quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

CONTRA O SAQUE AO ACERVO ARTÍSTICO E HISTÓRICO DE MINAS GERAIS – NOSSO CLAMOR JÁ DURA SETE ANOS

João Amílcar Salgado

Neste dia 10-2-11, os jornais noticiam o prosseguimento do alarmante saque do acervo artístico e histórico de Minas Gerais - deixando entrever a atitude amena dos responsáveis pelo combate a tão irreparável dano. Neste ano do centenário da FACULDADE DE MEDICINA DA UFMG, ressaltamos nossa luta pela memória das coisas mineiras - das ciencias às artes - sem esquecermos que esta mesma Faculdade foi vítima da demolição de seu belo prédio, em 1958.

O CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA DE MINAS GERAIS, depois de 30 anos de presença ativa no cenário mineiro e brasileiro, durante a qual levou à criação de diversas instituiçoes congêneres dentro e fora do Estado, acumulou crédito suficiente para ser a voz mais alta capaz de gritar contra o contínuo saque ao acervo artístico e histórico de Minas. Este Centro reune o mais isento grupo de interessados na cultura mineira e tal independência o desvincula de qualquer compromisso exceto o bem de nossa arte e nossa memória. Desde 2004 seus membros se lançaram à luta desigual contra tal crime. Durante todo esse tempo estamos cada vez mais indignados com a passividade com que as autoridades e instituições responsáveis, as organizações afins e muitos mineiros cultos presenciam tão vergonhosa e ininterrupta dilapidação.

A triste crônica de tal agressão não deixa dúvida de que a ostensiva impunidade quer dos saqueadores, quer dos cúmplices locais, é responsável por sua perpetração contínua e crescente. Os zeladores maiores a quem deveria caber o mais desvelado cuidado vêm demonstrando tal e tão cínica inércia ao longo do tempo que lhes cabe clara parcela de cumplicidade. Tamanha vilania brada por medidas objetivas e eficazes e, por meio deste protesto, estamos desafiando aqueles que até aqui se vêem mantendo omissos, negligentes e calados que dêem às futuras gerações uma resposta condigna. E que esta esteja à altura do incomensurável patrimônio atingido, que soma à insubstituível porção já dilapidada a valiosíssima fração que resta em flagrante perigo.

As tímidas medidas, esboçadas de tempos em tempos, são claras evidências de que a complacência para com os criminosos prosseguirá. Tratá-los como meros contraventores, em vez de autores de gravíssimo crime, é o pior sinal. Chamar eufemisticamente o traficante de marchand e o receptador de colecionador é a contraprova da cumplicidade oficial. Reduzir o conjunto desejável de medidas enérgicas à conscientização das pessoas é flagrante ingenuidade, principalmente agora quando medidas eficazes em favor do turismo cultural e ecológico estão em andamento. Apoiamos plenamente tanto o turismo como tudo que vise à consciência coletiva do valor de nossos bens históricos, artísticos e paisagísticos. Mas isso não dispensa e, ao contrário, exige a vigilância cada vez mais sofisticada dos mesmos, pois sua exposição estará multiplicada tanto quanto a cobiça sobre eles, com o inevitável uso de métodos criminosos peculiares ao crime organizado. Os saqueadores são imunes à conscientização e só são contidos pela certeza de que a impunidade será substituída por punições severas e incontornáveis.

Em relação às obras de Aleijadinho ou de artistas de mesmo nível, a lei já deveria ter proibido a comercialização, com seu imediato recolhimento aos museus públicos mineiros. O catálogo com minuciosa descrição de cada uma, mesmo das de autenticidade duvidosa, deveria ser de elaboração oficial, estar na internete e sem o anonimato dos atuais depositários. Assim como a televisão e a demais imprensa divulga telefones para devolução voluntária de peças desviadas, os atuais depositários deveriam receber prazo para a entrega ao governo de seus aleijadinhos e congêneres. Os profetas de Congonhas já deveriam ter sido resguardados contra qualquer deterioração e isso já deveria ter sido realizado desde quando foram feitos os moldes ora recolhidos à UFMG. Os ingênuos contrários a tais medidas e os que se opõem a elas por razões escusas devem sair das sombras e aparecer para a conversa franca, pois dispomos de toda informação técnica e contamos com o apoio dos mais autorizados e neutros especialistas A posição dos governos federal, estadual e municipais também deve ser exposta às claras.

Trair os interesses da cultura mineira com medidas de marketing, que encubram providências firmes e efetivas, é crime tão grave quanto aquele que fingem combater. Até aqui, tecnocratas da cultura, historiadores, mestrandos, doutorandos e consulentes em geral não sofrem qualquer controle e foi inevitável que começassem a aparecer nos noticiários como membros de quadrilhas capazes não só de saquear bens mas de sua danificação irreversível. O esbulho de bens culturais é terrivelmente semelhante à devastação de nossas florestas, ou seja, encontram-se submetidos à mais cruel e sórdida das tolerâncias.