quinta-feira, 24 de março de 2011

NO CENTENÁRIO DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFMG (1911-2011)

Curso de História da Medicina

1º semestre de 2011

Oferecido a cada semestre desde 1978. Gratuito e aberto a alunos, docentes, funcionários e qualquer interessado. Às sextas-feiras, de 11:30 às 12:30h, sala 2034 da Faculdade de Medicina da UFMG. Válido como disciplina optativa.

Este curso comemora os centenários da querida Faculdade de Medicina da UFMG e do professor Hilton Rocha, o maior oftalmologista brasileiro de seu tempo. A Faculdade foi idealizada por Aurélio Pires e institucionalizada por Cícero Ferreira, em 1911 – nasceu 200 anos após a fundação de Ouro Preto, 176 anos após o livro médico mineiro Erário Mineral do cirurgião luso Luiz Ferreira, 119 anos após o martírio do médico prático Tiradentes, 110 anos após o 1º curso médico no Brasil em Vila Rica, 69 anos após a descoberta em Minas do tigre dente de sabre o do 1º fóssil humano das Américas pelo médico dinamarquês Lund, 17 anos após o nascimento do ex-aluno Baeta Viana, 16 anos após a descoberta do raio-x por Roentgen, 15 anos após o nascimento do médico mineiro Agripa Vasconcelos, 14 anos após a inauguração de Belo Horizonte, 10 anos após a descoberta da especificidade do soro antiofídico pelo médico mineiro Vital Brasil, 9 anos após o nascimento do ex-aluno Juscelino Kubitschek, 8 anos após o nascimento dos ex-alunos Pedro Nava e Osvaldo G. Costa, 7 anos após o nascimento do ex-aluno Pedro Salles, 6 anos após a fórmula da relatividade de Einstein, 5 anos após os nascimentos do ex-aluno Paulo Pinheiro Chagas e do docente Clóvis Salgado, a fundação da filial mineira de Manguinhos pelo fluminense Ezequiel Dias e a invenção do avião pelo mineiro Santos Dumont , 4 anos após o nascimento do ex-aluno Amílcar Martins, 3 anos após o nascimento do ex-aluno Guimarães Rosa, 2 anos após a descoberta da doença de Chagas pelo mineiro Carlos Chagas, um ano após a divulgação mundial do minério de ferro mineiro e do Relatório Flexner nos EUA, um ano antes do naufrágio do transatlântico Titanic e da descoberta da deriva dos continentes por Wegener, 3 anos antes da formatura do médico mineiro Antônio da Silva Melo em Berlim e do início da 1ª guerra mundial, 6 anos antes da fundação da Cia Siderúrgica Mineira (depois Belgo Mineira), 7 anos antes da pandemia gripal de 1918, 10 anos antes da sonegação do Nobel a Chagas, 11 anos antes da fundação do Instituto do Radium e 15 anos antes da visita a ela de Marie e Irene Curie.

PROGRAMA

18-3: FUI ALUNO E DOCENTE NESTA FACULDADE – Ângelo Barbosa Monteiro Machado

25-3: MEU MEMORÁVEL CURSO DE MEDICINA – José Menotti Gaetani

28-3: COMEMORAÇÃO DO CENTENÁRIO NO MINAS CENTRO – 20H

01-4: VIDA ESTUDANTIL NOS ANOS DOURADOS – Ely Bonini Garcia

08-4: CIÊNCIA, HUMOR E TEATRO NESTA FACULDADE – José Geraldo Dângelo

15-4: ÉRAMOS FELIZES E SABÍAMOS – Wilson Luiz Abrantes

29-4: DEPOIMENTO SAUDOSO DE EMINENTE EX-ALUNO – Geraldo Caldeira

06-5: DEPOIMENTO OPORTUNO DE ILUSTRE EX-ALUNO – Manoel Firmato de Almeida

13-5: OS ESTUDANTES NA TRINCHEIRA DA LIBERDADE – Ajax Pinto Ferreira

20-5: A PEDIATRIA NO CENTENÁRIO DA FACULDADE – Ennio Leão

27-5: VIDA E OBRA DE IRINEU LISBOA – Antônio Márcio Junqueira Lisboa

03-6: MINHA FACULDADE ENTRE MADRIGAIS E SERESTAS – Ildeu Oliveira Santos

10-6: MINHA FACULDADE – Márcio Vasconcelos Pinheiro

17-6: PEDRO SALLES E SEUS COLEGAS DE 1927 – Adélia Salles

01-7: O PROEMINENTE EX-ALUNO HÉLIO PELLEGRINO – Eunice Rangel

08-7: A MEMÓRIA DA FACULDADE EM SEU CENTENÁRIOJoão Amílcar Salgado

domingo, 20 de março de 2011


A VISITA DE MARIA E IRENE CURIE A BELO HORIZONTE EM 1926

João Amílcar Salgado

Em 1926, a polonesa Manya Sklodowska Curie (Madame Curie) havia recebido dois prêmios Nobel. O primeiro de física, em 1903, com o marido Pierre e com Henri Becquerel, pela descoberta da radiatividade, e o segundo, de química, em 1911, pela descoberta do metal radiativo radium. Neste ano, fazia 20 anos que enviuvara pelo atropelamento de Pierre e sua filha francesa Irene ainda não havia recebido seu prêmio Nobel de química, junto com o marido Frederico Joliot, com quem se casaria neste mesmo ano de 1926. Recebeu-o oito anos depois, pela descoberta do primeiro isótopo artificial. Ambas chegaram de trem a Belo Horizonte em agosto desse ano e vieram acompanhadas da paulista Carlota Pereira de Queiroz, uma das pioneiras feministas no Brasil, eleita em 1933 a primeira mulher deputada federal brasileira. Tiveram o privilégio de ouvi-las, na Faculdade, os quintanistas de medicina Pedro Nava, Pedro Sales e Juscelino Kubistchek, o terceiranista Amílcar Martins, o segundanista João Guimarães Rosa e o primeiranista Osvaldo G. Costa – todos futuros famosos ex-alunos.

A razão da presença das cientistas era o Instituto do Radium. Belo Horizonte fora escolhida para sediá-lo no Brasil, como primeiro das Américas e parte da rede internacional de institutos dedicados ao uso e ao estudo do radium em medicina. A escolha se explica pelo relacionamento de seu realizador Borges da Costa (um dos fundadores da primeira escola médica mineira, acima referida, hoje da UFMG, e um dos pioneiros da moderna cirurgia em Minas) com os centros médicos da Europa, especialmente na França. Sua inauguração foi prevista para o centenário da Independência (com 25 centigramas de radium), mas coincidiu também com a chegada da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. A Bélgica era o único fornecedor do radium, graças às minas de urânio de Katanga no então Congo Belga. Curiosamente, Artur Bernardes, que, com Barbosa Lima Sobrinho, forma a dupla de maiores nacionalistas brasileiros, apoiou a construção e esteve presente na inauguração do Instituto. A maquete deste, mostrando notável arquitetura, foi levada a Estrasburgo no centenário de Pasteur. Desta cidade viria, depois das Curies, o grande cirurgião René Leriche, para cirurgias demonstrativas no Instituto.

Integravam a equipe do Instituto que recebeu as cientistas: Baeta Viana, em vias de criar a maior escola de bioquímica da América Latina; Mário Pena, o primeiro curieterapêuta do país; e Carlos Pinheiro Chagas (primo do descobridor Carlos Ribeiro Chagas), patologista que brilhara como aluno de McCallum na Universidade de Colúmbia, EUA, mas que se fez célebre como orador no sepultamento de João Pessoa, no início da Revolução de 30.

Enquanto o Instituto do Radium (hoje Borges da Costa), a visita das Curies e Costa representavam forte ligação de Minas com a França, Luxemburgo e a Bélgica, em nome da nova tecnologia - um mineiro de Juiz de Fora, Antônio da Silva Melo, seria o nexo entre Minas e o Instituto do Radium de Berlim, onde participou dos estudos - no contexto da competição franco-germânica – que delimitaram os riscos da nova terapia.

sábado, 19 de março de 2011


JK E A CONTRABUCHA PASSAQUATRENSE

João Amílcar Salgado

BUCHA foi termo corrente entre os estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo no final do século 19. É a corruptela de BURSCHENSCHAFT, designação de irmandade estudantil criada na Universidade de Iena, em 1815, em prol da unificação alemã. A burschenschaft brasileira lutava pela república e vários de seus integrantes eram parentes entre si, por troncos bandeirantes comuns a São Paulo e Minas Gerais. A Faculdade de Medicina de São Paulo, inaugurada em 1913, teve sua bucha tardia, e a organização comparável na Faculdade de Belo Horizonte, hoje da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), anterior à paulista (1911), pode ser identificada no grupo da revista RADIUM, mas cuja pretensão parecia apenas literária e científica.

A bucha evoluiu, após a graduação dos estudantes de direito, para uma espécie de clube de políticos ansiosos por dirigir o país, tanto que vários de seus seguidores já estavam no poder mesmo antes da queda da monarquia. Em posições estratégicas, foram decisivos para a proclamação do novo regime. A articulação bem sucedida se prolongou até a revolução de 1930, por meio da política do café-com-leite, acordo de alternância entre bucheiros de São Paulo e de Minas na presidência.

Nesta perspectiva, a revolução de 30 foi uma frente anti-bucha. Só a partir de 32, já em contexto getulista, surgiria uma articulação correspondente àquela derrotada, para a qual propus a designação de contra-bucha (in ORIGEM E EVOLUÇÃO PEDAGÓGICA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFMG, FMUFMG:.Belo Horizonte, 2001). A evidência desta é fácil de verificar, se se analisa a biografia dos líderes reunidos na cidade de Passa Quatro para enfrentar os paulistas. Dois se tornaram presidentes: Eurico Dutra e Juscelino Kubistschek (JK). Quatro governaram estados: Ernesto Dorneles, o Rio Grande do Sul, Benedito Valadares, Minas Gerais, Zacarias Assunção, o Pará, e o próprio JK, também Minas Gerais. Dois se tornaram reitores: Pedro Penido e Otaviano de Almeida, este duas vezes.

Dois ex-alunos e um professor da Faculdade de Medicina da atual UFMG compõem esta relação: JK, médico da turma de 1927, Valadares, formado no fugaz curso de odontologia da mesma faculdade, em 1915, e Almeida, farmacêutico, médico, docente, organizador dos serviços médicos de campanha, apaziguador da vida acadêmica e mestre de JK.

Os estudantes de medicina apoiaram o movimento de 30, a ponto de um deles ser morto (José Ferreira Viana) e outro sofrer seqüela definitiva (Paulo de Castro Miranda), no incidente que envolveu o reitor Mendes Pimentel. Mas, em 32, já estavam do lado paulista, entrincheirados em frente à faculdade. Almeida, como médico da polícia, foi o herói que impediu o pior - partindo a seguir para Passa Quatro. Ao voltar, veio a ser reitor, para restabelecer a normalidade na universidade. A faculdade de medicina permaneceu foco anti-getulista e a pregação do professor Baeta Viana, ídolo dos estudantes, foi importante fator na queda da ditadura. A própria presença dele como reitor da fugaz Universidade do Distrito Federal antes pesara no desfecho do golpe de 1937.

Os ex-estudantes da época e os estudantes e médicos posteriores se mantiveram majoritariamente anti-getulistas, anti-valadaristas e anti-juscelinistas, a ponto de virtualmente terem expulso JK da Associação Médica. Apenas no final de seu governo é que houve reconciliação parcial, quando o presidente foi recebido festivamente para a aula magna do ano letivo de 1960. A avaliação isenta de JK como médico e governante só foi feita, entre historiadores médicos, após a criação do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, na mesma UFMG, em 1978, culminando com a recente publicação do livro de Fernando Araújo, JUSCELINO KUBISTSCHEK, O MÉDICO (2000).

Os historiadores em geral, interessados no fenômeno da contra-bucha passaquatrense, nas razões mineiras da oposição à ditadura Vargas e na história das universidades brasileiras, terão no livro de Araújo referência preciosa.

TEMA LIVRE APRESENTADO AO 6O CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA MEDICINA. BARBACENA, MG, 14-16/06/2001