CINQUENTENÁRIO DA COMERCIALIZAÇÃO DA PÍLULA ANTICONCEPCIONAL – TRIBUTO A ALOÍSIO RESENDE NEVES
João Amílcar Salgado
O mineiro Aloísio Resende Neves diplomou-se na Faculdade de Medicina da atual Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1935 e, em 1941, fez a primeira comprovação em indivíduo humano do efeito contraceptivo dos hormônios sexuais. Estes hormônios eram até então tidos como conceptivos pelos ginecologistas, endocrionologistas e urologistas. Este fato, que é um marco na história geral da medicina, se ocorresse em qualquer outro país, seria utilizado para promoção nacional e proclamado permanentemente. Aqui, sobretudo na religiosa e ultraconservadora Minas Gerais da década de 40 do século 20, o tema de sua conquista científica foi considerado antes de tudo indecente, não havendo condições sequer para que sua publicação fosse adequadamente apreciada pelos próprios cientistas mineiros. Mesmo assim é no mínimo estranho o silêncio de Baeta Viana sobre o assunto. Mais tarde, quando de tal conhecimento resultou a revolucionária introdução da pílula anticoncepcional na vida moderna, então as razões para ignorar a primazia de Aloísio Resende Neves foram reforçadas pelo interesse econômico dos que participaram do arranjo sobre as respectivas e bilionárias patentes comerciais.
A primeira evidência de que os hormônios sexuais eram contraceptivos, em vez de conceptivos, foi obtida em animais, em 1921, por Gottlieb Haberlandt, um botânico austro-húngaro (também desenhista e músico), que antes ficara famoso por ter descoberto a cultura (clonagem) de células (no caso vegetais) e investigava hormônios vegetais. Esta evidência ficou limitada ao âmbito da biologia e foi ignorada por pesquisadores médicos e mais ainda pelos clínicos em seus consultórios, nomeadamente os citados ginecologistas, endocrinologistas e urologistas. No histórico da pílula anticoncepcional, a maioria dos autores costuma iniciar pela data de 1960, com o nome de Gregory Pinkus, o que é um erro elementar, ainda mais por dar-lhe o título de pai da pílula. Pinkus foi apenas o experimentador em massa (e em condições anti-éticas) da progestina, descoberta quase dez anos antes.
Os registros mais isentos da literatura realmente científica dão como marco inicial a data de 15 de outubro de 1951, quando o jovem mexicano Luís Ernesto Miramontes Cardenas, estagiário de química no laboratório de Carl Djerassi (vienense filho de judeu búlgaro), fez revolucionária descoberta. Pela primeira vez, a partir de um vegetal, a batata doce nativa do México, criou um análogo sintético da progesterona animal. Quimicamente, inaugurou a família dos progestágenos de síntese ou progestinas. O novo produto, um anovulatório, passou a ser chamado de noretindrona ou norestirona e foi patenteado por Miramontes, Djerassi e Jorge Rosenkranz para a companhia química mexicana Syntex. Djerassi, depois, se tornaria famoso também como escritor e autor teatral e, em suas peças, aborda disputas por precedência científica, certamente com base em seu próprio envolvimento nesta descoberta.
Entre a verificação realizada em animais, em 1921, pelo botânico Haberlandt e a síntese obtida pelo químico Miramontes, em 1951, teria transcorrido um silêncio aparente de trinta anos. Tal silêncio, entretanto, de fato não ocorreu, pois houve a contribuição do cirurgião brasileiro Aloísio Resende Neves, que, em publicação de agosto de 1941, documentou, pela primeira vez no indivíduo humano, o efeito contraceptivo dos hormônios sexuais. Seu artigo foi publicado na revista médica brasileira O HOSPITAL com o título CAPACIDADE ESTERILIZANTE TEMPORÁRIA DOS HORMÔNIOS ANDROGÊNICOS. Sua verificação foi propiciada por uma paciente de aspecto feminino normal e que tinha tido filhos. Desenvolveu masculinização progressiva e foi operada por Neves que lhe removeu tumor masculinizante benigno. Após a operação voltou a ter seu aspecto feminino anterior e voltou a ter filhos. Durante a masculinização prosseguiu tendo relações sexuais com o marido e não houve gravidez. O cirurgião então concluiu que o excesso de hormônios androgênicos esterilizara seu sistema reprodutor.
Embora houvesse evidencia de tal fenômeno em animais de experimentação, o fato não tinha sido documentado em indivíduo humano, como sobredito, e nem os livros especializados o assinalam. Ao contrário nesta época a noção geral era de que os hormônios sexuais eram fecundantes ou conceptivos. Assim o mérito do médico mineiro Aloísio Resende Neves é incontestável, sua primazia está documentada e ele tem o direito de ser considerado o descobridor da anticoncepção hormonal humana, ou seja, o princípio da pílula anticoncepcional.
Nem sequer é possível alegar que seu feito foi ignorado por ter sido publicado em revista médica brasileira e
Circunstancia interessante da descoberta de Aloísio Resende Neves (parente de Oto Lara Resende e de Tancredo Neves) foi o fato de que tal tema era considerado indecente mesmo entre a comunidade médica, mais ainda na conservadora sociedade mineira da época, dominada pelas posições radicais do bispo Antônio Cabral. Logo que circulou a notícia de suas conclusões, ele passou a ser alvo de chacota por parte de colegas médicos, foi proibido pelo bispo de pronunciar conferência na Santa Casa e foi obrigado a deixar seu cargo de assistente na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (hoje UFMG).
Muitas pessoas usavam preparações hormonais, pois era uma novidade científica com o nome de opoterapia. Um dos usuários era o próprio médico Juscelino Kubitscheck que tinha voltado com este hábito da clínica onde estagiou
O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
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