segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

EM 1831, A POVOAÇÃO DE LAVRAS DO FUNIL, FUNDADA POR LUIZ GOMES SALGADO, É ELEVADA A VILA E NEPOMUCENO PASSA A SER DISTRITO DA VILA DE LAVRAS

Até 1831, o povoado de São João Nepomuceno era distrito da Freguesia de Lavras do Funil da Comarca de São João Del Rei. Segundo o historiador e educador Firmino Costa, as povoações de Lavras, São Manoel do Pomba, Curvelo, Tijuco, Rio Pardo, São Romão, Pouso Alegre e Formiga foram elevadas a Vilas pelo decreto de 13 de outubro de 1831, exarado pelo governo da Província de Minas Gerais. Guindadas a Vilas, passaram a ter Câmara Municipal, dois juízes ordinários e um juiz de órfãos.

A Vila de Lavras, pertencente à Comarca do Rio das Mortes (hoje São João Del Rei), passou a abranger duas freguesias: a de Lavras propriamente dita e a de Dores do Pântano (hoje Boa Esperança), acrescida no ano seguinte pela de Três Pontas. A Vila de Lavras então ficou assim composta: 1) Freguesia de Lavras, com os distritos de São João Nepomuceno (hoje Nepomuceno), Carmo da Boa Vista (hoje Carmo da Cachoeira), Rosário (hoje Itumirim) e Ingaí; 2) Freguesia de Dores (hoje Boa Esperança), com os distritos de Espírito Santo dos Coqueiros (hoje Coqueiral) e do Água Pé (hoje Guapé); e 3) Freguesia de Três Pontas, com os distritos de Carmo do Campo Grande (hoje Campos Gerais) e Varginha.

A primeira Câmara Municipal de Lavras foi instalada em 1832, quando o ouvidor geral da Comarca, Antônio Fortes Bustamante houve por criada e erigida em vila esta povoação. Foram eleitos para juízes ordinários João de Deus Alves do Nascimento, a ser sucedido por Joaquim Fernandes Ribeiro de Rezende, João Crisóstomo da Silva Bueno, a ser sucedido por Antônio José de Abreu, e para juiz de órfãos o capitão-mor José Fernandes Pena. A primeira Câmara de Lavras ficou composta pelos vereadores José Antônio Diniz Junqueira, presidente, Francisco José Teixeira e Souza, Tomaz de Aquino Alves de Azevedo, Antônio Caetano de Andrade, Antônio Simões de Sousa, Manoel Tomaz de Carvalho e Domingos de Abreu Salgado. Na primeira reunião este último não pôde comparecer e justificou sua ausência.

Observando os sobrenomes acima, verifica-se que todas as famílias iniciais da tradição lavrense estão representadas, exceto os Costa, os Pádua, os Botelho, os Monteiro e os Lima. Se lembrarmos que os excluídos já eram ligados por parentesco, é possível que o fator político tenha aí influído. O mesmo se aplica às famílias de raiz açoriana, como os Garcia, os Veiga e os Goulart.

A presença, entre os sete primeiros vereadores, do letrado luso Domingos de Abreu Salgado sugere influencia dos Abreu e dos Salgado habitantes do lugar antes de sua imigração. De fato, a família Salgado reivindica para Luiz Gomes Salgado o título de fundador de Lavras, por ter sido o doador do patrimônio da Capela erigida no lugar chamado Funil da freguesia das Carrancas, com a invocação de Sant´Ana. A provisão da ereção da capela, futura igreja matriz de Lavras, data de 1751. E, em 21 de abril de 1753, o patrimônio doado por Luiz Gomes Salgado é escriturado em Mariana como sendo umas capoeiras nas vizinhanças da dita nova capela, isto é, o atual centro urbano de Lavras. Assim, os Salgado se orgulham com razão de que um Salgado (Luiz Gomes) esteja presente na fundação da cidade de Lavras e outro Salgado (Domingos de Abreu) esteja presente entre os sete vereadores da primeira Câmara Municipal de Lavras.

Luiz Gomes Salgado é ligado aos Salgado de Pitangui, São João Del Rei, Nazareno, Andrelândia e Perdões. Vale lembrar que a esta família pertenceu o maior orador sacro de Minas, Matias Salgado. Por ser um orador barroco e de formação jesuíta, erudito e doutor em Cânones, pode ser considerado o padre Antônio Vieira das Minas Gerais. O pombalismo e o ciúme de invejosos seculares prejudicaram a memória de seu brilho. Os Gomes Salgado em Lavras passaram a ser denominados Teófilo Salgado, sendo o mais conhecido o capitão Teófilo Gomes de Morais Salgado, casado na família Pádua-Sales. Os Teófilo Salgado de Lavras passaram a ser família de grande projeção em Nepomuceno e os Abreu Salgado igualmente em Três Pontas e Nepomuceno.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

OS 100 ANOS DE HILTON ROCHA


João Amílcar Salgado
Em meu pequeno livro OS GLORIOSOS 44 DE 55, de 2010, comemorativo dos 50 anos da turma de 1960, pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há o perfil de Hilton Rocha, como nosso homenageado. Um ano após, foi a vez de comemorarmos os 100 anos da Faculdade e de Hilton Rocha, ambos nascidos em 1911. Este sul-mineiro de Cambuquira cintila forte na constelação de ilustres Ribeiros dessa privilegiada região de nosso Estado. O Estado de Minas Gerais, aliás, ocupa posição única no Brasil, pois tem no caeteense Hilário de Gouveia o fundador da oftalmologia brasileira, em João Penido Burnier, originário de notável família juiz-forana, o criador de celebrado instituto oftalmológico em Campinas e em Hilton Rocha o maior oftalmologista brasileiro de seu tempo. Não bastante isso, o herdeiro do título de maior oftalmologista do país é também mineiro: Roberto Abdala Moura, diplomado na turma precedente à minha.
Na sessão em que a Associação Médica, a Academia de Medicina, a Faculdade, o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais e a família brindaram o centenário de Hilton Rocha, seu filho Ricardo Rocha causou forte emoção, relembrando aspectos da juventude e do cotidiano do homenageado. Tendo bastante semelhança física com o pai, inclusive a voz, e similar fluência verbal - o filho me surpreendeu quando não se esquivou de tocar na atuação política do pai, a que também me refiro no sobredito livreto.
Hilton Ribeiro Rocha estudou em colégio do Rio de Janeiro. Uma ideia de como era o ensino ali pode ser auferida do livro VIDA DE MENINO ANTIGO (1986) do também médico e também sul-mineiro Carlos Caiafa Filho. Hilton diplomou-se em 1933 e Carlos em 34, sendo Rocha torcedor do América, enquanto Caiafa era fanático pelo Atlético, este na certa contagiado por seu colega de turma e grande amigo, o artilheiro alvi-negro Mário de Castro. Outro que se formou um ano após o Hilton foi Javert Barros, coincidentemente o radiologista que ganhou do oftalmologista a votação para paraninfo de nossa turma. Como orador da turma eu o teria saudado. Na eleição, os favoritos eram Liberato DiDio, Hilton e Javert e o cabo eleitoral de Hilton era o doutorando capixaba Emir Soares, futuro senhor das lentes de contato.
Ouvi ainda criança alguém mencionar Hilton Rocha, pois a farmácia de meu pai era a sede de fato da UDN de Nepomuceno. Ali vi o udenista Alberto Correa Lima escrevendo a lista dos mais ricos cafeicultores locais para intimá-los a depositantes do novo Banco Nacional. E repetia que entre os da Capital estava gente não só rica mas famosa, como Hilton Rocha. Daí que meu pai foi companheiro de Hilton Rocha nesse empreendimento, surgido tão auspicioso e extinto em condições tristes e vergonhosas. O opulento sul de Minas foi fator estratégico da correspondente empreitada política que resultou na eleição de Milton Campos. Estavam juntos, por exemplo, o grupo de Boa Esperança, onde Milton foi promotor, comandado por Geraldo Freire, o de Três Pontas, tendo à frente Aureliano Chaves e o de Campanha, cujo condutor era o notável médico Zoroastro de Oliveira, pai do excepcional cirurgião Sérgio Almeida de Oliveira, que mais tarde cuidaria das coronárias de Hilton Rocha. Coordenava tal arregimentação o raro estrategista Oscar Dias Correa.
Além de Hilton Rocha, dois outros luminares simbolizavam o udenismo médico, então esmagadora maioria na classe. Eram eles Baeta Viana e Roberto Ribeiro de Oliveira Resende. Aquele atraía gerações de ex-alunos e este, discípulo dileto de Baeta, arrastava atrás de si a numerosa grei dos Resendes e dos Ribeiros espalhada pelo Centro, Sul e Mata. O fenômeno começou com fato único: um candidato presidencial, o Brigadeiro Eduardo Gomes, foi homenagem oficial de uma formatura de médicos, a turma de 1946, da atual UFMG.
Um dos ativistas sulmineiros era Bilac Pinto, que teria sugerido o posicionamento hostil da Associação Médica, liderada por Hilton, contra o médico Juscelino Kubitschek, governador pessedista do Estado. A manobra se destinava a inviabilizar a candidatura presidencial do diamantinense. Tais adversários não tinham sequer noção da determinação deste, que, hoje sabemos, ultrapassou todos os obstáculos a ele adrede colocados, até alcançar o triunfo final de sua posse. Alípio Correa Neto, mineiro de Cataguases e presidente inaugural da Associação Médica Brasileira, desejou que o primeiro congresso da entidade médica fosse apoiado com toda a pompa pelo primeiro presidente médico do país. Os mineiros da equipe de Alípio temeram de Kubitschek atitude negativa, denotadora da mágoa que lhe haviam infligido. Ao contrário, o recém-empossado, ao receber a proposta, não só externou atitude inversa, como localizou e buscou, entre eles, Hilton Rocha, para caloroso abraço.
Mais tarde Hilton Rocha foi influenciado por alguns docentes da Faculdade, partidários e colaboradores da ditadura militar, no sentido de usar de seu prestígio para inviabilizar o Internato Rural, que implantávamos como novidade rumorosa do ensino médico. Isso ele teria conseguido facilmente, caso não topasse a surpreendente e firme discordância de dois de seus mais caros correligionários udenistas: Aureliano Chaves e Dario Tavares. Ambos não só apoiaram o Internato como alocaram para sua implantação recursos antes destinados pelos EUA ao controle da natalidade. E os poderosos de Brasília julgaram prudente não enfrentar a temida altivez desses dois.
Três de meus maiores amigos me manifestaram admiradores incondicionais de Hilton Rocha: Ciro Gomide, Caio Manso e Osvaldo Costa. Ciro era dublê de dentista e historiador, sendo o maior biógrafo de Tiradentes no mundo - e veio para zeloso auxiliar de Rocha em aspectos odontológicos da oftalmologia. Caio (mais um sul-mineiro) já era catedrático na Veterinária da UFMG e foi recrutado por Hilton, como pioneiro em fundoscopia canina, para pontificar no biotério do Hospital São Geraldo - só que resolveu estudar medicina humana e conquistou invejável clientela como oculista de gente. Osvaldo Costa, insuperável dermatologista perioftálmico, foi, ao lado do próprio Hilton, a grande atração nas aulas do doutorado deste, sendo ambos queridíssimos dos doutorandos, sobretudo de outros Estados e de outros países. Muito me orgulha ter sido professor de pedagogia médica desse doutorado, vanguarda no país. Ao ser inaugurada a Sala Osvaldo Costa no Centro de Memória, vivi momento único, quando fui orador ao lado de Rocha, de Costa e do convidado especial deste, Camilo Teixeira da Costa. Os presentes foram unânimes em desejar que cada fala se prolongasse indefinidamente – coisa raríssima em matéria de discurso.
Ao longo dos anos, seja como paciente, seja na colaboração em atendimentos, ensino e pesquisa, passei, a admirar, desde cedo e ao lado de outros mais recentes, vários dos integrantes da escola Hilton Rocha: Amélio Bonfiglioli, magistral cirurgião, Ênio Coscarelli, cientista nato, Nassim Calixto, astro internacional em glaucoma, Henderson Almeida, requintado oftalmopediatra, Geraldo Queiroga, somatório de cultura, domínio tecnológico e desempenho profissional, Marcelo Lopes da Costa, erudito conciliador da especialidade com a história da medicina, Emílio Castelar, erudito conciliador da especialidade com o sanitarismo, Lúcio Almeida, completo especialista alicerçado em completa formação médica, Raul Soares e Joel Boteon, finas competências a serviço da relação médico-paciente, Ricardo Guimarães, que me levou ao Anhembi na histórica controvérsia da cirurgia refrativa, e Valênio França, gigante simultâneo em plástica de vias lacrimais e em história da oftalmologia. E é imperioso acrescentar que, em vias lacrimais, a medicina mineira registra um nome áureo, o do inventivo cirurgião Sérgio Donato Valle.
Eu estava no Centro de Memória da Medicina, quando ouço a voz alegre de Ciro Gomide, feliz por estar ali ao lado de Hilton Rocha. Vieram para combinar a aula deste sobre OS GRANDES CEGOS DA HUMANIDADE. Foi a única vez em que tive uma conversa amena com o scholar. Pareceu sentir-se em casa quando eu disse ser seu companheiro na admiração a Gregório Marañón. E mais, revelei-lhe saber serem ele e Pedro Vidigal os únicos possuidores das obras completas do enciclopédico espanhol. Ele então prometeu doar sua coleção ao Centro. Na aula, que foi filmada, ele mostrou que seu talento de orador não se modificara, desde quando, na festa que nos ofereceu na formatura, ele, parafraseando Da Vinci, fez o elogio dos olhos, como JANELA DA ALMA, VITRINE DO CORPO.

domingo, 4 de dezembro de 2011

JOSÉ MARIA VEIGA AZZI E PAULO BARUCH

DOIS SULMINEIROS DA MAIS PURA TRADIÇÃO ABÁSSIDA


João Amílcar Salgado

Passei minha juventude ao som do violino do pai do Zé Maria, de nome Selem Feres Azzi, mas (para nós seus conterrâneos, todos seus amigos e grandes admiradores de sua arte) de apelido Selico. Ao violino, sua aparência não era de árabe, mas de cigano. Cultivava cabelos e bigode boêmios, de grande efeito sobre as mulheres, mas que a mim faziam lembrar Salvador Dali, o pintor catalão, que, por sinal, muito se orgulhava de sua ascendência árabe.

O pai Selico e a mãe (Maria Veiga Lima, de apelido Veiguinha), do José, reviveram em Nepomuceno o romance de um arrebatado violinista e uma linda estudante de medicina vivido pelo romeno/búlgaro/grego Georges Boulanger e a russa Ellionorr Paulson. Quando Boulanger viveu no Brasil, em 1948, influiu no repertório do Selico, que passou a um mix de música cigana, folclore balcânico e valsas vienenses. E, para gáudio dos conterrâneos, a Veiguinha era culta e também musicista. Formou com o marido um duo célebre e, depois com os filhos, um conjunto mais famoso ainda. Minha afeição à Veiguinha tem um componente a mais: ela foi aluna de meu pai e o descreveu para mim, em depoimento precioso, de como era como professor, no breve tempo em que deu aula de ciências, matemática e português, no colégio presbiteriano de Nepomuceno.

Na última vez que conversei com a viúva Veiguinha, propus a ela matarmos a saudade do Selico, sob os acordes da canção de Boulanger intitulada AVANT DE MOURIR. Os norteamericanos se apropriaram dela e mudaram-lhe o nome para MY PRAYER, que, cantada por THE PLATTERS, foi dançada por toda a nossa geração, nos anos dourados. Aliás o Zé Maria Veiga Azzi lembra que outra apropriação ianque ocorreu com a canção francesa COMME D'HABITUDE que fez sucesso nas vozes de Paul Anka e Frank Sinatra, cantada com o título deMY WAY. A Mireille Mathieu e o Vinício Tiso a cantam na versão original. Segundo o Zé Maria, outra apropriação - esta verdadeiro estelionato musical - se deu com a canção brasileira ONTEM AO LUAR, composta por Pedro de Alcântara, em 1907, e aproveitada para trilha musical do filme LOVE STORY (este, por sua vez, apropriado de Shakespeare). O maior violonista clássico brasileiro Antônio Carlos Barbosa Lima quase foi obrigado, em Nova Iorque, a pagar direito autoral ao estelionatário.

José Maria Veiga Azzi e Paulo Baruch graduaram-se em medicina na turma de 1967 da Universidade Federal de Minas Gerais. Dão-me a honra de se auto-intitularem jocosamente meus discípulos, mais pelas caraminholas que coloquei na cabeça deles ao longo dos seis anos de curso. Não apenas estes dois, mais ligados a mim por serem sulmineiros, mas toda a turma se distinguia por uma característica que se vai rareando: eram estudantes com sincero interesse pelo paciente. Em outros termos, sua formação, fundamente marcada pelo ensino da semiologia galizzeana, foi particularmente centrada na relação médico-paciente. Basta ver a estatura profissional dos médicos em que aqueles alunos se transformaram para a confirmação desse fato.

A ascendência árabe do Paulo e do José é coerente com a projeção de ambos como médicos. Todo o lado bom da medicina ocidental moderna vem de pequeno fato histórico referido no livro A HISTÓRIA DA DISPEPSIA E A DISPEPSIA NA HISTÓRIA, do qual sou co-autor: o alívio da atribulação dispéptica do califa Al-Mansur, fundador da dinastia abássida no império árabe medieval. Daí chegou à Europa a medicina hipocrática, em sua avançada versão alexandrino-nestoriana. Tradição tão alta é honrada em Minas Gerais e principalmente no Sul de Minas por magnífica plêiade de médicos de linhagem árabe.

Quando conheci o Paulinho, ele me causou admiração, quando, por brincadeira, perguntei-lhe qual o parentesco dele com o Spinosa. Ele não só demonstrou conhecer coisas surpreendentes sobre o pensamento deste filósofo como observou que, sendo libanês, não podia ser parente do judeu Spinosa. E me explicou que Spinosa não nasceu na Holanda como dizem os livros, mas em Portugal, e que Baruch em hebraico e em árabe quer dizer Benedito ou Bento. Daí que um é Benedito Spinosa e outro é Paulo Benedito ou Paulo Bento. Curiosamente, quando jovem o Paulinho era muito parecido com o profeta homônimo de Congonhas e, na festa do trote, houve quem sugerisse que ele comparecesse ao desfile dos calouros com o turbante, as botas e a demais vestimenta da escultura – o que afinal não aconteceu. O Paulinho e eu agora estudamos dois outros judeus portugueses, um médico e um pintor: Francisco Sanches (de quem Descartes copiou o cogito) e Silva Velásquez (que muitos consideram erradamente andaluz).

Data daqueles anos iniciais a dupla dimensão humana do Paulo. Na medida em que se transformava no médico fino e completo que veio a ser, nunca deixou de cultivar o lado meditativo de sua rara inteligência. A preocupação com os descaminhos da humanidade e com a solidariedade humana rendeu-lhe sólida cultura, que procura esconder, mas não consegue. A leitura de meu livro O RISO DOURADO DA VILA serviu-lhe de estímulo e de desafio para que também registre suas memórias – nas quais os amigos esperam ler aqueles acontecimentos que só acontecem pelos lados de sua terra.

Já o Zé Maria, não bastando sua plena formação clínica, veio a ser rematado cirurgião. Costumo dar o exemplo de dois médicos do Sul de Minas, Geraldo Alves Coutinho, de Ouro Fino, e José Maria Veiga Azzi, de Nepomuceno, cuja habilidade cirúrgica é tão excepcional que se aproxima do desempenho artístico. Ambos decidiram não ficar na Universidade, onde se teriam notabilizado sem a menor dúvida. E foram exercer a profissão em cidades do interior, em cujo ambiente regional foi inevitável que se tornassem heróis e ídolos. E o Zé Maria prima por colocar seu lavor estético não só na cirurgia, mas, com idêntico esmero, o repassa à execução musical, seja como instrumentista, seja como arranjador e maestro.

Guardo com carinho as imagens e o som, captados pelo “cineasta” Dácio Moreira, pelos quais, naquele delicioso encontro de colegas na casa do Paulinho, o José Maria executa, em homenagem a Nepomuceno e a mim – e também a seus pais – o bolero ESMAGANDO ROSAS, obrigatório em todos os bailes de nossa juventude.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011


HANSENÓLOGO JOSÉ MARIANO

Vertiginoso Damião moderno

João Amílcar Salgado

José Mariano - cujo sobrenome sumário me fez curioso até que esclareci ser palavra italiana, cognata de Mariani – impressionou-me numa aula sobre hanseníase, ministrada no meio de meu curso médico. Ali ele verbalizou e demonstrou tal ausência de preconceito para com os pacientes, a quem tratava atenciosamente, que essa autenticidade me fez seu admirador definitivo. Tudo isso somado ao domínio sobre cada aspecto da doença, a ponto de nos dar a sensação de também dominarmos seu diagnóstico, apenas com aquela simples primeira prática. Mais tarde, numa parada de ônibus em Japão de Oliveira, meu tio, Aprígio Salgado, e ele se encontraram. Acompanhei a conversa de ambos, encantado com a oportunidade de ter tão perto aquele homem raro, desta vez falando amenidades.

Hoje sei que sua esposa, Rute Pereira Mariano, acaba de escrever um livro de memórias, pois se deu conta de que viveu ao lado do marido uma vida incomum, cujas peripécias são dignas de serem amplamente partilhadas. Assim, ficaremos conhecendo melhor o notável hansenólogo, mas conheceremos também essa incrível dama mineira, protagonista de um companheirismo sem par para com o esposo e de uma ternura sem fim para com os filhos.

José Mariano formou-se na Universidade (Federal) de Minas Gerais em 1936, em uma turma brilhante, que incluía, entre outros, João Gallizi, Caio Benjamin Dias, Celina Aquino, Edmundo Paula Pinto, Milton Freitas, Efigênio Salgado, Íris Valadares e Gustavo Brasil. Isso explica sua segura formação de pesquisador científico. Antes de graduar-se, Mariano foi líder estudantil e presidente do Diretório Central dos Estudantes. Esse ativismo juvenil o faria entrar para a carreira política, caso o insigne mestre Antônio Aleixo não influísse para conduzi-lo à hansenologia.

Minas Gerais teve a vantagem de enfrentar a epidemia de lepra, que se abateu sobre o Estado e o sudeste do país, com quatro figuras extraordinárias: Antônio Aleixo, Orestes Diniz, José Mariano e Mário Mourão – ao mesmo tempo em que proeminentes sanitaristas nacionais mal-disfarçavam sua leprofobia. Some-se a estes o paranaense Heraclides César Souza Araújo, que deve ser considerado meio-mineiro por ter-se graduado em farmácia, em Ouro Preto, antes de ser médico. Para completar, o eminente antropólogo mineiro Domingos da Silva Gandra Júnior integra tal galeria, por sua tese de doutorado “A Lepra — uma introdução ao estudo do fenômeno social da estigmatização”, 1970.

O sanatório Santa Isabel já existia em Betim, criado pouco antes da formatura de José Mariano, e a grande contribuição deste foi a organização do sanatório Santa Fé de Três Corações, em 1942, onde fez dele um centro de estudos com as concepções cientificas otimistas emergentes da segunda guerra mundial. Desde antes de 1940, já se buscava medicamento eficaz contra a tuberculose. Neste ano, ocorreu o impacto do efeito fulminante da actinomicina contra o bacilo de Koch, substância, contudo, lamentavelmente tóxica. E um genial engenheiro agrônomo, o ucraniano Selman Waksman, partiu dela até chegar à estreptomicina em 1943, que salvou milhões de tísicos já em fase final da doença. Pelo parentesco microbiológico entre os bacilos de Koch e Hansen, foi forte a esperança de que logo surgisse antibiótico eficaz contra este ou contra ambos. Um medicamento surgiu, exatamente contra ambos, só 23 anos depois, em 1966: era a rifampicina – que, com o nome inspirado no excelente filme Rififi (1955), inaugurou família redentora de medicamentos (rifamicinas), retardo que foi cruel para José Mariano. Paralelamentem rastreava-se derivado promissor da sulfanilamida, mas a indústria temeu que os demais derivados desta, fonte de enorme lucro, se “contaminassem” com o estigma da doença. Diante da demora na pesquisa conclusiva, foi exatamente o grupo mineiro de hansenólogos, entre eles Mariano, que estabeleceu o uso rotineiro da sulfona (dapsona).

De minha parte, inspirei-me pela vida em fora em exemplos marcantes como o de José Mariano. Honra-me, por isso mesmo, ter participado decisivamente da formulação do Conselho Nacional de Saúde, emergente da Constituição de 1988, segundo a qual a saúde é direito de todos e dever do Estado. Para o cumprimento de tal princípio era necessário assegurar a participação vigilante dos usuários do sistema de saúde nos órgãos colegiados decisórios. Honra-me particularmente ter participado da sugestão de compor tal conselho com, nada mais, nada menos, o Bacurau, um ex-leproso. Eu o fiz em homenagem a José Mariano e a João Guimarães Rosa.

Minha emoção diante da sua presença tão ostensiva naquele plenário – presença surpreendentemente desenvolta, ali, entre seletos representantes! - me fez sentir compensado pela persistente pregação a que me entreguei na preparação da Assembléia Constituinte. E, naquele recinto, o nome Bacurau era pronunciado como de um dignitário, porque todos já estavam informados de que era o codinome de militante, com que aceitava e desejava ser tratado nos debates. Mas o nome verdadeiro do finalmente Conselheiro, então na alta esfera da República, era Francisco Augusto Vieira Nunes, herói de sublimes batalhas, que veio a falecer em 1997.

Como ex-paciente de numerosas internações, ao longo de 21 anos, ocorridas em Rondônia, no Acre e em São Paulo, e sem estar livre de marcas indeléveis da infecção, revelou-se admirável ativista do MORHAN, Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase. Inteligente, lúcido, consciente e corajoso, Bacurau escreveu: Contrair a hanseníase não é apenas contrair uma doença que agride os nervos periféricos: contraímos também uma nova identidade, que, não raro, é muito pior que a doença em si. Até porque, quando se diz “fulano é leproso”, está-se atribuindo a ele um estado permanente. Não se compara a “fulano está com hanseníase”.

Esta frase poderia ter sido assinada pelo igualmente inolvidável José Mariano.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O BRANQUEAMENTO DE MACHADO DE ASSIS NÃO É UM ESBULHO ISOLADO

A Caixa Econômica Federal retirou do ar propaganda em que Machado de Assis aparece branco. Após reclamações, o banco pede desculpas à população e aos movimentos ligados às causas raciais por não caracterizar o escritor com a sua origem racial

Por Época NEGÓCIOS Online

Reprodução/internet

A entidade estatal pediu desculpas por não retratar o escritor Machado de Assis como afro-descendente.

A Caixa Econômica Federal suspendeu um comercial que comemorava seus 150 anos, após receber críticas por ter retratado o escritor Machado de Assis como branco – sendo que o escritor era mulato. Isso não deixa de configurar atitude racista.

Este fato veio consubstanciar o estudo de João Amílcar Salgado que coligiu vários exemplos em que personagens negros da historia da medicina e de outras áreas são retratados cada vez mais brancos ao longo do tempo. Em Minas Gerais, os médicos negros Joaquim Soares Meireles, Francisco de Paula Cândido, Conde de Prados e Eduardo de Menezes (este é mineiro adotivo) sofreram e sofrem falsificação de branqueamento. O mesmo ocorre com o advogado mineiro Marquês de Sapucaí. Os médicos negros baianos Nina Rodrigues e Juliano Moreira sofreram e sofrem o mesmo. A propaganda da Caixa Econômica não é o primeiro episódio do gênero acontecido com Machado de Assis. Vale lembrar que os retratos dessas personagens têm sofrido dois retoques: o alisamento do cabelo e o branqueamento da pele

O estudioso iniciou tal levantamento depois que seu avô, João de Abreu Salgado, se deu conta da questão. Este último fora, em 1946, o primeiro biógrafo do sacerdote negro mineiro Padre Vítor (Francisco de Paula Vítor), para quem os devotos hoje reclamam a beatificação. O educador Abreu Salgado denunciou o pároco de Três Pontas, por sinal mulato, pela providência de mandar clarear a foto do Padre Vítor, quando da confecção da estampa a ser oferecida a romeiros no santuário de Aparecida do Norte, em 1959.

Evidências análogas passam a ser possíveis com o auxílio da internete, por facultar a exibição de imagens sucessivas e contrapostas da mesma pessoa. As mais escandalosas podem ser inferidas dos primeiros filmes de Holywood, que mostram brancos os egípcios, se confrontados com documentários atuais, quando são exibidas figuras mais fidedignas dos faraós, de fato todos negros. Não se pode esquecer também que a afronta inversa também existiu e continua existindo. Um exemplo foi o fato de que Monteiro Lobato enegreceu o Saci. Outro são os apelidos dados por radialistas a dois notáveis cantores negros mineiros: Blecaute e Noite-Ilustrada, sendo este portador de uma das três mais raras vozes entre cantores populares brasileiros.

A ofensa da Caixa a Machado se dá justamente quando o historiador João Amílcar Salgado prepara a reedição da primeira biografia do sacerdote negro Padre Vítor.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

os vilelaS e os Alves vilelaS

João Amílcar Salgado

FAZENDA DO ENGENHO DO BOM JARDIM DA MATA DO RIO JACARÉ de ANTÔNIO VILELA FRAZÃO

SUMARIO: ORIGEM DOS VILELAS – VILELAS FORA DE MINAS – VILELAS MINEIROS DE SERRANOS – VILELAS MINEIROS DE SANTANA DE JACARÉ – O MADEIRAME DE QUELUZ – ALVES VILELAS DE NEPOMUCENO E ITUIUTABA – COMENTÁRIOS – OS 80 ANOS DE CLIMAR VILELA PAIVA – CLYDE ALVES VILELA – MARIA TAGLIAFERRI E OS VILELAS LIMAS – CENTENÁRIO DE EVANGELINA VILELA SALGADO – DISCURSO DE EVÓDIO VILELA – MÁRCIA SOUZA ALMEIDA – MARTA NAIR MONTEIRO – QUINTETO DA MEMÓRIA VILELA - ANITA ALVES VILELA BELO - JOÃO AMÍLCAR (VILELA) SALGADO – MENSAGEM DE AFRÂNIO VILELA – LUIZ VILELA, JOÃO BATISTA VILELA E JOSÉ GUILHERME VILELA.


ORIGEM DOS VILELAS

No sul de Minas Gerais há duas famílias Vilela, uma proveniente de Serranos, antigo distrito de Aiuruoca, e outra proveniente de Santana do Jacaré, ex-distrito de Candeias. Curiosamente os Vilelas de Serranos se deslocaram na direção dos Vilelas de Santana do Jacaré, de tal maneira que bem cedo se casaram entre si e continuam a fazê-lo até hoje. Podemos mesmo dizer que muitos Vilelas de Boa Esperança, Nepomuceno, Três Pontas, Coqueiral, Carmo da Cachoeira, Candeias e Campo Belo devem ser considerados Vilela & Vilela, ou seja, oriundos de ambas as linhagens. Daí é natural que se queira saber se essa gente era ou não parente em Portugal, já que vêm da mesma região norte, entre Porto e Braga. O primeiro Vilela de Serranos, Domingos Villela, nasceu na freguesia de Santa Maria das Palmeiras, próximo a Braga, cerca de 1708, enquanto o primeiro Vilela de Santana de Jacaré, Antônio Villela, nasceu na freguesia de São Martinho de Frazão (Penafiel), bispado do Porto, em (?)1739. Em futuro próximo esta questão estará esclarecida por Miguel Monteiro, ilustre historiador de Braga, especialista em migrantes lusos e meu fraternal amigo.

Se os Vilelas são gente ilustre em Minas e no Brasil, não o são tanto assim na história de Portugal, onde é raro o sobrenome Vilela, nenhum com título de nobreza. Há Vilelas que alegam estar localizado na Espanha, em Navarra, o lado nobre dos Vilelas. Referem-se a Terçal Perez de Villela, conde de Monjaraz., que, na época manoelina, deixou um filho luso, Justo Vaz de Villela.

A palavra Vilela foi e é nome de lugar, freqüente na Galiza e em Portugal - por exemplo, o distrito de Vilela de Arcos de Valdevez - com o significado de diminutivo de vila, constante de documentos desde o século X. O mesmo acontece com a palavra Villèle na França (condato de Villèle), Como sobrenome, aparece inicialmente acompanhado da preposição de : De Vilela. A primeira pessoa de sobrenome Vilela com referência direta na história lusa é Rodrigo Anes Villela, já sem a preposição de, e sem data indicada, citado na publicação DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES.

O Vilela seguinte é o padre Gaspar Villela, que nasceu em Aviz, distrito de Portalegre (Alentejo), em 1524, e foi missionário no Oriente. Talvez tenha sido o primeiro ocidental a percorrer extensivamente todo o Japão, lá ficando por muitos anos, a ponto de escrever dissertações em língua japonesa. De acordo com a tradição de inteligência e cultura, bem como de inclinação para historiadores, entre os Vilelas, Gaspar Villela escreveu uma HISTÓRIA DA VIDA DOS SANTOS e deixou precioso acervo de cartas. Faleceu no ano de 1571, em Goa, onde certamente conviveu com três portugueses célebres: o poeta Luís de Camões, o escritor Fernão Mendes Pinto e o médico Garcia de Orta. Estamos estudando possível relacionamento direto ou indireto entre Gaspar Vilela e os jesuítas, especialmente com o luso Simão Rodrigues e o basco São Francisco Xavier.

VILELAS FORA DE MINAS

Já no Brasil há um Vilela com títulos nobres, não só de visconde mas de marquês: Francisco Barbosa Vilela, nascido no Rio de pai luso (de igual nome, nascido em Braga). Ficou com o sobrenome sempre oculto pela pomposa designação de marquês de Paranaguá; foi matemático e poeta e ocupou vários ministérios imperiais. O Vilela brasileiro, entretanto, mais conhecido não é o marquês e igualmente não é mineiro: é o senador e usineiro alagoano Teotônio Brandão Vilela, herói da chamada campanha das Diretas-Já, que levou à redemocratização do país, depois de vinte anos de ditadura militar. É irmão de Avelar Brandão Vilela, também um nome nacional por ter sido cardeal primaz do Brasil. Quando conheci a médica Rosana Vilela, filha de Teotônio, disse-lhe que ela se parecia com as moças Vilelas de Nepomuceno. Ela, que é minha amiga e como eu se dedica à pedagogia médica, respondeu dizendo que seu tio Avelar lhe havia dito que os Vilelas brasileiros eram todos uma única família. Seu irmão Teotônio Vilela Filho foi eleito senador e governador de Alagoas. Há Vilelas em outros Estados nordestinos. È provável que o advogado, jornalista e escritor pernambucano, Joaquim Carneiro Vilela, pertença ao tronco dos alagoanos. Os mais numerosos fora de Minas são aqueles nativos de Estados vizinhos a Minas, quase sempre ligados à diáspora de sulmineiros. São assinalados no Rio, São Paulo, Goiás e vale do rio Paraná. É digno de nota haver em Goiás uma cidade chamada Mineiros, da qual duas das famílias principais são Vilela (à qual pertence o deputado federal Leandro Vilela) e Carrijo, e que desse Estado foi governador o político Luiz Maguito Vilela, cujo bisavô, José Manoel Vilela, é sulmineiro da cidade de Coqueiral, vizinha a Nepomuceno.

GALERIA DE VILELAS MINEIROS

Sobressaem aí, de início, os educadores. Há dois reitores de importantes universidades: Evaldo Vilela (Viçosa, federal) e Suely Vilela (São Paulo, estadual), seguidos de dirigentes educacionais Marta Nair, Marcia Souza, Maria Salgado, Iracema Lima e Zélia Lima. Um secretário de Estado e escritor acadêmico: Márcio Vilela. Três juristas: João Batista Vilela, Afrânio Vilela e José Guilherme Vilela. Dois altos cientistas agronômicos: o citado Evaldo e Edilson Paiva. E, para coroar, quatro artistas: o ficicionista Luiz Vilela, o teatrólogo Gabriel Vilela, o violonista Ivan Vilela e a apresentadora Valéria Monteiro. Proximamente esta galeria será completada com os Vilelas da área da saúde, saudáveis competidores dos citados e demais Vilelas agrônomos.

VILELAS MINEIROS DE SERRANOS: VILELAS FIALHOS E VILELAS GARCIAS

O primeiro Vilela de Serranos, Domingos Vilela, é neto de João Vilela, morador na localidade de Galego da freguesia de Santa Maria das Palmeiras, e filho de Custódio Vilela, da mesma freguesia. Custódio casou-se ali mesmo com Felícia Cerqueira, em 1707, e dali Domingos, filho do casal, migrou para o Brasil. Um irmão de Domingos, André Vilela Cerqueira, migrou para Guaratinguetá, São Paulo, casou-se aí, em 1753, na família Fialho, mas seus filhos, os Vilelas Fialhos, vieram para Minas Gerais na direção de seus primos. Vale lembrar que em Guaratinguetá era pároco o padre José Alves Vilela, que, em 1743, foi o primeiro a relatar o encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Dele ora estudamos a relação com os Vilelas Fialhos.

Já Domingos Vilela, casou-se, na mesma época de seu irmão, com Maria do Espírito Santo Garcia, filha de Júlia Maria da Caridade, uma das irmãs ilhoas, que vieram da ilha do Faial para Minas Gerais. Júlia casou-se na freguesia de Rio das Mortes Pequeno, pertencente a São João del Rei, com Diogo Garcia, também ilhéu, em 1724, e a filha Maria nasceu na mesma localidade, mas foi morar com o marido Domingos Vilela em Serranos, onde tiveram onze filhos que chegaram à idade adulta. Quatro destes permaneceram em Serranos, dois na atual cidade de Natércia, uma (Mariana) em Carmo da Cachoeira, e quatro (José, Maria, Teresa e Ana) na região compreendida por Boa Esperança, Campos Gerais, Coqueiral, Carmo do Rio Claro, Três Pontas e Nepomuceno, todas, na época, localidades pertencentes a Lavras. Dos descendentes destes últimos cinco é que vieram os principais entrelaçamentos com os descendentes dos Vilelas de Santana de Jacaré.

O texto básico para o estudo dos Vilelas de Serranos foi escrito pelo monsenhor José do Patrocínio Lefort, completado por José Guimarães. O rastreamento dos descendentes de André e Domingos Vilela (isto é, os Vilelas Fialhos e os Garcias Vilelas) é dificultado pelos numerosos membros da família que não conservaram o sobrenome Vilela, sendo mais difíceis casos como o do sub-ramo de sobrenome Corrêa. São descendentes que não conservam os sobrenomes Garcia ou Vilela, mas integram a numerosa prole do padre Manuel Gonçalves Corrêa (que, embora Garcia, recebeu, por exigência de Júlia Maria da Caridade, o sobrenome Gonçalves Corrêa, em homenagem ao avô materno). Muitos de tal prole matrimoniaram com primos Vilelas, por exemplo nas cidades de Formiga, Itapecerica e Nepomuceno.

VILELAS MINEIROS DE SANTANA DO JACARÉ: VILELA FRAZÃO, VILELA CARRIJO E ALVES VILELA

Nesta linhagem há dois casos em que os filhos ficaram com o sobrenome Vilela da mãe - a começar pelo primeiro deles Antônio Vilela, cujo pai era Antônio Velho Porto e a mãe era Maria João (Vilela). Antônio Vilela (Frazão) casou-se em Minas Gerais com Eufrásia de Jesus Maria Pires Ribeiro, filha do sargento-mor Manoel Pires Ribeiro, de S.J. Del Rei, e de Jacinta Maria. A filha de Antônio Vilela, Joana Francisca Rosa Vilela, em 1801, casou-se com Manoel Alves Carrijo, cujos filhos passaram a ter o sobrenome Alves Vilela, sendo o Alves tirado do pai e o Vilela da mãe. Assim, os Alves Vilelas são de fato Vilelas Carrijos. Essa preferência pelo sobrenome materno pode ser explicada quando este for denotativo de cristão-velho, que assim ganha preferência em comparação com o sobrenome paterno, eventualmente denotativo de cristão-novo. Dessas observações se deduz que há descendentes de Antônio Vilela que não são Alves nem Carrijo, bem assim há Carrijos que não são Vilelas, se forem descendentes unilaterais de irmãos de Manoel Alves Carrijo (um deles é Antônio Alves Carrijo que com ele adquiriu sesmarias vizinhas a Vilela Frazão). E há os Vilelas que assinam apenas Frazão, descendentes de outra filha de Antônio Vilela Frazão, Páscoa Angélica de Jesus Vilela, que se casou com Alexandre Gonçalves de Oliveira, fixados principalmente em Formiga. Já os descendentes de Joana Francisca Rosa Vilela, os Alves Vilelas, se fixaram em Campo Belo, Cristais, Candeias, Ituiutaba e Nepomuceno. Vale lembrar que um irmão de Manoel Alves Carrijo é co-fundador de Uberlândia e três irmãos Alves Vilelas são co-fundadores de Ituiutaba. Vilela e Carrijo são sobrenomes históricos na região da cidade de Mineiros em Goiás. O sobrenome Carrijo, de si corruptela de Carrillo, sofreu mudança para Carrejo no Triangulo e em Goiás.

Antônio Vilela chegou das proximidades da cidade do Porto para a região centro-mineira de Congonhas do Campo, mas acabou vindo para o sul da província e encontrou já estabelecidos aqui os Vilelas de Serranos. Para distinguir o recém-chegado dos demais, este passou a ser cognominado de Frazão, derivado de sua localidade natal, e é assim que se auto-denomina em seu testamento. Faleceu em 1813. Sendo sesmeiro, casou-se em família importante de São João del Rei. Assim, Antônio Vilela Frazão, que deve ter migrado por ambição mineradora, se viu entregue à agropecuária, inclusive a agro-indústria de açúcar e cachaça, sem contudo deixar de ser proprietário de lavras no Rio Paraopeba [ver seu testamento já divulgado na internet]. Algo semelhante aconteceu ao patriarca de Serranos, Domingos Vilela. As férteis terras sulmineiras, antes desprezadas por mineradores do norte de Portugal, passaram a ser valorizadas para a agropecuária no final do século 18, como resultado da chegada e da expansão de agricultores açorianos, sendo esta facilitada pelo extermínio de quilombos e o genocídio de quilombolas.

O texto básico para o estudo dos Vilelas de Santana do Jacaré foi escrito por José Gomide Borges, completado parcialmente por Denise Garcia e por anotações manuscritas preservadas por Marta Nair Monteiro. Já Luiz Alberto (Vilela) Franco Junqueira, em seu abrangente estudo, cobre os dois clãs Vilelas. Vale lembrar que o padre José Alves Vilela (1696-1779), vigário de Guaratinguetá, que, a partir de 1725, foi o primeiro cronista do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida, não pode, por anterioridade, pertencer à descendência de Alves Carrijo, embora deva ser ligado aos Vilelas Fialhos ou a Vilelas via Portugal.

O MADEIRAME DE QUELUZ

Entre os Vilelas de Santana de Jacaré há a tradição apenas oral de que, após o término da construção do palácio de Queluz (réplica de Versailles, onde nasceu e faleceu nosso imperador Pedro I), Antonio Vilela Frazão teria oferecido e enviado o jacarandá rosa de suas terras da mata do Jacaré para revesti-lo. Infelizmente a casa do Engenho do Bom Jardim da Mata do Jacaré, de Frazão, não foi preservada mas pode ser vista em foto. Há também a tradição de que desta fazenda foi gado para a corte de João VI, quando houve escassez de carne para satisfazer o apetite dos cortesãos recém-chegados.

ALVES VILELAS DE NEPOMUCENO E ITUIUTABA

Como foi dito, Antônio Vilela Frazão teve uma filha que se casou com Manoel Alves Carrijo de que resultou a família Alves Vilela. Um dos filhos de Manoel Alves Carrijo recebeu o nome de Manoel Alves Vilela (tenente-coronel), o qual se casou várias vezes, sendo a primeira esposa Ana Umbelina e a última Laura Gontijo Gomide. Quando faleceu, 32 filhos teriam comparecido ao velório, sendo que Pedro, o mais velho, podia ser avô do caçula Joaquim. Três dos filhos de Manoel Alves Vilela foram para Ituiutaba (cidade que ajudaram a fundar): Pedro, Augusto e João, todos casados na família Garcia Frade. Outro também de prenome João, o cônego João Alves Vilela, foi ordenado por D. Antônio Viçoso em 1859 (oito anos após o venerável padre Vítor). Três vieram para Nepomuceno. Destes, Francisco Alves Vilela deu origem aos Vilelas Limas e Delminda Alves Vilela, casada com Francisco Anastácio Barbosa, deu origem a descendentes com o sobrenome Barbosa (o mais eminente dos quais é o notável cardiologista Adauto Barbosa Lima) .

ADAUTO BARBOSA LIMA, PIONEIRO CLÍNICO DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA NO BRASIL

O terceiro era o caçula Joaquim Alves Vilela (1870 –1914), que foi trazido pela família do irmão Francisco, este bem mais velho, para constituir em Nepomuceno um ramo também Lima, mas que conservou o sobrenome Alves Vilela. Casado com Amélia Augusta Lima Ribeiro de Oliveira Costa, tiveram os filhos Demétrio, Adélia, Adelaide, Licínia, Clyde e Evangelina Alves Vilela.

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O autor é neto de Joaquim Alves Vilela. É também professor titular de Clinica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

COMENTÁRIOS:

1- A pedido da coordenadora do Projeto Partilha colocamos um link na página de www.carmodacachoeira.blogspot.com à sua página principal, e doravante iremos linkar as referências os "Alves Vilela" nesta página específica.

2- Meu nome é Douglas Vilela, e estou tentando trabalhar a árvore da família Villea, mais especificamente no tronco de Pernambuco. Até onde encontrei, foi Manoel da Cruz Villela, português dos arredores de Braga, que primeiro teria vindo ao Brasil com dois irmãos, por volta de 1707. Manoel teria ido para pernambuco, de onde vem a minha linhagem, e os irmãos teriam descido mais ao sul. Não sei se há parentesco com Custódio Villea, pois as datas não bateriam, nem eu conegui descobrir de onde viria esse "Cruz". Talvez ele seja irmão ou primo de Custódio, mas quem seriam esses irmãos que vieram com ele para o Brasil? Domingos e André seriam candidatos, mas suas datas de nascimento não batem, tendo eles vindo algumas décadas depois. Se tiver mais alguma informação ou alguma luz que possa ajudar minha pesquisa, ficaria muito grato! Desde já obrigado, Douglas Vilela.

3- Meu nome é Ely Paiva, sou de Uberlândia. Parabéns pelo belo trabalho sobre os Alves Vilela. Estou escrevendo um livro sobre os Pioneiros de Coxim, MS, com o apoio do Instituto Histórico e Geográfico daquele estado. Um esboço da nossa pesquisa inicial pode ser vista no link www.povoadores.net Estou traçando as origens de uma das primeiras famílias de Coxim, que veio através de Antonio Teodoro de Carvalho e seu (sobrinho ?) Manoel Teodoro de Carvalho. O Antonio Teodoro foi citado em vários livros do Taunay à época da Guerra do Paraguai. Esse "Manoel Teodoro de Carvalho", nascido em 1856, foi casado em primeiras núpcias com "Rita Alves Vilela". Além disso, já vi que os Teodoro de Carvalho de Coxim eram muito próximos dos Ferreira Junqueira dali. João Ferreira Junqueira que morou no Prata antes de ir pra Coxim, era padrinho de casamento de Antonio Teodoro de Carvalho. E já percebi que essa proximidade das 2 famílias ocorreu também em outras cidades do triângulo mineiro. Por favor, você já ouviu falar dessa "Rita Alves Vilela". Pelo sobrenome "Alves Vilela" podemos dizer com grande chance, que eram oriundos do Triângulo.

27 DE JULHO DE 2009 17:35

Marcio disse...

Olá Sr. J. Amilcar Salgado.

Se o Sr. com gentileza permitir, gostaria de fazer um pequeno comentário sobre os Vilela de Pernambuco. Os Vilela de Pernambuco são muitos e com intrincadas e complicadas ramificações - quase sempre endogâmicas. É uma numerosa e antiga família com origens portuguesas (dizem, e acho que existe algum fundamento antropológico nesta história oral transmitida de geração em geração, que descendem de cristãos novos). Não sei, mas talvez seja verdade, pois creio que são descendentes da família "CRUZ VILLELA", de MANOEL CRUZ VILLELA - judeu (cristão novo) originário de Braga em Portugal, e que vindo fugido da Inquisição no Porto, em 1712 comprou de Jerônimo Burgos de Souza e Eça uma sesmaria de trinta léguas quadradas onde hoje é o Município de Bom Conselho-PE (região relativamente próxima de Garanhuns-PE).

Os Vilela nordestinos (muitas vezes assinaram também Villela e Vilella), apesar de a seu modo serem há longa data muito religiosos, parte deles (pelo menos uma parte) quase sempre foram também muito ariscos aos padres, aos santos católicos e aos ritos e sacramentos do catolicismo. No entanto, esta aversão ao catolicismo não é o que ocorre com todos os ramos dos Vilela pernambucanos, mas ocorre em parte dela. Também há um costume antigo na família que creio seja quase um elemento arquetípico, talvez herdado de ancestrais marranos (não afirmo que é, mas creio provável): muitos na família, pelo menos desde meados de século XIX, até onde consegui descobrir, frequentemente utilizavam e ainda utilizam, nomes bíblicos do Velho Testamento (Israel, Manassés, Ozias, Daniel, Jeremias, Isaac, Raquel, Mirian, etc).

Mas deixando a potencial ancestralidade judaica a parte, hoje os Vilela nordestinos que conheço (do ramo CORREIA VILELA) são cristãos (mas, não católicos), pois no final do século XIX, houve uma conversão em massa da família para o protestantismo. Parece até que a família CORREIA VILELA e seus familiares da região de Garanhuns-PE e Canhotinho-PE esperavam ansiosamente para se livrarem da influência e da fiscalização religiosa dos padres católicos. Até onde sei, como de uma tacada só, todos os Correia Vilela e parentes próximos tornaram-se presbiterianos. Um deles inclusive morreu e virou até martir da Igreja Presbiteriana no Brasil, ao salvar um missionário estadunidense em um atentado ocorrido em São Bento do Una no ano de 1898. Esta conversão para o presbiterianismo ocorreu na família durante a década de 1880.

Sou paulistano, não sou judeu, católico, presbiteriano ou protestante e infelizmente nunca estive no Nordeste, mas cresci ouvindo tais histórias sobre a família Vilela de Pernambuco, pois apesar de por linha paterna minhas origens serem italianas, minha avó materna é pernambucana e da família CORREIA VILELA da região de Garanhuns, Calçado e Canhotinho-PE. Meu trisavô era Manoel Correia Vilela ("Mandim" Vilela). Meu bisavô era Otoniel Correia Vilela.

Gostaria de conhecer melhor as histórias e as origens da família CORREIA VILELA de Pernambuco. Se alguém da família desejar trocar informações, meu e-mail segue abaixo.

Fraternais saudações, Márcio, São Paulo/SP.

e-mail: professor.marcio@hotmail.com

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OS 80 ANOS DE CLIMAR PAIVA – ILUSTRE ALVES VILELA

João Amílcar Salgado

Os cidadãos nativos e adotivos de Nepomuceno estão acompanhando com aplauso a sucessão de reuniões de clãs locais. No momento, a propósito da terceira reunião dos Alves Vilelas, sugiro duas coisas. Primeiro, que todas as demais famílias nepomucenenses façam congraçamentos semelhantes. Segundo, que a próxima dos Vilelas seja uma reunião conjunta de todos os sub-ramos, numa autêntica VILELADA.

A primeira festa foi a dos 90 anos da mui amada Maria Tagliaferri Vilela, na agradável fazenda de sua filha Glorinha, regida (a fazenda e a comemoração) pelo esposo desta, o Toninho Lima Reis – imbatível na fidalguia com que recebe cada um e a todos. A segunda, comandada pelo casal Roberto Vilela Gonçalves e Elina Lima, foi a reunião dos numerosos descendentes do legendário João Alves Vilela Lima. Este foi um Alves Vilela autêntico e tão marcante e em tantos aspectos, sobretudo por sua inventividade e sua habilidade fitoterapêutica, que será objeto de livro biográfico, coordenado pelo neto Evódio Vilela – destacado docente da Universidade Federal de Lavras. A terceira acaba de ocorrer em comemoração aos 80 anos (que parecem menos de 60) da vitoriosa Climar Vilela Paiva, quando foi oportuno homenagear também seu saudoso esposo Jainir Santos Paiva (nosso Nininho), os filhos, irmãos e inesquecíveis genitores.

Divulguei ali um texto que assim termina: Exemplo ilustre dos Alves Vilelas de Nepomuceno são os filhos do casal Jainir-Climar: MARCOS, EDILSON, RENATO e LUCIANO. São todos engenheiros agrônomos (como outros notáveis Vilelas agrônomos), com pós-graduação nos EUA e que brilham na Universidade, na Embrapa ou como empresários – um por um verdadeiros cientistas que honram o boom agrícola que ora vivemos e, mais que isso, a tradição de pesquisa agronômica de Minas e do Brasil. Em Ituiutaba, exemplo igualmente nobilitante dos Alves Vilelas é o jurista João Batista Vilela (como outros notáveis Vilelas juristas e escritores), astro maior, em Minas, no Brasil e no exterior, na especialidade do Direito Privado. Observe-se que no Triângulo a presença dos Vilelas e Garcias é tão marcante que acabou por gerar um novo sobrenome: Garvil (tirado de Fanny e Osvaldo), conforme a oportuna observação do escritor Olavo Romano.

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CLYDE ALVES VILELA – MINHA TERNA REFERÊNCIA NO PANFLETO E NO HUMOR

CLYDE E CLIMAR

João Amílcar Salgado

Clyde Alves Vilela, meu inesquecível Tio Lela, recebeu este nome inglês de meu avô Joaquim Alves Vilela, que primou por escolher nomes sofisticados da história e da literatura para os filhos: DEMÉTRIO, ADELAIDE, ADÉLIA, LICÍNIA, CLYDE e EVANGELINA. O povo da Vila recusou a pronúncia inglesa e fez bem em apelidar o Clyde de Lela. Ele foi uma inteligência incomum, exímio e criativo farmacêutico (inventou vários remédios de manipulação) e também temido panfletário na política municipal. Estas qualidades me foram espontaneamente apontadas por seu parente e amigo de juventude Oscar Negrão de Lima, catedrático de Medicina Legal da atual UFMG.

Além de usar de inteligência e criatividade privilegiadas no exercício profissional, no jornalismo partidário e no jogo de xadrez, usou-as em duas outras áreas, hoje marco na tradição de nossa família. Foi um dos contribuintes célebres ao folclore estudantil de Ouro Preto, para onde, no curso de Farmácia, levou o senso de humor inigualável de sua cidade natal – e criou para os filhos que teve com a também inesquecível tia Mariinha (Maria Cardoso Vilela) nomes tão originais quanto designativos de algumas das pessoas mais estimadas da vida nepomucenense: CLIMAR, MARCLI, CLYDE, ILCRAM e RAMILC. Em meu livro de memórias O RISO DOURADO DA VILA, de 2003, procurei deixar fixados para sempre estes e outros dos traços essenciais desse paradigmático grupo familiar sulmineiro.

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MARIA TAGLIAFERRI E OS VILELA LIMA DA QUITINHA

JACY VILELA LIMA

João Amílcar Salgado

A casa da dona Riqueta (Henriqueta Rafael de Menezes), vizinha à nossa farmácia, era e é muito imponente. Foi erguida com todo o requinte pelo construtor civil veronês Ambrósio Tagliaferri, mas a dona Luiza (Tonetti), sua esposa florentina, disse que só a habitaria com todas as dívidas pagas. E foi assim que, antes de habitada, foi vendida. Desde que soube disso inscrevi este trágico Ambrósio entre meus personagens shakespearianos.

Com o fim da guerra e a queda da ditadura Vargas, em 1945, a Pax Nepomucenensis (antes abalada pela disputa entre veados e caranguejos) foi mais uma vez posta à prova, quando nossa farmácia passou a ser o quartel general desta vez dos udenistas. À noite a política fervia e os primeiros a chegar eram os irmãos Rodrigues, seguidos dos irmãos Lourençoni. Depois chegavam os irmãos Vilela Lima, sento estes netos de Francisco Alves Vilela, o primeiro Alves Vilela da Vila, irmão de meu avô Major Joaquim Alves Vilela, o Quinca: Ernane, Ari, Jaci, Soneca, além do cunhado Cacá Ferraz e do meio irmão Zinho. Interessante é que os netos de Francisco Alves Vilela eram identificados pelas noras: os Vilela Lima da Vicentina (casada com o João Vilela) e os Vilela Lima da Quitinha (casada com o Neca Vilela). O udenista mais irritante para os pessedistas era o Dumingo Miguel e o mais exaltado, querendo briga, era o Jaci Vilela. Os estrategistas mais temidos eram o farmaceutico Sargado e o advogado Ernane Vilela. Estes, sendo os dois homens mais cultos da cidade, em vez de se rivalizarem, admiravam-se mutuamente, pelo que eram temidos aliados políticos. O doutor Ernane era verdadeiro jurista e se quisesse teria feito a mais brilhante carreira na magistratura. Aliava o melhor domínio verbal dos Ribeiros Limas à melhor agilidade mental dos Vilelas. Ele e o Lídio Bandeira de Melo talvez tenham sido os únicos advogados brilhantes em matemática. Como seu aluno no ginásio, o vi transitar com ágil desenvoltura entre teoremas e equações, tanto quanto entre códigos e leis.

Depois da janta era hora de chegar o Tunico Barbosa, irmão da Dona Sinhaninha, também Alves Vilela por via materna. Usava sempre um terno de brim cáqui e também falava espremido, comentando sempre negócios e política, ouvindo causos sem contá-los. Depois chegavam os mais interessados em saber das novidades políticas e das notícias da guerra, lidas nos jornais e ouvidas no rádio. O mais sintonizado com tudo que se passava era o Vivico (Cordovil) de Freitas. Já o carbonário Ambrósio Tagliaferri, ao ver seu genro, Jaci Vilela, sair para a farmácia em busca de novidades, dizia: lá vai ele para o alto comando francês da Vila! Nesta não houve qualquer hostilidade aos italianos, como ocorreu contra estes e os alemães, por exemplo, em Belo Horizonte. O Ambrósio, aliás, chegou a Minas para ficar na Capital, mas foi atraído à Vila pelos Custódios da Veiga.

Evidência de que o Ambrósio não era fascista e sim patriota está no nome Jefferson dado a seu filho, homenagem ao esquerdista do grupo fundador da democracia ianque. O Jefferson, parceiro de xadrês e grande amigo de meu pai, foi referido assim pelo Wagner Cardoso, em seu livro História Pitoresca de Campo Belo: veio para Campo Belo como operário e jogador de futebol e chegou a ser um dos três maiores empresários de nossa história – versátil, trabalhador, dinâmico. Já a dona Maria Tagliaferri, hoje em sua magnífica lucidez octogenária, deve ser homenageada como heroína e como exemplo de inata bondade e inexcedível doçura. Inteligente, observadora e mãezona, ela é a nona latina que se aclimatou à Vila, com o fim precípuo de distribuir carinho aos filhos dela e de todas as mães da cidade. Ela e minha mãe são irmãs de viuvez. Os amigos Sargado e Jaci morreram cedo e à mesma época, deixando os filhos muito jovens, os deste mais jovens ainda. Ambas reencontraram forças para superar a adversidade e conduzir a prole no rumo de que os pais ausentes se orgulhariam.

A fraterna ligação da dona Maria conosco é anterior ao parentesco do esposo com minha mãe. Vem de quando a vivíssima garota, filha do casal Ambrósio-Luiza, foi aluna de minha avó Xanica no grupo escolar, dirigido pelo esposo desta, meu avô João de Abreu Salgado. Diz ela que era encantada com a beleza física daquele diretor alto e de olhos azuis, sendo ao mesmo tempo atencioso, severo e culto. Já a dona Xanica, escondia em cativante meiguice, a mulher fina da aristocracia trespontana, admirada pelas prendas manuais em confeitos e bordados. Diz que o bisneto Carlos lhe traz a imagem do diretor bonitão. – E os Vilelas, dona Maria? – Ah, é tudo gente boa e muito engraçada! Perguntei que traços vilelas ela mais identificou. Respondeu que meu outro avô, Major Quinca, vivia com a calça despencando e que o Jaci tinha o mesmo hábito, tomando o apelido de Major. E acrescentou que, na geração seguinte, a tradição é mantida pelo Zeca da Vange e pelo Aluízio do Ari.

Hoje calculo a alegria do Jaci, se vivo fosse, diante da projeção e do brilho do filho cirurgião Manoel Jaci Vilela - das nossas principais autoridades em transplantes de órgãos e docente da Universidade Federal de Minas Gerais.

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EM 2007 NEPOMUCENO COMEMORA O

CENTENÁRIO DE EVANGELINA VILELA SALGADO

João Amílcar Salgado

Evangelina Vilela Salgado (1907-1995) foi a filha caçula do boticário e major Joaquim Alves Vilela e de Amélia Augusta Costa Vilela - e por isso mesmo ficou com o apelido de caçulinha. Em especial, este diminutivo passou a ser carinhosamente usado por todos os parentes, após tornar-se órfã de pai, quando ainda não completara sete anos de idade. Logo a seguir, passou a ser chamada de Vange, o que a agradava, pois não gostava do prenome de batismo. Mais tarde, tentei mudar-lhe a opinião, dizendo que Evangelina era nome elegante da literatura internacional e de uma heroína de guerra, mas ela manteve a velha ojeriza.

Nasceu na casa mais conhecida da praça da matriz, chamada de Botica, onde seu pai instalara sua farmácia. O que resta hoje da Botica foi modernizado pelo último proprietário, Dario Sebastião de Lima, parente próximo da Vange, que a transformou em agradável residência. A Botica primitiva era de fato uma casa comprida que ia da porção remanescente até a esquina da antiga saída para Lavras. A Botica provavelmente já existia antes de ser a farmácia do pai da Vange. É quase certo que tenha sido originalmente um misto de farmácia e casa de comércio, do tempo do Casaquinha.

Logo a seguir, a habitação da família passou a local bem próximo à Botica, numa casa que fechava a atual rua Pimenta da Veiga, exatamente servindo de sede a uma chácara, posteriormente herdada pela própria Vange. Nesta casa foi feita uma fotografia que mostra o quintal dos fundos, que era um curral. Seu pai está ao lado de uma vaca e na porta está a Vange com os cabelos alvoroçados. A menininha tinha cerca de três anos e fizera pirraça para não se pentear. Provavelmente, no mesmo dia, foi feita a fotografia de toda a família, com roupa domingueira: o pai Joaquim (Quinca), a mãe Amélia, os dois filhos Demétrio e Clyde (Lela), ambos futuros farmacêuticos por Ouro Preto (o primeiro em final de curso), e as irmãs Adélia, Adelaide Licínea e Vange. Curiosamente a Licínea aparece com os dois sapatos do mesmo pé.

Mais tarde, a viúva Amélia voltou a morar na praça da matriz, no lado oposto à Botica, no casarão vizinho ao prédio novo da farmácia herdada pelos filhos e junto da filha Adélia, então recém-casada com o primo João Batista Lima. Em volta da praça, moravam quase que só parentes e isso fez da meninice e juventude da Vange um período muito divertido e feliz. Além da convivência da praça, a menina era recebida com muito mimo nas fazendas de duas de suas tias maternas, a da tia Elisa, casada com o tio Batistinha, primo desta, e da tia Zulmira, casada com o tio José de Barros, famoso por detestar o uso de sapatos, apesar de muito rico. Mais próxima da cidade, ficava a fazenda da Santa Cruz, do advogado Otaviano de Lima (o famoso Dr. Vico), primo da viúva Amélia e também primo da esposa Elisa, aonde a Vange ia com freqüência na companhia da Leolita, filha dos donos, que lhe foi companheira de infância e mocidade e, mais que isso, querida amiga pela vida toda.

A Vange, porém, gostava, sobretudo, da fazenda da Limeira, dos avós maternos, seus padrinhos, apelidados de Dindinho e Dindinha. Tratava-se do tenente José Augusto Ribeiro de Oliveira Costa, cuja esposa, Mariana Corrêa Lima Costa, tinha o espírito de empresária, contrastante com o hábito descansado do esposo. De fato, enquanto o tenente, um Ribeiro típico, aguardava o resultado primário da lavoura e da pecuária, a Dindinha, uma Correia Lima típica, colocava o demais pessoal válido na labuta diária pela manufatura de polvilho, banha, lã, quitandas e laticínios. Como lamento ter sido privado de conhecer a casa antiga da fazenda! Por que não a compramos antes de ser demolida?

Foi nessa fazenda que a menina Vange, quatro anos depois de perder o pai, presenciou um quadro indescritível de doença e morte. No ano de 1918 a chamada Gripe Espanhola, uma das maiores pandemias da história, chega a Nepomuceno e na fazenda da Limeira quase todos são acometidos. Apenas alguns poucos tinham de atender o resto das pessoas. O dono da fazenda, na idade em que estava, acaba falecendo e não havia quem cuidasse de seu corpo. O desespero e o caos se generalizaram na casa e isso marcou muito a pré-adolescente Vange, que escapou sem sequer ter tido febre.

Além dos encantos da beleza física e do temperamento, a Vange conquistava a todos por sua incorrigível tendência em ver apenas o lado alegre da vida. Ex-aluna de violino do maestro Antônio Izidoro, não pôde prosseguir na música por causa dos acessos de riso nas aulas e no palco. O mesmo ocorria em novenas e até em velórios, levando a severíssima mãe Amélia a evitar que a menina comparecesse a tais acontecimentos. A capacidade de rir de si mesma, traço sadio de sua personalidade, e a excelente memória sobre episódios hilariantes serão objeto de um livreto que ora escrevo (em colaboração com o historiador Evaldo Rui de Oliveira), baseado em seus depoimentos em fitas de áudio e de vídeo, gravados com ela e com a irmã Licínea.

Quatro anos depois da morte do Dindinho, já a encontramos a arrumar as malas para comparecer ao Centenário da Independência do Brasil no Rio de Janeiro. Poderia haver melhor festa de debutante? Sim, aos 15 anos, ela foi de trem-de-ferro para a Capital do país, na companhia de sua amiga por toda a vida, a também sempre sorridente Caixinha, este o singular apelido da boníssima Atonieta Correia Lima. Além de ser sobrinha da Dindinha, a Caixinha era irmã da cunhada da Vange, Esméria Correia Lima Vilela (hoje nome de bairro), esposa do mano Demétrio. O casal e as respectivas cunhadas passaram dias felizes na Capital engalanada, repleta de exposições e cumulada de festas. À mesma época, outra viagem inesquecível: comparecer a Ouro Preto (em tempo de jabuticaba) para a formatura do Lela. Para o pernoite em Belo Horizonte, a dona Amélia foi convidada por seu primo Licas de Lima para se hospedar na chácara do Comendador Negrão, onde todos foram recebidos fidalgamente pela dona Mariquinha Negrão de Lima.

Certo tempo depois, a Vange, como é próprio de todos os Ribeiros, foi queixar vagos sintomas dispépticos ao parente Dr. José Reis, que clinicou em Nepomuceno antes de se fixar em Varginha, e este firmou um diagnóstico que estava em moda na medicina da época: apendicite crônica. Sugeriu que a jovem aproveitasse a viagem a ser feita pelo Xico Batista, outro Ribeiro. Enquanto este iria a Juiz de Fora para perder as hemorróidas, ela o acompanharia para perder o apêndice. Sua apendicite era tão crônica que deu tempo de fazer dois enxovais, um para a viagem de trem e outro para a internação hospitalar. Os Ribeiros de Nepomuceno estavam entusiasmados com a facilidade para chegar a Juiz de Fora e ali encontrar o maior cirurgião nascido em Minas, Hermenegildo Vilaça. Ele era casado com a dona Olívia Ribeiro de Oliveira e recebia, com a maior amabilidade, todos os parentes nepomucenenses de sua esposa. Quando confirmou o diagnóstico do Dr. José Reis e operou a juvenil Vange, o Dr. Hermenegildo confessou que ela era a paciente mais formosa que já atendera.

De fato, a Vange foi a moça mais bonita de sua geração em Nepomuceno. Esse testemunho eu tenho das fotos que ficaram e o recebi espontaneamente de pessoas que a admiravam, não só pelo encanto físico, mas por sua candura e pelo jeito doce de conviver com todas as pessoas, das mais requintadas às mais humildes. Lembro-me do depoimento de Alice Lima, Vicentina Vilela Lima, Eunice Veiga, Nieta Veiga Sales, Dr. Juca (José Augusto Lima), Dr. Levi Gonçalves e Olívia, Lazarino de Melo, Sinhaninha Barbosa Lima, Nazira Massaud, Márcia Almeida, Iolanda Cambraia Lima e outros.

Alguém que tinha verdadeira adoração por ela era a Sá Mariana, que freqüentava nossa casa, principalmente na época de fazer goiabada, marmelada e bananada. Ela era uma negra de inteligência e lábios enormes, tendo sido criada na fazenda do referido tio Batistinha. Não havia a menor dúvida de que a Sá Mariana era tida por nós e por toda a parentalha como legítima e queridíssima integrante da família. Quando eu a ouvia proseando na sala ou na cozinha, largava qualquer brinquedo e ia ouvir suas frases francas e definitivas sobre tudo e sobre todos.

Na vida doméstica, a Vange sempre desfrutou, mesmo depois de viúva, de mais de uma auxiliar na cozinha e no cuidado de filhos e netos. Três requerem saudosa citação: a Serafina, a Aparecida e a Neném. Daí que sua atividade, na cozinha, na máquina de costura e na horta, era destinada a fazer o que gostava, principalmente frango caipira e matança de porco, sendo famosos e inigualáveis a lingüiça, o pastel, doces-de-caixeta e o requeijão. Desde jovem, foi leitora voraz de romances, começando pelos água-com-açúcar até os mais picantes, alternados com novelas de rádio e depois de televisão. Adorava viajar e ouvir poemas declamados e também músicas de seresta, principalmente, na voz de Carlos Galhardo e Nélson Gonçalves. E, mais que tudo, uma boa prosa, principalmente evocação do tempo antigo e de episódios humorísticos.

Na foto de inauguração do campo de futebol do América, é possível observar o público e as jogadoras de voleibol, comandadas pelo técnico Dr. Getúlio Lima. Bem no meio da estampa, vê-se uma garota, a Vange, toda cheia de si, quer pela confiança no desempenho esportivo que estava por acontecer, quer pela certeza de ser a mais linda do grupo. Essa notável mulher, que foi amada por toda a cidade, durante todos seus 86 anos de vida, teve também um casamento de sonhos. Casou-se com o farmacêutico, galã e poeta João Salgado Filho, que, como ela, era dotado de raro senso de humor. Foi o primeiro casamento oficiado pelo novo pároco Luiz de Gonzaga, depois cônego e monsenhor. Foram padrinhos do vistoso casal, a educadora Alice Lima e o odontólogo José Augusto Moreira da Silva.

Quem observa a foto de ambos nessa data, pode entender melhor a quadra que o candidato apaixonado dedicara ao objeto de sua conquista: Eu sou um nauta perdido / Num mar juncado de escolhos, / Vagando desiludido / À luz de teus lindos olhos!...

O autor é filho da homenageada, professor titular de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e historiador do Sul de Minas. Demais traços biográficos de Evangelina Vilela Salgado encontram-se no livro O RISO DOURADO DA VILA, 2003, do mesmo autor.

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DISCURSO DE EVÓDIO RIBEIRO VILELA NA FESTA DOS ALVES VILELAS DE 03/05/2008 [trecho]

À tia Elisa e aos meus primos, bem como aos netos, bisnetos, tataranetos de João Alves Vilela Lima – e ainda aos convidados presentes e aos saudosos que nos deixaram.

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Em oito de outubro de 1945, ao terminar a guerra mundial, eu nasci. Parece que eles estavam me esperando, pois levei um tapa-na-bunda da parteira. Foi como se eu tivesse alguma coisa a ver com a guerra. Depois eu descobri que isso era normal. Mas, até hoje, aquele “tapa” me incomoda. Fui agredido em pleno nascimento. Eu nasci com uma parteira, na roça, como quase todos os meus irmãos. Um ser que de repente vive, respira, e acorda numa casa imensa, cercado de muita gente. Meu pai, minha mãe, meu avô, minha avó, tios, tias, primas e primos. Abri os olhos e senti o suave perfume da vida. É assim que eu quero escrever. De um passado que nos foi construído com carinho e muito amor. Eu só posso escrever em nome de algumas pessoas. Mas posso deixar os endereços daquela época: Rua Direita, casa do vô João e da vó Vicentina; casa da “Sô Quinzinho e Niquinha ”, ou melhor, de todos que estão aqui e que as freqüentaram; casas do tio Paulo e tia Elisa, do Vilico e da Elisa Costa, e na roça: Fazenda do vô João Vilela - Município do Carrapato.

Foi aí que o vovô João e a vovó Vicentina lançaram suas sementes, e estes frutos estão aqui, lotando este Clube. Ele foi um agricultor de muitas terras. Ele dizia que um dia o Brasil seria o “celeiro do mundo”. O único celeiro que eu conheci foi o paiol dele que vivia abarrotado de milho. Por várias vezes eu vi o Fordinho 29, nos meus 6-7anos, sumir nos eucaliptos, indo para Nepomuceno. Como eu era pequenino, não podia ir, e meu pai mandava meus irmãos, Tarcísio e Adilson, esperarem lá na ponta dos eucaliptos, perto da casa do Pedro Aquiles, me enganando. Isto foi covardia. Mas o vovô, nas festas juninas, trazia um monte de foguetes e bombinhas, e eu era o eleito dele, como fogueteiro mirim, apesar de meu irmão Adilson ser seu neto preferido na época. E eram rojões, busca-pés, que subiam e desciam. Uma vez - espero que ele e a vovó, não estejam me vendo - apontei um busca-pé para a janela da sala da fazenda, para acordar algumas tias e o Tita, irmão da minha avó, que morava conosco. A tia Benedita pulou pela janela, a Nali tropeçou, a tia Alda correu para os fundos da horta e a minha mãe veio ao meu encontro para a “surra”, que meu avô impediu. Desculpem-me, isso é só fantasia. Se isso não for verdade, é porque eu era criança.

Eu me vejo, junto com meus primos, o saudoso André (o Bite) , o Ailton, a Nilza, a Nivalda, meus irmãos, Adilson, Tarcísio, Mariinha, Joãzinho, Donizete (saudoso), Leila. Meus tios: tia Alda, tio Jil, tia Benedita, tio João, a Nali, a Narci (saudades), Neire e nossos saudosos tios que pouco conheci: tio Tuta, tio Joaquim e os que vinham sempre nos visitar, de Varginha, de Belo Horizonte, de Campo Belo. Há, que saudades eu tenho da aurora da minha vida! A gente acordava, em pleno mês de julho. Inverno frio! E corria para disputar uma vaga no rabo do fogão à lenha da vovó. Depois, a vovó enchia o forno à lenha de biscoitos de polvilho. E aí, saíamos para a caça. Eu não gostaria de lembrar estas façanhas, mas infância é infância. Tínhamos uma cartucheira, dois canos, calibre 24, do meu avô. Nós mesmos fazíamos os cartuchos para matar rolinhas, saracuras, pombas juritis. Hoje eu me sinto envergonhado disso.

E por falar de meu avô, segundo o Dr. João Amílcar, em seu livro “O Riso Dourado da Vila”, ele foi um dos homens mais inteligentes de Nepomuceno. Como testemunha o nosso saudoso engenheiro Dr. Alfredo Unes me afirmou, por diversas vezes, que foi o meu avô que inventou a “muda” (em balainho), ou seja, o transplantio de uma planta para outro local. Isto não é Brasil, é descoberta internacional. O ministro da agricultura esteve aqui naquela ocasião, mas, infelizmente, perdemos o jornal do seu Waldemar. Meu avô chegou a produzir, naquela época, 11.000 sacas de café. Transportava em 10 carros de boi até o porto do Zé Padre, Rio Grande. Dali, por barco a vapor, ia para Ribeirão Vermelho, e em seguida para o porto de Santos, por via férrea - quando o vô ia junto exportar o seu café. Coisa rara, hoje em dia. Eu acho que ele não gostava de futebol. Senão, nós todos seríamos santistas, hoje, e não botafoguenses! Ele tinha fábrica de açúcar, rapadura, aguardente. Infelizmente essa agricultura-mãe foi destruída, e essa é a nossa diferença com os EUA, onde os agricultores prevaleceram e não destruíram a agricultura.

Eu me vejo, com orgulho, na casa da fazenda, com 10 quartos de dormir, 3 salas, duas copas enormes. Infelizmente, só um banheiro, onde a fila era enorme. A casa era tão grande que, se você almoçava, ao chegar do outro lado, estava na hora da jantar. Havia um gramofone, no lado oposto da cozinha e um telefone de parede. O gramofone era movido à corda. Desculpem-me, os bisnetos e tataranetos, não dá para explicar aqui, o que é gramofone. Mas para encurtar conversa, era um aparelho que tocava músicas em disco de vinil. O que é isso? Peçam seus pais e seus avós maiores detalhes. Quando a corda do gramofone começava a acabar, a rotação caía, e a voz dos cantores ficava grossa e lenta. Alguém tinha que correr, atravessar toda a casa, para dar corda. Um dos recordistas desta corrida foi o André, logicamente por causa de suas pernas longas. Com 10 segundos e 6 décimos em 100 metros rasos. Isto acontecia também quando tocava o telefone.

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Evódio Ribeiro Vilela é mestre, doutor e professor da Universidade Federal de Lavras e cientista de tecnologia de alimentos.

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MÁRCIA (ALVES VILELA) DE SOUZA ALMEIDA

MICOTA ALVES VILELA

MOREIRA, mãe de MÁRCIA

João Amílcar Salgado

Em 2006 recebi das mãos de uma senhora, às vésperas de seus 90 anos, um livro de belo título: SEMEANDO E COLHENDO, que acabara de escrever. Na capa estava estampado seu belo rosto, quando jovem, flagrado em cativante sorriso. Comparei a foto com o rosto ali defronte e me espantei de ver como tantas décadas não foram capazes de desfazer aqueles delicados traços de beleza. Na dedicatória ela escreveu: Ao emérito cientista e cultor das artes, com o carinho e a admiração da prima, Márcia.

Essa extraordinária Márcia fez bem em deixar registrado o que o casal de educadores Márcia-Manoel Almeida SEMEOU e COLHEU pelo Estado de Minas Gerais inteiro. Admira-me como a Márcia fulgura com desembaraço na rica galeria de mulheres da família Alves Vilela, aclamadas como queridas educadoras: Marta Nair Monteiro, Iracema Vilela Lima, Climar Vilela Paiva, Maria Aparecida Salgado e Neusa Vilela Salgado.

Márcia é filha da Dona Micota (Maria Olímpia), uma mâezona da velha têmpera Alves Vilela. Foi a querida dama de Boa Esperança, que ajudou o alfaiate João Rosa, a bem educar seus quase vinte filhos, sendo ambos, por isso mesmo, também notáveis educadores. Ela, exímia na culinária e na costura e ele, na alfaiataria e na música, que obtiveram de cada filho dominar o canto e também um instrumento musical, dominando ele o saxofone, embora tirasse o sustento de tantos, segundo a Márcia, pelo menor instrumento de trabalho – a agulha – a amiga silenciosa e discreta. Dona Micota era filha de Joana Alves Vilela e do poeta Modestino Moreira, sendo Joana filha de Modesto Vilela e de Laura Alves Vilela (ou seja, curiosamente, a filha do Modesto matrimoniou-se com o Modestino).

Perguntei ao Carlos Netto, também musicista dorense, se, pelo pendor musical, havia a possibilidade de o saxofonista João Rosa ser parente do compositor Noel Rosa, que tinha parentes mineiros. Netto achou pouco provável. Mas hoje estou em busca de algo mais: o eventual parentesco entre dois Joões Rosas: o sulmineiro João Rosa e o sertanejo João Guimarães Rosa.

A música é marca tão forte na Márcia que ela recheou seu livro com as letras e partituras das canções que ela (e eu) mais preza. A tradição musical de Boa Esperança, simbolizada em Nelson Freire, passa necessariamente por esta família. Mas, nas páginas citadas, o que me encantou em especial é a foto saudosa de João e Micota com a filharada, que poderia ter por legenda: UMA FAMILIA SULMINEIRA TÍPICA E EXEMPLAR.

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MARTA NAIR MONTEIRO

João Amílcar Salgado

A Marta Nair, nascida em Candeias, é filha da Mariquinhas, prima de minha mãe. Casou-se com o sanitarista Agnaldo Massote Monteiro, que gostava de chamar-me de sobrinho, pois trabalhava lado a lado, na mesma sala, de meu tio Aprígio Salgado. Em 1992, vendo um noticiário da televisão Globo, antes só ancorado por homens, notei a novidade de uma locutora mulher e que era tão meiga quanto bonita, mas que parecia nervosa com a estréia. Em duas tropeçadas, vi que tremeu a bochecha e pensei: interessante essa moça, além de se parecer com minha irmã, treme a bochecha em sinal de nervosismo, como a Neusa fazia. Depois soube seu nome, Valéria Monteiro: era a neta da Marta Nair. A Valéria também se parece muito com minha sobrinha Ana Paula. Quando contei esse episódio para a avó, esta, comovida, passou a me relatar a vida artística da neta. E me presenteou com uma cópia preciosíssima de um manuscrito de nosso bisavô Manoel Alves (Carrijo) Vilela, que a avó dela, minha tia-avó Sinhana (Ana Alves Vilela) Barreto, conservara com carinho.

A Marta, miraculosamente sobrevivente a gravíssima doença cardíaca - tratada espiritualmente e por meu colega de turma Sérgio Almeida – mostra em seu livro autobiográfico, MEU MUNDO (1991), as razões por que integra a galeria das grandes mulheres de Minas. Nesta, ela tem lugar garantido ao lado de Joaquina do Pompeu, Dona Beja, Bárbara Heliodora (estas três também minhas parentas), Maria Tangará (parente dos Mendonças de Nepomuceno), a Diadorim histórica (que existiu de fato, como guerrilheira de diamante, entre o Serro e Diamantina), Tiburtina, Alzira Nogueira Reis, Elvira Kommel e Emely Vieira. Sua linda filha Sandra Maria casou-se com o gastroenterologista Ronaldo Correia, meu colega de vestibular.

Marta descreve seus pais com grande ternura. Dona Mariquinhas (Maria Umbertina Vilela Barreto), sua mãe, foi mulher extraordinária, a mãe de todos, ativa, corajosa e trabalhadora. Dela a filha herdou tudo isso, provando-o ainda menina, quando teve a audaz iniciativa de pedir a Janot Pacheco (engenheiro, diretor da Rede Mineira) que transferisse seu pai ferroviário para onde houvesse escola pública. Daí terem mudado para a Capital.

O nome Nair foi inspirado em Nair de Tefé. A condição desta, de mulher bonita e moderna, contagiou a denominada - bela por toda a vida. Seu livro veio-me com a seguinte dedicatória: Ao primo – com muita honra – com simpatia e agradecimento, pelo belo trabalho que você está fazendo pela família. E, para coroar a oferta do documento e do livro, me indicou outra prima adorável, a campobelense Anita Vilela. A ex-vereadora Marta Nair foi a primeira mulher a ser deputada em Minas e liderou greve das professoras estaduais, de repercussão nacional, quando desafiou a ditadura militar, em forte impulso à redemocratização do Brasil.

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RILMA, TONINHO, EVALDO, TONY E ROBERTO – QUINTETO PROEMINENTE DA MEMÓRIA VILELA

João Amílcar Salgado

Rilma Vilela Braga, Antônio Vilela Braga, Evaldo Rui (Vilela Teixeira) de Oliveira, Antonio Vilela Reis e Roberto (Vilela) Gonçalves são cinco primos entusiastas da memória Alves Vilela. A Rilma foi a primeira, há bastante tempo, a propor os encontros entre Vilelas, que só se concretizaram com o dinamismo dos demais - para o que suponho ter contribuído com meu livro O RISO DOURADO DA VILA (2003).

Falar da Rilma é falar de mulher bonita. Quando se toca em seu nome, ninguém quer referir os demais atributos humanos desta mulher excepcional, exceto o seu encanto físico, que prima por persistir ao longo do tempo. Quando a Rilma e sua mãe leram o meu livro de memórias, ficaram felizes em encontrar um parceiro no culto às lembranças familiares. Assinalaram que o velho João Vilela teve na Rilma a neta que lhe encheu de felicidade a alma calejada. Ele não se cansava de proclamar o encanto, feito de doçura e magnetismo, daquela menina, que não saia do colo do avô. Quem também não resistiu a isso tudo foi o Joaquim Martins da Costa – de profissão engenheiro, mas que, ao lado da esposa Rilma, é um raro varão autêntico, dos melhores que conheci: atencioso, sensível e capaz de tudo para ajudar a qualquer um.

Quando li o livro OS ANTEPASSADOS de Pedro Vidigal tive a alegria de saber que eu, além de primo da Rilma, era também parente do Joaquim. Vidigal prova no livro que os Martins da Costa são os mesmos Buenos paulistanos de minha avó Emerenciana. Vidigal havia prometido doar ao Centro de Memória da Medicina os livros autografados que o grande médico espanhol Gregório Marañon lhe ofertara. Pedi ao Joaquim que obtivesse dele o cumprimento da promessa. Ele marcou um almoço, que foi divertido e transbordante de causos, mas acabou-se desculpando, pela falta de coragem para desfazer-se dos livros.

Como historiadora a Rilma é original. Em vez de escrever algo da história dos Vilelas, ela faz muito mais: vive a lembrar de Vilelas com quem ainda não temos contato. Dois deles, agora de nossa convivência, são fundamentais para os registros da família: Evaldo Vilela, figura nacional da agronomia e da vida universitária, e Afrânio Vilela, estrela maior da magistratura. O filho Vinícius e o neto Henrique são dois exemplos de primos que, se não fosse a Rilma, mãe e avó zelosa, eu não os teria identificado como tais, quando foram meus alunos na Faculdade de Medicina..

Já o historiador Antônio Carlos Vilela Braga, sendo professor e historiador em São Carlos, SP, tem feito inestimável contribuição à memória desta progressista cidade paulista. Sendo mineiro, não seria justo que sua invejável capacidade não fosse aplicada também à memória quer de Nepomuceno quer de Varginha, seu duplo berço. Quando Nepomuceno reunir o acervo histórico municipal, com todos os requisitos técnicos, a experiência do Toninho Braga será imprescindível. Não tenho dúvida de que dessa participação teremos um livro que biografe João Alves Vilela, resultado do levantamento feito por seus numerosos descendentes coordenado pelo Evódio Ribeiro Vilela e pelo Antõnio Vilela Braga.

Evaldo Rui de Oliveira é outro, para nossa sorte, igualmente historiador e professor. Vivendo em Arcos, MG, ele também quer estender a Nepomuceno a magnífica contribuição que oferece a sua cidade adotiva, onde é aplaudido membro da administração municipal. Ele e eu estamos preparando um livro sobre as duas irmãs Licínia e Evangelina Vilela, com base em rica documentação, principalmente o depoimento em vídeo, no qual, com muito humor, ambas relembram a infância e a juventude. Há pouco participei de agradável sessão histórica em Arcos, organizada pelo Evaldo, quando a historiadora Denise Garcia de Campo Belo, o escritor Olavo Romano de Ferros e eu falamos da história do oeste mineiro. Pergunto: por que uma sessão análoga não está programada para Nepomuceno? Com a ajuda do vilela Evaldo Rui, seria facílimo!

Antônio (Tony Vilela) Lima Reis Júnior, reúne as qualidades da mãe Glorinha e do pai Antônio, no modo cavalheiresco com que nos recebe nas inesquecíveis festas da Bela Vista. Apoiado pelo tio Manoel Jacy Vilela e pelo contra-parente Fábio Araújo Reis - ambos ilustres médicos com notável interesse na historia regional - vem reunindo outros tantos amigos que tenham a mesma curiosidade, nas cidades de Nepomuceno, Varginha, Carmo da Cachoeira e outras da região. Isso tudo acaba compendiando as lembranças e registros de três troncos senhoriais do Sul de Minas: Reis, Alves Vilela e Ribeiro Lima.

O engenheiro Roberto Vilela Gonçalves veio a ser o valioso reforço a tão forte equipe de memorialistas. Ao lado da querida Elina Ribeiro Lima, além de organizar, com dedicação e desprendimento, nossos encontros, veio tornar palpável nossa esperança de que afinal cada livro prometido pelos estudiosos dos Vilelas saia do papel. A figura humana marcante e a imensa obra de benemerência de seu pai, nosso queridíssimo Levi Gonçalves – itaunense adotado por Nepomuceno – estarão sem dúvida nos textos ilustrados que não devem tardar.

DONA ANITA ALVES VILELA BELO PEREIRA ASSUNÇÃO

Anita Alves Belo Pereira

Dona Anita (Ana Alves Belo Pereira d´Assumpção) foi casada como o médico Sebastião D´Assunção formado na UFMG em 1933, colega de turma de Hilton Rocha. A jovem Anita estudava no colégio em Campo Belo quando houve uma epidemia de sarampo e ela teve complicações auriculares com mastoidite. Veio trepanar a mastóide no Hospital São Geraldo em Belo Horizonte e o jovem estudante de medicina Sebastião D´Assunção se apaixonou por ela, sendo ela de Campo Belo e ele de Carmo da Mata. Quando se casaram ele foi clinicar em Santana do Jacaré onde não havia médicos, havendo na época vários médicos em Campo Belo. Depois se mudaram para Campo Belo, fizeram amizade com a filha de Samuel Gammon, que os preparou na língua inglesa e foram para os EUA, quando o Evaldo tinha oito anos. Com os filhos na idade de colégio, vieram para Belo Horizonte onde o Dr Sebastião deu aula no Colégio Arnaldo.

Orozimbo Alves (Vilela) Parreira Pereira

Dona Anita, nascida em 1916, é Vilela por parte de seu pai Orozimbo Alves Pereira (1875-1957). Ele era filho de Benjamim Costa Pereira (1846-1910), que, por sua vez, era filho de Antônia Cândida Vilela (suponho que Antônia seja filha de Manoel Alves Vilela e, se assim for, era irmã de meu avô Joaquim Alves Vilela – isso deve ser conferido nas anotações manuscritas de Manoel). A família Pereira era de origem açoriana.

A mãe de Orozimbo era da família Parreira, entre as principais de Campo Belo, e se chamava Ana Alves Parreira (1855-1940). Ela era filha de Manoel Martins de Faria Parreira, conhecido como Parreira da Vargem, sendo a mãe dela Joana Francisca de Jesus. Manoel Martins Parreira era filho de Antônio Martins Parreira e de Ana Gertrudes de Faria. Antônio, por sua vez, era filho da célebre Catarina Parreira, que construiu a igreja de Campo Belo. Será necessário estudo documental para esclarecer possível relação entre Catarina Parreira e Antônio Vilela Frazão, que explique o deslocamento de ambos de Congonhas para a mesma região e na mesma época.

A mãe da dona Anita era da família (Arantes) Alves Belo, a que também pertencia a família da mãe do Duque de Caxias, e seu nome era Carolina Alves Belo (1880-1936). Era filha de Venceslau Alves Belo, que, por sua vez, era filho de Alexandre Alves Batista Belo. Alexandre era irmão de Maria Cândida de Oliveira Alves Belo, mãe do Duque, sendo o pai deste o marechal Francisco de Lima e Silva. A esposa de Venceslau era Maria Madalena e a de Alexandre era Maria Rosa de Jesus.

A avó materna de dona Anita era Dicimília Justina Rodrigues Nunes, filha de Florêncio Rodrigues Nunes e Carolina do Amor Divino Justino Silva. Os pais de Carolina do Amor Divino eram Manoel Justino da Silva e Mariana Justino do Amor Divino.

Fazenda da Várzea onde nasceu Anita

Dona Anita teve oito irmãos do primeiro casamento de Orozimbo com Carolina: Sebastião, José Orozimbo, Decimília, Benjamim, Luiz, Orozimba, Joaquim e Pedro Jesus. Teve cinco meio-irmãos do segundo casamento de Orozimbo com Maria: Ida Pereira dos Santos (casada com médico), Orozimbo Filho, Tomé Ramos, Cleuza e Maria das Graças (casada com o advogado Elder Tocafundo [Elder morava na av.Crist.Machado 1400/1003, Cid Nova, tel.34633256].

Dona Anita e o médico Sebastião tiveram dois filhos: o médico Evaldo (de grande projeção como cirurgião plástico, laicista católico e pioneiro em tanatologia) e a normalista e musicista Eliana, que se casou com o médico René Guimarães.

JOÃO AMÍLCAR (VILELA) SALGADO

Sebastião N. S. Fusmão

Os amigos e admiradores do médico e historiador João Amílcar Salgado, professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais e criador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, não escondem o contentamento por afinal poderem percorrer as 600 páginas do livro autobiográfico que ele acaba de publicar, em comemoração ao centenário de nascimento de seu pai, o farmacêutico e poeta João Salgado Filho.

Sendo amigo e estudioso de Pedro Nava, João Amílcar Salgado não quis seguir a linha proustiana do grande memorialista. Muito menos ambicioso, optou pela memória humorística do período entre 1940 e 1960, entremeada de flashes de antes e de depois. Trata-se dos chamados anos dourados, intensamente vividos do ponto de vista pitoresco de sua cidade: Nepomuceno, a antiga Vila de S. João Nepomuceno de Lavras.

Além de sua querida Vila, ele focaliza o colégio marista de Varginha, bem como a ainda pequena capital Belo Horizonte, nos nostálgicos anos dos governos estadual e federal de Juscelino Kubitschek. Sendo também especialista em ensino médico, faz bem humorada análise da educação que viveu. Teve, aliás, privilegiada maneira de observar, sem recalques, a escola do primeiro ao terceiro grau, aluno continuamente louvado e premiado que foi. Não bastasse isso, foi o primeiro estudante a passar em primeiro lugar em ambos os vestibulares das duas faculdades belorizontinas, sendo sua turma excepcionalmente pequena, já que foram aprovados apenas 44 candidatos!. Tal drástica elitização foi imposta pela Fundação Rockefeller, que estava americanizando o ensino em São Paulo e em Minas (antes prevalecia o modelo francês), onde graduou várias turmas apelidadas de Rockefeller generation (1955-65) Diante disso, o autor encerra o livro com trechos de seu crítico e profético discurso de orador muito jovem daquela turma de escassos 44 doutorandos, em dezembro de 1960.

Até então os alunos distintos primavam por incensar o establishment do ensino e da profissão. Daí que sua irreverentíssima oração, saudando o paraninfo Javert Barros, foi ouvida, com perplexidade, entre outros, pelos saudosos e inesquecíveis mestres Baeta, Feldman, Bogliolo, Rivadávia, Mendes Campos, Melo Campos, Negrão de Lima, Resende Alves, Rubens Monteiro, Hilton Rocha, O. Magalhães, O. Costa, A. Lodi, Hermínio Pinto, Amílcar Martins e Aparício Assis – dos quais agora focaliza o mérito e o folclore. Com isso, consegue também preservar parte preciosa de nosso anedotário escolar, principalmente das repúblicas de estudantes.

Como cientista, obteve repercussão internacional já logo após a formatura, ao fazer a surpreendente revelação de que estava ainda viva a paciente Berenice, na qual Carlos Chagas descobrira, décadas antes, a doença de seu nome. Além de pesquisador em medicina tropical, aposentou-se como respeitada autoridade em pedagogia e semiologia médicas. Alguns de nossos melhores clínicos foram seus alunos e/ou residentes nos anos 60-85. Se tivesse acontecido o governo federal de Tancredo Neves, teria sido marcado, nas áreas da saúde e da educação, pela lucidez do pensamento original desse raro homem de enciclopédica cultura. E é admirável que sua tão bem sucedida carreira estudantil, científica e docente tenha sido percorrida, sem que, para isso, tenha transigido com seus corajosos e influentes posicionamentos no campo político-social, expressos em sua tese de doutorado e em tantos célebres panfletos e debates.

Fanático nepomucenense e fanático sulmineiro, João Amílcar Salgado formula neste livro a teoria de que sua Vila é o umbigo do mundo, enquanto descobre que vários personagens de sua infância e juventude são incríveis sábios disfarçados de caipiras. Assim usa, desta vez por escrito, os recursos que o fizeram requisitado conferencista e aplaudido orador. Demais tem prontos para publicar livros do pai e do avô, bem como a história inicial de sua cidade, graças ao acervo que deixou de utilizar no presente texto. Igualmente finaliza um manual de pedagogia médica e outro de história da medicina, além do estudo completo sobre o caso Berenice.

O autor é professor de Neuro-Cirurgia na Universidade Federal de Minas Gerais e ex-coordenador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais

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MENSAGEM DE AFRÂNIO VILELA AO ENCONTRO DOS VILELA DE 11-10-2009

Belo Horizonte, 12 de outubro de 2009

Prezados familiares, que a todos chamaremos de primas e primos,

É com imensa alegria que nos dirigimos a todos vocês para externar nossos agradecimentos pelo convite para integrar a festividade anual dos “Vilela”.

A amizade e o circulo familiar são elos que ajudam na fortificação da humanidade, e merecem ser cultivados, diuturnamente. E é esse cultivar que almejamos, e almejaremos doravante.

De lado outro, é com pesar que, neste ano, não poderemos comparecer, em função de viagem já organizada anteriormente, cujo retorno está marcado para o dia 12/10.

Para que possam nos situar dentro da família, podemos adiantar que somos do ramo dos “Vilela” de Cristais, então distrito de Candeias. Meu pai era José Vilella, filho de José Alves Vilella e de d. Alzira Lamounier Afonso Vilella, vinda dos Afonso Lamounier de Itapeceria e região. Meus bisavós paternos eram Saturnino Alves Vilela e d. Francisca Maria de Jesus, casados em 1904. Ela, filha do Cel. João Afonso Lamounier do Nascimento, ex-prefeito de Candeias, e de d. Guilhermina Constância da Silveira, cujo Tio, deputado Antonio Afonso Lamounier Godofredo, ajudou a escrever a primeira Constituição Republicana, de 1891.

Meu avô, José Alves Vilela, condecorado pelo Governo do Estado de Minas Gerais com a patente de Major, residia na Fazenda dos Coqueiros, e também era proprietário das “Borges” e “Retirinho”, em Cristais/Campo Belo, até por volta de 1933, quando tiveram todas penhoradas para pagamento de condenações civis de reparação de danos pela acusação do cometimento de um crime em família, do qual foram posteriormente inocentados.

Além de meu pai, José Vilela, tiveram filhos, os mais conhecidos Aparício Vilela (Ddezinho), Francisco (Baiano), Gumercino (Nenzinho), Olga, Zita, Francisca.

Diante da perda patrimonial meu pai, José Vilella, no final da década de 30, associou-se a José Cambraia, seu primo de Campo Belo, então próspero empresário do ramo de charqueadas, que havia adquirido a Charqueada Velha, então de propriedade de Manoel Terra Cruz, em Ibiá, município que naquela época reconhecidamente era sertão. Construíram aquela que seria a nova charqueada, cujo prédio ainda hoje é marca da cidade de Ibiá, e que proporcionava emprego direto para mais de 100 pessoas, sendo, por certo, a primeira grande empresa privada a se instalar naquela cidade.

Meu Pai casou-se com Erotildes Antônia de São José, de Ibiá, tendo nascidos: Leila Vilela, professora aposentada e fazendeira, em Ibiá, casada com Vander, bacharel em direito, e três filhos advogados naquela cidade, Ricardo, Rogéria e Rejane Silva Vilela; Alzira Lamounier Vilela, precocemente falecida aos 33 anos de idade; Maria Aparecida Vilela, precocemente falecida, que deixou quatro filhos: os advogados Renata e João Paulo Vilela, e a Assistente Social Rose Vilela, hoje empresária nesta Capital, e Michele, estudante.

Sou o mais novo dos filhos de José Vilela, nascido em Ibiá. Fiz o curso de direito na Universidade Federal de Uberlândia, e em função de ser o primeiro aluno desta Universidade a chegar ao Segundo Grau do Judiciário MIneiro, recentemente me foi outorgada a cidadania honorária daquela próspera Terra. Formado, advoguei até 1988, a partir de então tornei-me magistrado de carreira, tendo passado pelas Comarcas de Resende Costa, Bom Sucesso, São João Del Rei, Conselheiro Lafaytte, Contagem, Belo Horizonte. Fui promovido ao cargo de Juiz do Tribunal de Alçada em 2004, e a Desembargador do Tribunal de Justiça deste Estado, em 2005, e atualmente integro a 2ª Câmara Cível e tenho a função de Superintendente de Administração Financeira e de Execução Orçamentária do Poder Judiciário. Minha esposa, Gisela Pereira Resende Vilela, é bacharel em direito e funcionária do Tribunal de Justiça e Chefia a Assessoria Jurídica da Corregedoria Geral de Justiça. Tenho dois Filhos: Mateus e Henrique Resende Vilela, estudantes no Colégio Marista Dom Silvério.

Meu pai, José Vilella foi exemplar cidadão, cumpridor de seus deveres. A simplicidade sempre mostrada por José Vilella, as peripécias passadas com os problemas no decorrer de sua vida, mas ao mesmo tempo a temperança de caráter, a firmeza da conduta moral e a idoneidade, mostravam a rígida formação familiar recebida de seus pais. Legou-nos a firme convicção de pertencer a uma importante família, que é a Vilela.

Agradecemos à Rosane Vilela, colega de trabalho no Tribunal de Justiça, responsável pela nossa aproximação, pois através dela conhecemos o grande amigo e primo, dr. João Amilcar Salgado, também Vilela no “sangue”, e o dr. Roberto Vilela, este encarregado de justificar nossa ausência nesta oportunidade e de assumir em nosso nome compromisso de presença no próximo evento.

A todos os prezados primas e primos nossos efusivos votos de boa festa.

Afrânio Vilela, Gisela, Mateus e Henrique.

LUIZ VILELA, JOÃO BATISTA VILELA E JOSÉ GUILHERME VILELA

João Amílcar Salgado

Tive o privilégio de ser colega de três ilustres Vilelas mineiros. Dois deles são de Ituiutaba e de imediato os achei com o jeitão Vilela: Luiz e João Batista. O Luiz foi meu colega na Faculdade de Filosofia da UFMG, onde cursava um ano à frente, e mais tarde ficou famoso como ficcionista. João Batista foi meu colega em comissão docente na mesma universidade e se tornou celebridade como scholar na pós-graduação de nossa Faculdade de Direito. Só após o livro da Denise Garcia sobre os Garcias Frades, vim a saber serem ambos meus parentes, sendo os dois, ao mesmo tempo, Alves Vilela e Vilela Garcia. Antes de conhecê-los, fui colega no Colégio Estadual de José Guilherme Vilela, que posteriormente veio a ser brilhante jurista em Brasília, onde faleceu tragicamente. No Colégio, ele era do chamado curso clássico e eu do curso científico. Eu pretendia ser orador da turma, caso a Beatriz Alvarenga fosse nossa paraninfa. Como o paraninfo foi o governador Juscelino Kubitschek, imposto sob nosso protesto, o orador foi o José Guilherme, garantia de não hostilidade ao político, que iniciava sua campanha à presidência. Assim o orador, de qualquer forma, foi um de dois Vilelas.

JADIR VILELA DE SOUZA

Faz parte da galeria dos escritores de Divinópolis, com vários livros publicados. É autor do livro DIALETO CAIPIRA e é membro da Academia Brasileira de Poesia Casa de Raul de Leoni.

GLENE VILELA LEMOS

João Amílcar Salgado

Tive o privilégio de ter como colega de turma o Carlos Eduardo Ferreira, neto do fundador da Faculdade de Medicina pela qual nos graduamos. Depois de labutar na medicina e na docência, meu descanso é historiar a medicina e o sul de Minas. É, pois, natural que um de minhas investigações históricas recaia sobre o avô do Carlos, Cícero Ferreira. O fato de Cícero ter nascido em Bom-Sucesso, cidade vizinha a Nepomuceno, minha cidade natal, e ter sobrenomes Ribeiro, Monteiro e Ferreira – me abriu a pesquisa de seu parentesco com nepomucenenses respectivos. O mais surpreendente, entretanto, foi descobrir que Cícero se casou com sua prima oliveirense Laura Ribeiro Chagas, que por sua vez é prima do também oliveirense Carlos Ribeiro Chagas, descobridor da doença de Chagas. Isso quer dizer que meu colega Carlos Eduardo é não só neto do fundador da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como é consanguíneo do cientista que realizou a maior façanha da ciência brasileira.

Já a Glene sua esposa é conviva de todos nós que ingressamos em 1955 no curso médico. Ela era estudante de odontologia e começou a namorar o Carlos desde então. Eu a via e a admirava nas fartas festas de aniversário de seu namorado mas só mais tarde vim a saber que, além de sulmineira, como Cícero, é também Vilela – um dos sobrenomes tradicionais de Nepomuceno. Por outro lado é adicionalmente Lemos, sobrenome ilustre não só no sul de Minas, mas em todo o Estado e no Brasil. De fato, para a sua cidade natal de Passos, deslocaram-se os Lemos, oriundos de São Gonçalo de Sapucaí, e também os Vilela, oriundos da região de Nepomuceno. Na verdade, os Lemos descendem do luso José Antônio de Lemos, Barão do Rio Verde, célebre pioneiro na indústria brasileira de chapéu, e bem antes se cruzaram com os Vilela. Isso quer dizer que, por exemplo, a primeira dama Sara Lemos, esposa passense do diamantinense Kubitscheck, é também Vilela, assim como o oftalmologista Nassim (Lemos) da Silveira Calixto, a maior autoridade em glaucoma no Brasil, e o neurologista Sérgio Lemos, meu ex-aluno e, como o último, professor na UFMG.

Os Vilela desde sempre exibem traços característicos, sobretudo em dotes intelectuais, na postura corporal e no modo de falar. O perfil que fiz de Carlos Eduardo, por ocasião do cinqüentenário da turma, inclui o seguinte trecho. “Numa festa em Lagoa Santa, sua família observou que minha neta, Ana Luiza, era muito parecida com a neta, Marcella, do Carlos Eduardo. Isso era dito a cada momento. Eu estava conversando com ele, quando ele me diz: minha neta está ali, traga sua neta para perto dela, quero ver se são mesmo parecidas. Respondi de pronto: não é necessário, aquela ali é a minha...” Uma complementação desse episódio ocorreu depois do nascimento de outra de minhas netas, Brenda, que, a cada dia, se parece muito não com outra neta do Carlos, mas com a própria Glene.

A Glene Vilela Lemos Ferreira é irmã de meu mais recente amigo José do Patrocínio Vilela Lemos, com quem troquei e trocarei causos sem fim, e também de destacada figura na área hospitalar mineira, a irmã Zaira Vilela Lemos, da congregação Pequenas Missionárias de Maria Imaculada. Ambos acabam de se unir a mim na vasta tarefa de mapear os Vilela, dentro e fora de Minas Gerais.