mega-desastres aéreos recentes ou da violência endemo-pandêmica, podem aprofundar a anestesia, mas seu efeito é igualmente temporário.

E os próprios respectivos setores governamentais se encarregam de reacender, rápido, o ferro-em-brasa da débâcle na educação e na saúde. Isso acontece quando, de modo trapalhão, tentam melhorar as coisas, mas acabam piorando tudo e fazendo tudo ficar irreversível. Por exemplo, no hemisfério norte, tenta-se responder ao craque imobiliário com duras medidas não só contra a farra de contas em paraísos fiscais, de lucros, de salários e de spreads, mas também contra a cultura da irresponsabilidade ou contra os dispositivos controladores cevados na promiscuidade explícita com os controlados. Enquanto isso, aqui tudo prossegue como-dantes-no-quartel-de-abrantes – com farra análoga, só que maior, com a mesma cultura, só que ao jeitinho brasileiro, e com igual promiscuidade, só que muito mais cínica.

Na educação, acabam de transformar o ENEM (herança maldita do fiasco do provão) num arremedo de “exame vestibular nacional”, no qual qualquer cultor do óbvio é capaz de reconhecer autêntico vôo-cego de aprendizes-de-feiticeiro. Este pseudo-vestibular nacional, chega para ser um requinte a mais na desbragada mercantilização do ensino superior. Nesta se inclui a imensa insensatez da explosão de faculdades picaretas de medicina, e, para maior horror, o vergonhoso colapso do ensino público pré-universitário, estando as nossas antigas escolas primárias à mercê de gangues de pivetes e de livros didáticos alegremente obscenos. Intrínseco a isso, no ensino superior público, o mencionado neo-liberalismo farrista causou e causa o sucateamento físico, docente e moral das universidades - sendo este último só agora noticiado, com vários reitores deslocados, na mídia, das páginas de ciência para as páginas policiais. E, para coroar o descalabro, assistimos atônitos à avassaladora aventura do ensino-à-distância, com todo seu claríssimo potencial de fraude e corrupção. Tanto este como o ENEM e o ENADE estão sendo empurrados goela-abaixo das universidades públicas, a poder de coação e até de chantagem.

Na saúde, somos obrigados a assistir deprimente competição diária por estacionamento, quando as ambulâncias municipais, recém-chegadas de cada cidade do Estado, disputam espaço para descarregar casos não-resolvidos no Hospital das Clínicas. Na outra ponta, nos postos de saúde metropolitanos, prossegue, a cada minuto, o confrangedor desfile de dor, pranto, morte e tumulto nas filas de atendimento. Ao mesmo tempo, os “planos de saúde”, que não são planos e nem são de saúde, faturam milhões e milhões. E não constituem nenhuma assistência suplementar ao SUS, mas sim dispositivos de fato complementares, que estão aderidos ao SUS num abraço letal. Os assessores ministeriais, arrasados por tanta incompetência, paradoxalmente se animam diante das últimas ameaças de epidemia ou se assanham no afã de uma campanha contra isso ou aquilo - na esperança de poder parecer que, pelo menos nesta ou naquela questão conjuntural, se estão saindo bem ou menos mal (mas estão muito mal nos escândalos cumulativos do tamiflu restrito a grupo de risco, do atraso da vacina antigripal e do diagnóstico específico da gripe suína limitado a três centros). Ou então anunciam, como se fosse grande achado inovador, a proibição da auto-medicação com elixir paregórico, com formol ou com antibióticos ou ainda do banho ultravioleta, escondendo do público que qualquer restrição à cobiça infinita da industria de saúde é feita de comum acordo com ela própria, sob a alegação neoliberal de procurar não ofender o mercado.

E, para fechar com chave-de-ouro esse tour maldito de insensatezes, se aferram, com cega obstinação, àquilo que considero a maior cara-de-pau da histórica da medicina. É quando fazem o alerta solene de que, caso algo dê errado, caso o problema persista, que o cidadão procure um médico. De preferência um médico despreparado, formado numa faculdade picareta, que eles próprios acabaram de autorizar

* * *

E O MINISTRO NÃO RENUNCIOU!

O principal do texto acima saiu em meu blogue (jamilcarsalgado.blogspot.com) em 22 de junho de 2009. Diante do que está dito aí, os amigos perguntaram: se isso é fato, será que vai estourar algum escândalo produzido por tanta insensatez? E não é que, no dia 1º de outubro de 2009, a imprensa denuncia a fraude do ENEM, levando à suspensão do pretenso vestibular? A partir daí recebi muitos cumprimentos (sem qualquer alegria minha) pela profecia de junho. Mas o maior escândalo não é a fraude. O maior escândalo é que o MINISTRO NÃO RENUNCIOU. E continua a se exibir na mídia como se a coisa nada tenha a ver com ele! E NINGUÉM ESTÁ EXIGINDO A SUA RENUNCIA!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

INDÚSTRIA DE SAÚDE e pedagogia médica

João Amílcar Salgado

FARMACOBRÁS VERSUS BIOBRÁS

Em 1963, eu era recém formado, quando Marcos de Mares Guia, Carlos Ribeiro Diniz, Zigman Brener, Amílcar Martins, líderes do diretório acadêmico e eu participamos de uma reunião para propor que, entre as chamadas reformas-de-base do governo João Goulart (educacional, tributária, eleitoral, agrária e urbana), fosse incluída a da indústria farmacêutica. Defendíamos a criação da Farmacobrás, espelhada na Petrobrás. Como era do estilo do Marcos, ele, mesmo em plena ditadura, prosseguiu defendendo uma indústria nacional de medicamentos e acabou substituindo a nossa Farmacobrás pela Biobrás. Para isso ele se valeu do que observara na Europa e na Norte-América.

Marcos de Mares Guia foi criticado por aproveitar nossa experiência com o curso pré-médico para instituir o cursinho Pitágoras e de aproveitar a nossa proposta da Farmacobrás para instituir a Biobrás, ambas instituições privadas. Como seu admirador, lembro que ele não tirou nada de ninguém, pois era co-autor da experiência e da proposta, tanto como eu e os outros. E digo mais: sua capacidade realizadora percorreu o caminho que se abria a ela. Não havendo o golpe militar e sendo Kubitschek reeleito em 1965, é quase certo que a Farmacobrás fosse criada e que nosso colégio universitário, bem como os símiles do referido curso pré-médico teriam tal envergadura que reduziriam os cursinhos pré-vestibulares a fenômeno menor. E, quanto à edição de livros médicos (outra proposta nossa durante o governo Kubitschek), teríamos, em vez da Cooperativa Editora, uma editora de verdade.

A Biobrás ocupa lugar único na história da industria brasileira. Sua origem remonta, como foi dito, à proposta da Farmacobrás, mas sobretudo ao raciocínio imensamente criativo de Carlos Ribeiro Diniz, segundo o qual a escola bioquímica de Baeta Viana era a única a dominar de fato a enzimologia no hemisfério sul. E isso na terra do mamão e do abacaxi, fontes ultra-disponíveis dos dois mais potentes enzimas proteolíticos vegetais. Daí que cumpria aos bioquímicos mineiros a missão de fabricar medicamentos para o povo brasileiro, a partir de tais privilégios. Marcos de Mares Guia apresentou para tese professoral audaciosa proposta nesse sentido. Essa tese do Marcos e a minha de doutoramento têm este ponto em comum: em vez de meras peças acadêmicas, são um manifesto e um desafio em favor da solução de problemas da realidade brasileira. A quebra do monopólio da fabricação da insulina por um país do hemisfério sul foi uma das conseqüências de tal posição revolucionária, depois completada pela fabricação da insulina humana recombinante. Infelizmente a empresa brasileira assim criada hoje está nas mãos de uma indústria européia.

Outro fato, de que participei mais recentemente, está ligado ao desejo do Marcos de fabricar a vacina para a leishmaniose cutânea, desenvolvida por nosso querido Wilson Mayrink, concretizando um sonho de Samuel Pessoa. Técnicos governamentais obstaculizavam a autorização para que uma indústria mineira fabricasse a vacina de um cientista mineiro. O Marcos pediu ao Philadelpho Siqueira e a mim para falarmos com Sérgio Arouca em favor da causa de nosso Estado e este nos atendeu, depois que lhe sumariei o histórico acima.

ENSAIOS TERAPÊUTICOS

O conceito de ações alfa e beta da adrenalina, antes objeto de dúvidas, levou ao desenvolvimento de medicamentos que poderiam ser úteis na cardiopatia chagásica e também em testes comprobatórios da denervação cardíaca. Fomos os primeiros a pesquisá-los nesse sentido. Também fomos os primeiros a usar o mebendazol para demonstrar a simulação clinico-radiologica da úlcera péptica pela estrongiloidose. Ainda fomos os primeiros a usar o hicantone na esquistossomose, quando verificamos que o fabricante, por informação falsa, nos induziu a experimentar no indivíduo humano a forma injetável, sem testes prévios em animais.

A analogia entre, de um lado, as ações alfa e beta da adrenalina e, de outro, eventuais ações alfa e beta da histamina levou ao surgimento da cimetidina, da qual fizemos o primeiro teste duplo cego no Brasil, comparativamente a outros três em outros países. Demonstramos o erro do uso analgésico de antiácido no grupo placebo e comprovamos eficácia igual para a cimetidina e o antiácido, desde que prescritos adequadamente.A metodologia endoscópica usada aí teve repercussão nacional e nossos principais adeptos reuniram condições para a criação do Instituto Alfa de Gastroenterologia, no qual os ensaios terapêuticos se desdobraram no estudo do Helicobacter pilori.

TESE DE SEBASTIÃO SOARES LEAL E A TENTATIVA DE FORMULAR E FABRICAR NOVO MEDICAMENTO

Em 1982 Sebastião Soares Leal defendeu tese histórica sobre eficácia e custo de anti-ácidos comerciais. A repercussão levou à edição da tese em livro, pela Cooperativa Editora. O pesquisador concluiu que quase todos os anti-ácidos comerciais teriam que ser ministrados em alta quantidade para serem eficazes, sendo o pior de todos aquele fabricado pelo governo (Central de Medicamentos). Com base nessa pesquisa propus a formulação de um anti-ácido ideal, mas não houve interesse governamental. O laboratório Wyeth se ofereceu para fabricá-lo, depois desistiu e me devolveu o projeto. Para minha surpresa mais tarde lançou um anti-ácido baseado parcialmente nesse projeto.

PADRONIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS

Em 1972, implantou-se a residência médica inaugural da UFMG, a partir de comissão designada pelo diretor da Faculdade, da qual Ennio Leão (marco internacional no ensino pediátrico) era presidente e eu seu vice. A proposta era de concretizar uma residência médica verdadeira e decente, portanto isenta de todos os vícios que a residência atual exibe. Desse propósito surgiu a comissão de padronização hospitalar, outra novidade, composta de subcomissões para várias áreas, sendo a mais importante a subcomissão de padronização de medicamentos. E lá fomos o Ênio Leão e eu para a padronização. Antes tínhamos criado mais outra novidade, a farmácia hospitalar, entregue à competência da farmacêutica Zildete Pereira de Souza, que logo se tornou a maior autoridade nesta área no país. A seriedade decorrente fez surgir o primeiro de uma série de problemas com fabricantes de medicamentos

Uma das maiores companhias multinacionais estava lançando novo antibiótico. Com base no que antes acontecia, escolheu nosso hospital como trampolim de marketing. Mas nossa comissão deu parecer negativo, assinado pelo presidente Ênnio Leão, segundo o qual o produto ainda não contava com estudos isentos sobre sua segurança. O gerente geral veio de São Paulo e ofereceu viagem ao Caribe para nós dois, que não aceitamos. O diretor da Faculdade nos chamou a uma reunião e só aceitamos comparecer sem a presença do gerente geral. O diretor acabou subscrevendo o parecer inicial.

ENSINO CONTRA-CONSUMISTA DE FARMÁCIA HOSPITALAR

No currículo médico implantado a partir de 1975 pela UFMG foi iniciado pela primeira vez o ensino contra-consumista de farmácia hospitalar dentro da disciplina também pioneira de PRÁTICA HOSPITALAR. O ensino de contra-consumo foi criminosamente suspenso no currículo após 1985

ENSINO COM PRESCRIÇÃO CONTRA-CONSUMISTA DE GENÉRICOS

No currículo médico implantado a partir de 1975 pela UFMG foi iniciada pela primeira vez a prescrição contra-consumista de genéricos. A partir de 1985, a indústria farmacêutica conseguiu “padronizar” produtos por meio de procedimentos suspeitos de suborno. A estratégia para re-aproximar os alunos dos nomes comerciais de medicamentos culminou com um torneio de futebol no Centro Esportivo Universitário em que os times tinham nomes como persantin e buscopan, sendo os atletas premiados com camisas, bolas, chuteiras, aparelhos de pressão, termômetros e estetoscópios. O docente organizador do torneio teria sido denunciado ao Conselho Regional, mas sem qualquer conseqüência. Infelizmente o lançamento de genéricos no Brasil não aproveitou a experiência pioneira da UFMG, certamente em razão dos interesses em jogo.

BOLETIM CONTRA-CONSUMISTA DISTRIBUIDO A TODOS OS MÉDICOS MINEIROS

A partir de 1980 foi executado audacioso projeto de levar a cada médico de Minas Gerais informações cientificas sobre medicamentos e terapêutica isentas de qualquer propaganda de fabricantes. O conteúdo eram traduções de artigos saídos nos periódicos THE MEDICAL LETTER e no DRUG & THERAPEUTIC BULLETIN. Foi um tremendo sucesso entre os médicos, principalmente os do interior. Causa nostalgia até hoje. A publicação chamou-se BOLETIM DE MEDICAMENTOS E TERAPÊUTICA que era impresso na gráfica ociosa do então INAMPS, com a cobertura corajosa de Adelmar Cadar. Com a posse de Newton Cardoso no governo mineiro a gráfica foi estadualizada e a impressão do boletim foi proibida.

AGÊNCIAS GOVERNAMENTAIS PARA MEDICAMENTOS, EQUIPAMENTOS, ALIMENTOS E SERVIÇOS EM SAÚDE.

A falsificação de medicamentos e a promiscuidade entre a indústria química e o tráfico de narcóticos não eram novidade desde o final da 2ª guerra mundial. A corrupção dos sangue-sugas e da FUNASA e os remédios falsos têm correspondentes na educação, sobressaindo as razões que levaram ao fim do respectivo Conselho Federal. A mercantilização da saúde e da educação, iniciada na ditadura e agigantada no neo-liberalismo de Color-Sarney-FHC, multiplicam ao infinito todo o passivo triste de tão nobres áreas sociais.


NO CENTENÁRIO DE HERMES DE PAULA (1909-2009)

HERMES DE PAULA

Seresteiro e historiador dos lindes roseanos

João Amílcar Salgado

O Hermes chegou ao Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais e se apresentou não como médico e sim como historiador-seresteiro do norte de Minas. Esse homem fascinante, apesar de estarmo-nos apresentando naquele instante, logo me pareceu um personagem de minha infância. Tal é o sortilégio do homem do sertão mineiro, que vi repetir-se com vários outros. No prefácio de seu livro de título feliz, A MEDICINA DOS MÉDICOS E A OUTRA..., escrevi:

[O] historiador daquela medicina que vicejou aprisionada nesse fantástico ecossistema de chapadões e buritis (hoje ameaçado pelo florestamento predatório) não poderia ser (...) mais apropriado do que o médico plural Hermes de Paula, que, com esta obra, se faz professor emérito da medicina não-elitista e sem preconceitos – sem dúvida a verdadeira medicina que nos convém. Seu prolongado e íntimo convívio com a comunidade sertaneja, seu invejado pendor de seresteiro-folclorista, também emérito, bem como seu honroso título de diligente cronista da região conquistaram para ele um lugar de realce no colegiado que preside o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais.

De suas serestas ele, como Riobaldo, poderá dizer: “Arte que cantei, e todas as cachaças. Depois os outros à fanfa entoaram ... mas rogando no estatuto daquela letra e retornando meu rompante; cantavam melhor cantando.” E de suas cavalgadas no sertão da história regional, tal como o referido jagunço, deverá dizer: “Assim eu entrei dentro de minha liberdade” ... “E ainda hoje, o suceder deste meu coração copia é o eco daquele tempo; e qualquer fio de meu cabelo branco que o senhor arranque, declara o real daquilo, daquilo – sem traslado...” Enfim, a lição boa que ele, com este paciente trabalho nos dá, é a citada pelo mesmo Tatarana: “Para um trabalho que se quer, sempre a ferramenta se tem” ... “O resto maior é com Deus...”

Este é um livro repleto de preciosidades sobre gente da maior importância na história das medicinas mineira e brasileira. Começa, contudo, com uma sátira aos médicos, OS DOTÔ DA MEDICINA, do poeta popular Cândido Canela, na qual, bem antes que Michel Foucauld criasse o conceito de medicalização, protestava: Im antes de havê dotô / Num tinha tanta duença; para afirmar: Mais hoje tudo mudô, / Ninguém pode mais falá, / Us nome que seus dotô / Nas duença já qué dá.

De permeio, encontra-se a curiosidade de que Montes Claros nos deu dois médicos que se fizeram conhecidos radialistas: o ginecologista e poeta José Marques Gomes (dom-silveriense mas montesclarense adotivo, que, sob o nome artístico de Paulo Roberto, ancorava os programas NADA ALÉM DE DOIS MINUTOS, LIRA DE XOPOTÓ e HONRA AO MÉRITO na época de ouro da Rádio Nacional) e o sanitarista Teófilo Pires (que lia O NOME DO DIA nas emissoras de Belo Horizonte), dos quais fui habitual radio-ouvinte. E de grande valor é o depoimento do próprio Hermes sobre quando conviveu com nada menos que o formidável cientista Vital Brasil.

Confesso, entretanto, que minhas preferidas no livro do Hermes são as páginas dedicadas aos boticários de antigamente. Eu, que sou de família de boticários e farmacêuticos, me senti mais irmão do Hermes, quando li no capítulo RECEITUÁRIO NO TEMPO DAS FAMÁCIAS (1910-30) a seguinte frase: Guardo bem esta tradição do bem servir das farmácias, pois trabalhei nessa ocasião em farmácia durante algum tempo. Além disso, o autor teve a ótima idéia de transcrever várias consultas e várias receitas, tudo de sabor supimpa para um historiador da medicina. Encantei-me, sobretudo, pelo mais antigo boticário de Montes Claros, Euzébio Sarmento. Tanto, que convenci a Ceres Pinheiro Ribeiro de incluir em sua famosa tese, DE ESTUDANTE DE MEDICINA A MÉDICO NO INTERIOR, a carta que Euzébio envia ao capitão Jacinto Silveira (colhida por de Paula no livro MINHA TERRA, NOSSA HISTÓRIA, escrito pelo filho deste, Olinto Silveira).

Diz a carta de 27/01/1897: Prezadíssimo Sr. Cap. Jacintho. Saudando-o, e a sua Exma. Família, faço votos para que continuem no gozo da melhor saúde e de todas as demais felicidades que desejar se possa. Sinto profundamente que o seu digno pai, meu particular amigo e compadre, continue a passar mal de seus incômodos, e muito mais pela certeza que tenho de estar ele sendo vítima de um estado mórbido diante do qual a ciência médica se confessa impotente. Desculpe-me a franqueza, pois em abono da verdade e testemunho da amizade que consagro a toda a sua Exma. Família, vejo-me na dura necessidade, conquanto cheio de verdadeiro pesar, de declarar-lhe que o seu pai, além dos sofrimentos antigos do fígado e do estômago, que tanto o atormentaram durante a sua laboriosa existência, está sendo hoje vítima de uma grave lesão do coração, de cujo sofrimento pode obter alguns ligeiros alívios mediante um tratamento profilático muito constante e racional, mas não curar, como é do nosso desejo. Não me tenho assomado a auxiliá-lo nesse tratamento com mais assiduidade, porque me reconheço e me confesso inteiramente incapaz para o desempenho duma missão tão espinhosa quão difícil. Remeto-lhe as 20 oitavas de bromureto de potássio de sua encomenda e também um pouco de digitalis em rama, em lugar de digitalina, visto ser este alcalóide eminentemente tóxico, e exigir no seu emprego a mais rigorosa vigilância do profissional que a empregue... Sempre às ordens, aguardo ocasião de ser útil e subscrevo-me com muito apreço e estima. Seu Amo. Ato. Obro. Euzébio A. Sarmento.

Fui a Montes Claros e o sulmineiro Itagiba de Castro Filho, meu distinto amigo, levou-me à casa do Hermes de Paula, onde colocamos em dia nossa conversa sem fim. Ele parecia especialmente feliz, pleno de verve e transbordante de tiradas espirituosas. Seu livro já estava na gráfica e ali combinamos que o lançamento seria ao caráter do autor: ao som do Grupo de Serestas João Chaves, criado pelo Hermes. E na festa, sob as árvores em frente ao Centro de Memória, seria executado todo o repertório da gravação dupla do Grupo, hoje clássica.

Infelizmente o estado de saúde desse médico-seresteiro montesclarense - irmão-gêmeo, em mil aspectos, do médico-seresteiro Juscelino de Diamantina - não permitiu que isso se realizasse. Mas tenho a certeza de que, toda a vez que ponho a tocar essa gravação, o vulto sempiterno de Hermes de Paula paira sobre os acordes, e então se cumpre a frase imortal do virtuose valenciano Joaquim Rodrigo: Nosotros seremos en la eternidad sonidos.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO MÉDICA EM Minas
Os estudantes e professores de medicina de Minas Gerais, bem como os médicos e historiadores em geral, devem ter pleno conhecimento da importância deste Estado na história da medicina brasileira. Antes de tudo devem pelo menos reconhecer como mineiros eminentes médicos brasileiros que foram capazes de façanhas insuperáveis na ciência, na política e nas artes: Vieira Couto, Vidal Barbosa, Tiradentes (terapeuta prático), Francisco Melo-Franco, Silva Teles, Gonçalves Gomide, Soares Meireles, Basílio Furtado, Peter Lund (adotivo), Carlos Chagas, Vital Brazil, Hilário de Gouveia, Hermenegildo Vilaça, Baeta Viana, Wilson Beraldo, Afonso Pavie (adotivo), Osvaldo Melo Campos, Osvaldo Costa, Luigi Bogliolo (adotivo) Marcelo Campos-Christo, Washington Tafuri, Juscelino Kubitschek, Clóvis Salgado, João Antônio Avelar, Agripa Vasconcelos, Antônio Silva Melo, Pedro Nava, Guimarães Rosa e Hélio Pellegrino. Ao mesmo tempo, devem também saber que Minas não só originou o primeiro manual de medicina clínica na Colônia, denominado ERÁRIO MINERAL, de 1735, como inaugurou o ensino médico oficial e regular no país, no ano de 1801, em Vila Rica. Mais recentemente, de 1975 a 1985, o ensino médico desenvolvido sob a liderança da Universidade Federal de Minas Gerais conclamou todas as escolas médicas brasileiras para que abandonassem o conservadorismo em que jaziam desde 1964. O repto consistia em adequá-las quer à sociedade de consumo, quer às inovações tecnológicas, ambos os fenômenos em aceleração crescente após a segunda guerra mundial.
A Faculdade de Medicina da UFMG, responsável pelo segundo curso médico de Minas e pelo primeiro de nível superior, data de 1911, um ano apenas depois do Relatório Flexner e dois anos depois da descoberta da doença de Chagas. Entre os cursos superiores mineiros, ela foi precedida por três cursos em Ouro Preto: Farmácia, Engenharia e Direito, e, em Belo Horizonte, pelo curso de Odontologia (1907).
Em relação ao Relatório Flexner, que, em 1910, reformulou o ensino médico nos EUA, houve notável paradoxo, associado à criação, em 1907, do Instituto depois chamado Ezequiel Dias, hoje Fundação Ezequiel Dias. Caso os fundadores da primeira faculdade de medicina mineira estivessem em sintonia com o que acontecia nos EUA, eles teriam aproveitado aquele relatório para implantar diretrizes inovadoras na nascente escola médica. Como uma dessas diretrizes era o uso de laboratórios de pesquisa biológicos no ciclo básico, a presença do Instituto Ezequiel Dias, criado quatro anos antes, facilitava extraordinariamente esse uso, ainda mais que Ezequiel Dias era justamente um dos fundadores da Faculdade. Tal aproveitamento não se deu porque os fundadores estavam voltados para a Europa e não para os EUA, e o Instituto Ezequiel Dias foi para a nova Faculdade o que o Instituto Oswaldo Cruz foi para a Faculdade do Rio. A semelhança no relacionamento interinstitucional foi favorecida, inclusive, pelo fato de serem irmãs as esposas de Dias e Cruz.
Assim, a diretriz flexneriana só foi trazida ao Brasil quarenta anos depois pela Fundação Rockefeller, quando já não era mais adequada aos EUA e chegou aqui como uma espécie de sucata ideológica, ítem de exportação freqüente na relação entre o primeiro e o terceiro mundos. A inadequação do modelo Flexner aos EUA e, com mais razão, ao Brasil, na segunda metade do século 20 decorreu do acelerado desdobramento da medicina de consumo. No Brasil, o projeto Rockefeller consistiu em financiar a mudança flexneriana nas três principais faculdades das três maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio e Belo Horizonte. No Rio, alguns catedráticos não quiseram abrir mão de feudos universitários e o financiamento para ali destinado foi deslocado para nova faculdade do interior paulista, em Ribeirão Preto.
Esperava-se que os três currículos modelares logo influenciassem todas as faculdades do país. Mas, por causa do anacronismo da importação do modelo, a diretriz flexneriana logo, em menos de uma década, teve de sofrer modificações de graus variáveis. Os médicos formados nesse período passaram a ser chamados de rockefeller generation. Eram mais bem preparados do que seus antecessores, mas vieram a ser particularmente desajustados quanto aos recursos para clinicar, pior ainda quando assalariados. O melhor resultado foi na área da pesquisa, com impulso significativo, mas os potenciais pesquisadores dessa geração foram lamentavelmente mal aproveitados em número e em qualidade.
Como foi dito, a diretriz importada cedo se frustrou, mesmo porque os próprios norte-americanos passaram a exportar outras diretrizes, cada qual substituída antes que fosse testada, inclusive com a substituição da agência exportadora, quando a Fundação Rockefeller cedeu lugar à Fundação Kellogg e, depois, ao Banco Mundial (motor da privatização), acrescida do uso lamentável da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) como subagências auxiliares. A esse comportamento demos o nome de chuva de modismos (currículo flexneriano, paradigma preventivista, ensino integrado, currículo curto, mastery learning, instrução programada, ensino auto-diretivo, currículo por objetivos, currículo abrangente, integração docente-assistencial, ensino por problema, ensino para a qualidade total, ensino por acreditação, exame de ordem, provão, ensino por evidência, empreendedorismo, currículo humanista e outros em gestação), que prossegue até hoje.
Os fatos relatados aconteceram também na América Ibérica e em outros países habituados a encarar os EUA como modelo. Com a frustração e a desorientação apontadas, acrescida da crescente crise de inflação de custos na assistência médica estadunidense, várias iniciativas independentes de inovação educacional surgiram no México, Inglaterra, Canadá e Brasil. Na própria Organização Panamericana de Saúde, passou a projetar-se cada vez mais a linha independente e original de Juan César Garcia, um argentino que discordava dos paradigmas de exportação, sendo defensor de inovações nascidas das realidades regionais de saúde.
Partidários desta atitude apareceram no México, Peru, Colômbia, Chile e Cuba sendo seu mais notável representante brasileiro Domingos da Silva Gandra. Nos próprios EUA verificou-se fenômeno semelhante em estados como a Flórida, Michigan, Ohio e Novo México, onde pedagogos esboçaram independência diante dos tradicionais centros hegemônicos. Um desses líderes, Lynn P. Carmichael viu sua proposta de médico de família distorcida no nascedouro, quando foi deslocada da graduação para a pós-graduação. Fora das Américas, inovações no Canadá (McMaster) e na Inglaterra (Southampton e Nottingham) influenciaram iniciativas na Holanda (Maastricht), Portugal (Lisboa), Israel (Bem Gurion), Egito (Cairo), Austrália (New Castle) e China (Changai). Infelizmente a estratégia de fortalecimento da União Européia incluiu o desestímulo temporário a inovações educacionais (Bologna), de modo a não acentuar as diferenças entre os países membros.
No Brasil, a inovação mineira levou, a partir de 1979, à regionalização da ABEM, à criação da Associação Mineira de Educação Médica (quando as nove faculdades de então estavam sintonizadas no mesmo rumo de mudança e de se tornarem todas públicas), do Conselho Estadual de Saúde (influenciando a criação de outros conselhos estaduais, dos conselhos municipais e do Conselho Nacional de Saúde) e ao surgimento do internato rural fora da UFMG, inclusive na Amazônia, bem como à eleição de um brasileiro para presidir a OPAS (Carlyle Macedo), de outro brasileiro (Philadelpho Siqueira) para presidir a Federação Panamericana de Escolas Médicas (FEPAFEM) e de um dos líderes (Cid Veloso) a reitor da Universidade Federal de Minas Gerais. O mesmo movimento foi um dos pontos de origem da chamada Campanha das Diretas, ou seja, da redemocratização do país, e seus líderes estavam preparados para provocar inovações semelhantes distribuídas por todo o país, caso houvesse a posse e o governo Tancredo Neves. Se tivesse havido este governo, o sistema de saúde que se esboçava, teria sido o inverso da bagunça atual e seria até mesmo modelo para outros países.
Os governos federais, gradualmente, a partir das administrações José Sarney e Itamar Franco, primaram pelo desmonte de cada uma destas conquistas e por neutralizar e minar a sustentabilidade da inovação mineira. Sarnei, trêmulo diante da prepotência de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan, passou a fazer o contrário de tudo o que Tancredo ia fazer, particularmente favorecendo as universidades católicas em detrimento das federais. Itamar, que, por pressão de denúncias mineiras, acabou com o corrupto Conselho Federal de Educação, quando voltou a Minas para ser governador, teve atitude oposta para com o Conselho Estadual de Educação – e o resultado é o horripilante desastre que aí está, de uma escola médica a cada esquina. Por sinal, as administrações Thatcher e Reagan fizeram tudo para inviabilizar o Congresso Mundial de Educação Médica em Edimburgo, em 1988, e ainda abafaram suas conclusões. Reagan antes já havia imobilizado o brasileiro Carlyle Macedo como presidente da OPAS, escalando espiões que o vigiaram durante todo o tempo de sua gestão.
Tudo isso tornou ininterrupto o sucateamento das universidades públicas, o corte orçamentário e o rebaixamento salarial, transformando os hospitais universitários em caricaturas assistenciais. Mas o principal malefício foi o vilipêndio da educação, convertida em covil de gente gananciosa, obcecada com o lucro a qualquer custo, sob o comando perverso de apedeutas pedagógicos, encastelados em organizações crescentemente milionárias, ornadas com quase todas as características do crime organizado.
As perspectivas mundiais hoje estão melhores, com o crescimento econômico e o fim da era Bush e com Barack Obama ousando tocar no até então intocável setor saúde. Já a América do Sul, antes infelicitada pelo triste trio Menem-Fujimore-Henrique Cardoso, viu emergir, em reação, o trio populista Evo-Chaves-Lula. Ambos os trios exibem, em comum, olímpica indiferença pela saúde e pela educação, cujo futuro, portanto, prenuncia-se sombrio no Brasil e em Minas Gerais. Para nossa maior desgraça, os dois jovens ministros do segundo mandato Lula, exatamente o da saúde e o da educação, despontaram até como presidenciáveis, mas deixaram de sê-lo, em virtude dos escândalos endemo-epidêmicos e do caos na saúde (agravado pelos episódios espantosos do caldo de cana, do açaí, da dengue invencível e dos mistérios da gripe suína) , dos escândalos das verbas educacionais do ENADE e do ENEM, bem como da inteligente ironia de um dos dirigentes de uma faculdade baiana. Como pilotos da trágica nau-insensata da saúde-educação, se subsistirem, serão instruídos a persistir na estratégia de não incomodar a lucratividade sem freios das indústrias de educação e de saúde. E nada de bom pode surgir para a educação e a saúde neste país, caso estas indústrias, cada vez mais poderosas, não sejam disciplinadas e submetidas ao interesse de nossas necessidades sociais.
O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Este texto é fração modificada a partir da palestra de abertura do Congresso Mineiro de Educação Médica, Uberaba, maio de 2007.