sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

DESABAM PRÉDIOS E TAMBÉM A SAÚDE, A EDUCAÇÃO, A SEGURANÇA E ATÉ O JUDICIÁRIO

João Amílcar Salgado

O desmoronamento de prédios em Minas, Rio e S.Paulo simboliza tragicamente o próprio desmoronamento não só da engenharia brasileira como também da saúde, da educação, da segurança e até de nosso judiciário. Desde minha tese de doutorado, de 1981, a qual analisa dados coligidos desde 10 anos antes, venho estudando a relação entre o consumismo e a saúde, e aí se inclui a relação entre o neoliberalismo e a desregulamentação das profissões liberais. Em viagens de estudo procurei fazer também a comparação entre países.

Os dados do Centro de Memória da Medicina sobre Juscelino Kubitschek (JK) me forneceram subsídios surpreendentes sobre esse assunto. O médico Juscelino, quando governador de Minas, tendo o médico Clóvis Salgado como seu vice, foi alvo da fúria da Associação Médica e dela virtualmente expulso. Esse fato pode ter tido consequência três anos depois, quando JK e Clóvis legislaram sobre as profissões liberais.

A verdade é que o abastardamento das profissões liberais diante do consumismo emergente da 2ª guerra mundial se iniciou com a substituição dos privilégios corporativos pelos conselhos federal e estaduais de cada profissão. Essa guinada foi esboçada de 1945 a 1951. Ora no Brasil não havia associações corporativas abrangentemente estabelecidas e isso significava que o governo pretendia mudar algo que ainda não existia com clareza para o conjunto das profissões liberais e os tais conselhos só vieram a ser efetivados no governo JK, em 1957, logo depois de se completar a efetivação da Associação Médica Brasileira.

Perguntei ao Clóvis se JK e ele não tinham usado o poder presidencial para revidar a agressão que sofreram da Associação Médica mineira. Como era típico do educadíssimo Clóvis, ele perguntou por que aquilo seria um revide. Eu disse que era revide porque a criação dos conselhos fraturava as corporações liberais, fragmentando-as em três pedaços litigantes entre si: 1) o conselho, 2) o sindicato e 3) o remanescente da corporação. A essa fratura dei o nome de a trifurcação corporativa de 1957. Clóvis meditou por um instante e respondeu: só se foi um revide subconsciente.

Tanto JK como Clóvis foram protagonistas de fatos ligados à Revolução de 30 e aos ideais desta que significavam adequar o Brasil ao LIBERALISMO antecedente à 2ª guerra mundial. Já as consequências econômicas do final da 2ª guerra condenaram o mundo liberal a se adequar ao consumismo que, por sua vez, veio desaguar no NEOLIBERALISMO e na globalização. A idéia neoliberal foi levada às últimas conseqüências com os governos Reagan nos EUA e Thatcher na Grã-Bretanha. O colapso da União Soviética estimulou a exacerbação thatcher-reganiana do neoliberalismo, da qual Bush, a debacle imobiliária ianque e o craque do euro são a expressão mais patética. Com isso o mundo pôde conhecer a face abominável de tal concepção de vida, que em essência se concentra no desprezo arrogante pelos escrúpulos em geral. Nesse declive, todos os meios sofisticados de comunicação são mobilizados para a orquestração do menosprezo à ética e da ridiculização dos valores mais caros à humanidade - tudo se justificando pelo interesse econômico do consumo e pelo sucesso das empresas e das pessoas a qualquer preço.

O equivalente íbero-americano da dupla Reagan-Thatcher (79-90) foi o trio Menem-Fugimori-FHC (89-02). Esses fantoches neoliberais da América do Sul foram apresentados como protótipos da modernidade de fachada, que no Brasil recebia pedante respaldo monetarista, pago generosamente a dólares, elaborado nos gabinetes refrigerados do tripé FMI-BANCO MUNDIAL-FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Por sinal, o trio Menem-Fugimori-FHC foi sucedido pelo sexteto neo-populista Chaves-Lula-Evo-Correa-Lugo-Pepe, por sua vez, curiosamente, em vias de ser sucedido pelo trio feminino neo-thatcherista de esquerda Bachelet-Kirchner-Rousseff (as três com ascendentes europeus próximos).

Para a questão aqui em pauta, o fato é que os conselhos federais e regionais das profissões liberais foram criados para não ter qualquer eficácia, tanto menos quanto mais se radicaliza o neoliberalismo e a globalização. Seus integrantes mais sinceros se esfalfam em enxugar gelo, sem se darem conta de que a coisa é apenas aparentar que estão atentos ao invencível número de escândalos e absurdos, que se avoluma em gigantesca bola de neve. O financiamento dos conselhos não é problema: há dinheiro de sobra, desde que permaneçam onde e como estão - e prossigam na folgada tarefa de maquiar fiscalizações e punições ineficazes. Tudo isso culmina agora com uma inacreditável “legalização da impunidade”: tão ao estilo neo-liberal, decidiu-se que pouquíssimos criminosos ficarão presos se tiverem dinheiro para a fiança.

Afinal, os conselhos desmoralizados se tornam parasitas daquilo que fingem combater: a criação de faculdades picaretas, cujos numerosos egressos incompetentes vão, de um lado, agigantar ainda mais a ineficácia de tais órgãos e, de outro lado, pelo número cada vez maior dos contribuintes recém-formados, o excedente de arrecadação, por razões óbvias, vem inibindo vergonhosamente qualquer veemência dos conselhos em agir contra os gângsteres do ensino superior.

O caos na saúde, o desabamento de prédios, os escândalos congênitos do Enem, bem como a corrupção no judiciário e na polícia, estão fundamentalmente ligados ao significado sócio-histórico das diretrizes de JK e Clóvis no já longínquo ano de 1957.

[AGUARDEM A SEGUIR A COMPARAÇÃO ENTRE A AMB E A OAB]