domingo, 24 de agosto de 2008

GENEALOGIA DA FAMÍLIA ABREU SALGADO
João Amílcar Salgado
A família Abreu Salgado é um dos ramos da família Ferreira de Brito de Três Pontas e também da união desta com ramos da família bandeirante dos Bueno, da família Magalhães do Sul de Minas e da família Arantes / Faria Bello de Formiga. A família Ferreira de Brito surgiu com a chegada de Bento Ferreira de Brito a Três Pontas. Havia ali uma capela consagrada a Nossa Senhora da Ajuda, desde 1768. Bento Ferreira doou à capela o terreno em torno da mesma, no qual surgiu a cidade de Três Pontas, sendo por isso considerado o fundador da cidade. Ele nasceu em Portugal, em 21 de março de 1744 (mesmo dia e mês do autor deste texto, seu descendente), na localidade de Ribeira, freguesia de São João de Brito, filho de Francisco Vieira da Silva e de Catarina Luiz. Casou-se em Minas Gerais, na cidade de Carrancas em 06/08/1766, com a mineira Ignácia Gonçalves de Araújo. Ignácia era filha do português Ignácio de Araújo, natural da freguesia de Santa Maria do Araújo, e da paulista Juliana Vieira de Afonseca, natural de Taubaté, por sua vez, filha de José Vieira da Cunha e de Catarina Portes. É provável que Ignácia Gonçalves, batizada em 17/08/1746 na igreja de Nossa Senhora do Pilar em São João del Rei, seja, por meio de sua mãe Catarina Portes, consangüínea do Tomé Portes, fundador de São João del Rei.
Bento Ferreira de Brito e Ignácia Araújo de Brito tiveram cinco filhos e cinco filhas: Marta Umbelina (Costa Rodrigues), Manoel, padre Joaquim Vieira (que teve filhos), José, Bento, Francisco, Beatriz (Silva Mendes), Ana Luiza (Vinhas de Castro), Catarina (Souza Diniz), Josefa (Mesquita) e Luiza Cândida de Brito, esta casada com o português Domingos de Abreu Salgado. Com os sobrenomes dos genros de Bento Ferreira de Brito (Costa Rodrigues, Silva Mendes, Vinhas de Castro, Souza Diniz, Mesquita e Abreu Salgado ficam constituídos os troncos das famílias matriciais de Três Pontas. A estas devem ser agregados os sobrenomes do fundador - Vieira, Ferreira e Brito - e da esposa - Araújo e Vieira - bem como das noras: Nascimento, Silveira, Castro e Adelindes.
Domingos de Abreu Salgado era português de origem galega (como os Salgado em geral), aqui se tornou capitão e foi nomeado um dos seis vereadores da primeira câmara da Vila de Lavras, em 1832. De seu casamento com a filha de Bento Ferreira de Brito, Luiza Cândida, nasceram seis filhos: Valentim, Francisco, Maria Cândida, José Maximiano, Claudina Constância e Estevão de Abreu Salgado. Valentim de Abreu Salgado casou-se com uma descendente das 3 Ilhoas, Maria Bárbara de São José (Ilha do Faial), enquanto Maria Cândida se casou com Antônio Tomás de Aquino.
Já o coronel Estevão de Abreu Salgado, que viveu em Três Pontas (1820-93) e foi fazendeiro nas Águas Verdes (entre Campos Gerais, então pertencente a Três Pontas, e Dores da Boa Esperança), casou-se duas vezes, a primeira com Alexandrina Cândida de Mesquita. Interessante é que um dos filhos do casal, Alexandrino (Domingos Alexandrino), era casado com Alexandrina (de Azevedo). O segundo filho de Estevão chamou-se Zeferino Mesquita, do qual não há dados.
Viúvo, Estevão casou-se em segundas núpcias com Sabina Magdalena de Faria Bello, neta de João de Arantes Marques, o iniciador da família Arantes. O patriarca João de Arantes, nascido em Vieira, arcebispado de Braga, em 1724, veio de Portugal para Formiga e se casou com Margarida Faria de Magalhães, filha do patriarca da família Magalhães do Sul de Minas, o português João de Faria Magalhães, natural de Vila do Porto, bispado de Leiria. O casal João Arantes e Margarida Faria de Magalhães teve quatro filhos, um dos quais Maria Madalena do Sacramento Arantes, que se casou com o açoriano (Ilha do Pico) capitão Manoel Antônio de Faria, patriarca da família Faria Bello, vindo a ter sete filhos, um dos quais Sabina Madalena de Faria Bello, segunda esposa de Estevão de Abreu Salgado.
Dentre os Arantes com alguma fama, três parecem necessitar citação: o duque de Caxias, Arantes por linha materna, que honra a todos; o contraditório e polêmico Edson Arantes do Nascimento, o Pelé; e Joaquim Silvério dos Reis, que, mesmo contra-parente, ocupa posição incômoda nesta linhagem.
O casal Estevão e Sabina de Abreu Salgado teve os seguintes dez filhos e respectivos consortes: 1) Modesto de Abreu Salgado, com Ezilda de Magalhães Chaves; 2) Augusta Belmira de Abreu, com Antônio Ferreira de Brito Júnior; 3) Luiza Bello de Abreu, com Olímpio Vilela; 4) Sabina Bello de Abreu (Sabininha), com João Pinto de Abreu Vilela; 5) Cristina Maria de Abreu, com o Antônio Luiz de Azevedo Araújo; 6) Maria Madalena de Abreu, com o mesmo Antônio Luiz de Azevedo Araújo (segundas núpcias deste); 7) Ana Inácia de Salgado Abreu, com Silvestre José Ferreira de Mesquita; Teodolina de Abreu Salgado, com Domingos José Ferreira de Brito; João Ferreira de Abreu Salgado, com Balbina Guilhermina do Espírito Santo Magalhães; e Constância de Abreu Salgado, solteira.
O casal João Ferreira e Balbina de Abreu Salgado teve cinco filhos: Delmira (Lica), Maria (Mariquinhas), Ana (Sinhaninha), Luiz e João. João Ferreira de Abreu Salgado era coletor e se tornou ativista do movimento antimonarquista, juntamente com dois parentes, o médico Josino de Paula Brito e o padre José Maria Rabelo. Sua militância política não permitiu que cuidasse satisfatoriamente dos filhos, o que se agravou com o falecimento da esposa. Assim, seu filho João de Abreu Salgado, por ter ficado órfão da mãe Balbina muito jovem, foi criado pela irmã mais velha, Delmira, esposa de Aprígio Mesquita. Foi também amparado pelo parente e padrinho Barão de Boa Esperança, tenente-coronel Antônio Ferreira de Brito, que, ao contrário do pai republicano, muito o influenciou na admiração a Pedro II e à princesa Isabel.
João de Abreu Salgado casou-se com Emerenciana Ferreira de Castro (sua consangüínea pelo lado Ferreira), sendo filha de João Ferreira de Castro e de Amélia da Silva Campos. Emerenciana, apelidada de Chanica, tem ascendência ligada diretamente à linhagem de Amador Bueno, por meio do ramo Bueno de Lavras. Seu pai João Ferreira de Castro se casou duas vezes, teve quatro filhas com Amélia Campos: Zulmira, Amélia, Caca e Emerenciana, e dez filhos com a segunda esposa: Antonieta, Marieta, Rita, Maricas, Julieta, Francisco, Antônio, João, José e Benjamim.
O casal João de Abreu e Emerenciana teve dez filhos, sendo que duas meninas, as primeiras, faleceram bebês (Amélia e Balbina). Sobreviveram: João, Maria, Iracema, Moacir, Elisabete, Rute, Osvaldo e Aprígio. Elisabete (Bebete), Rute e Osvaldo (Tito) permaneceram solteiros. João de Abreu Salgado Filho (Joãozinho) casou-se com Evangelina Vilela Salgado (Vange) e tiveram os filhos Emerenciana (falecida ainda bebê), Maria Aparecida, João Amílcar, José Aníbal, Neusa Vilela e Antônio Lívio. Maria de Abreu Salgado (Cotinha) casou-se com Antônio Corrêa Figueiredo e tiveram a filha Maria José Figueiredo. Iracema Abreu Salgado casou-se com Luiz Lourençoni e não tiveram filhos, sendo pais adotivos de Maria Aparecida, José Lucas e Maria de Lourdes. Moacir de Abreu Salgado casou-se com Odete Barbosa Lima e tiveram os filhos Ana Maria, João Aluízio, Maria Stela e Lourdes de Fátima. Aprígio de Abreu Salgado casou-se com Maria Gabriela Prata e tiveram os filhos João Euclides, Aprígio Filho e Olga Elisabete.

O autor, João Amílcar Salgado, é professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisador em História da Medicina e do Sul de Minas e genitor de Carlos Amílcar Salgado (pai de Ana Luiza, Thaís, Bruno e Brenda) e João Vinícius Salgado (pai de João Mateus)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008





AS DUAS SERPENTES E A MEDICINA

João Amílcar Salgado

Da conflituosa convivência entre ambos, ao longo de milhões de anos, a serpente é temida e invejada pelo homem. Este teme nela não só o potencial de morte, mas também o comportamento sorrateiro. Ele inveja nela não só o mesmo comportamento ardiloso, mas sua imortalidade individual. Então é sobre o comportamento da serpente, especialmente sua mágica de envenenar sem se envenenar e de fingir a morte sem morrer, que convergem o temor e a inveja do homem.
Na maioria das culturas a serpente é importante elemento mítico. O lado temido é representado pela própria serpente. O lado invejado é representado pelo rio (a serpente líquida), pelo arco íris (o rio celeste) e pelo pênis e suas variantes simbólicas (fálicas). Grandes civilizações se devem a grandes rios e em seus vales habitam serpentes gigantes e/ou arborícolas, como a píton, desde a África à China, e a jibóia e a sucuri, na América. Já o simbolismo fálico tem dupla força, pois se o pênis serve à sobrevivência da espécie, a serpente é a mais veemente referência observada na natureza em favor da sobrevida individual. Assim, um bastão fálico, enlaçado por um casal imortal de serpentes, em cópula, não poderia deixar de ser o símbolo perfeito da medicina.
Além da serpente e do bastão, a medicina conta com dois outros símbolos fálicos, recorrentes entre as culturas: o umbigo e o cavalo. A maioria dos povos denomina umbigo a seu local ancestral, nos respectivos idiomas nativos, e, assim, o nexo ônfalo-órbico sacraliza a saúde cultural das gentes, graças a sua conotação de centralidade, antigüidade e perpetuidade. Já o sonho de poder, representado na fusão do cavaleiro com o cavalo, inclui a tripla potência do centauro: sexual, artístico-industrial (habilidade manual) e médica. Por outro lado, a ligação mulher-serpente se faz meta-simbólica na saga de Tirésias e na tentação de Eva.
Em 1878 foi encontrado, numa biblioteca real assíria, o relato escrito da epopéia de Guilgameche. A história se passa num dilúvio ocorrido na Mesopotâmia, há mais de quatro milênios. Assim como na história semelhante de Noé, de quem, pela Bíblia, os assírios descendem, mas escrita posteriormente, o relato pode ser apenas a versão escrita, etnocentricamente adaptada, de lenda oral remontante ao degelo da última glaciação, há nove milênios. Este sim seria capaz de dilúvio aparentemente universal, superando a hipótese de mera inundação fluvial. Pois bem, Guilgameche, ao concluir que só sobrevivera por intervenção e eleição da divindade, pediu à mesma que a graça da sobrevida se estendesse em imortalidade. Seu pedido foi atendido, por meio de um vegetal panacéico - e ele de tão feliz adormeceu. Ao acordar descobriu que a serpente sorrateiramente lhe usurpara aquela dádiva.
Desde cedo o homem, ao observar a troca de pele das cobras, concluiu que elas espertamente driblam a morte, fingindo que morrem pela descamação. Neste sentido, quem sempre pretendeu usurpar a esperteza da cobra é o homem. E - por perseverar na esperança de que dê certo esta aplicação crucial do princípio homeopático - desenvolveu o conhecimento médico e, por isso mesmo, o símbolo mais persistente da medicina.
Em Delfos, na Grécia, o clássico oráculo reuniu a fonte solar da vida (Apolo) com o sonho da vida eterna (Píton), sob a intermediação terráquea e reprodutiva da mulher (pitonisas sibilinas) e também do falo umbilical (o umbigo geocêntrico). Aí, a devoção xamanística ao vinho, simbolizada em Dionísio (Apolo ébrio), se mistura ao fascinante recurso a substâncias indutoras de sonhos. Esta bela síntese mítica tem explicação antropológica, que remonta a bem antes dos gregos.
A domesticação de plantas e animais, em vários locais do mundo, levou à divinização do sol, que então substitui a divindade panteísta dos catadores-caçadores. No Egito, o sol, fecundante das cheias do Nilo, é Amon-Ra, deus também da medicina. A Grécia, onde aquela domesticação não teve o mesmo significado, copiou Amon-Ra como Hélios, por sua vez copiado pelos romanos como Apolo. Em virtude da especialização requerida pela maior complexidade social, um semideus, Imotepe, filho ou descendente de Amon-Ra, se torna o deus específico da medicina. Imotepe é copiado na Grécia como Asclépio e em Roma como Esculápio. Já na Mesopotâmia, o deus solar (correspondente a Amon-Ra) é Ninazu, fecundante da agricultura entre o Tigre e o Eufrates, enquanto seu filho semideus (correspondente a Imotepe) é Ningishzida. O Imotepe histórico (2667-2648 aC), deificado depois, foi médico do faraó Zoser. Além da medicina, foi pioneiro no uso da escrita (provável autor de farmacopéia) e na arquitetura, autor da primeira pirâmide faraônica - a de Sacara, em degraus, derivada de pirâmides núbias.
No Egito, antes do culto hegemônico a Amon-Ra, a divindade pré-agrícola correspondente é Toth. O caráter panteístico, ubíquo, flúido e imanente de Toth, permite que seu culto subsista após a agricultura, prolongando-se até hoje, ainda secreto e iniciático. A Grécia copiou Toth como Hermes e Roma como Mercúrio. Desde o início, Toth era identificado com a serpente, neste caso simbolizando virtudes genéricas de sagacidade, ubiqüidade e periculosidade, enquanto, na simbolização de Amon-Ra, as virtudes de sobrevida são concentradas na serpente constritora e arborícola. A serpente ligada a Toth é principalmente veloz e venenosa e a serpente ligada a Amon-Ra é sobretudo forte, poderosa e imortal.
Nos impérios alexandrino e romano, a iniciação a Toth é ritualizada em culto esotérico a Hermes Trimegisto, deste derivando, sucessivamente, a alquimia, a farmácia, a química, até chegar à manipulação do DNA. A substância mercúrio é a perfeita serpente líquida. Os primórdios da manipulação farmacêutica alexandrina surge da abertura gradual de segredos terapêuticos hermeticamente guardados. Daí que a serpente se acha no símbolo de Hermes tanto para o comércio como para a farmácia. O comércio farmacêutico das especiarias presidiu as Cruzadas e as grandes navegações. Para o comércio, o casal de serpentes entrelaça bastão alado, enfatizando os aspectos de informação privilegiada, segredos do ofício, agilidade, sagacidade e comunicabilidade. Para a farmácia ambas entrelaçam bastão em taça, enfatizando a simbologia de veneno domesticado (phármakon = veneno). O distintivo hoje do comércio foi usado para anunciar o local ou a presença do comerciante e depois para qualquer anúncio, neste sentido chamado de caduceu (bastão ou estandarte de anúncio). Na França, usa-se este termo também para o símbolo da medicina. Aliás, o próprio distintivo pagão de Hermes foi usado, nas guerras do Ocidente, para anunciar médicos militares e pessoal não combatente - antes da adoção do símbolo cristão da Cruz Vermelha.
O símbolo primordial da medicina é um segmento retilíneo de galho de árvore entrelaçado por um casal de serpente em cópula. Esboçado assim, exibe as tais duas simbolizações fundamentais: a da sobrevida da espécie (a madeira fálica, a forma do animal e a cópula) e da sobrevida do indivíduo (as serpentes descamáveis). As mais remotas representações já reduzem o pedaço de árvore a cajado ou bastão. Uma delas está no Louvre (2000 aC) e outra foi divulgada por Heuzey (2350 aC), ambas em cálice votivo para libação cerimonial a Ningishzida.
O moralismo ainda pré-cristão, mas principalmente cristão, entretanto, acabou fazendo lamentável censura à cópula das serpentes, reduzindo-as a apenas uma. A censura sexual sempre foi compreensivelmente mais severa no âmbito da medicina. Nisso pesou também a aproximação simbólica com o crucifixo. Assim foi deformada a comovente simetria do símbolo e ficou desequilibrada a forte mensagem emitida desde o paleolítico. A simples comparação visual, entre a mensagem semiografica, em pedra sabão, datada de quatro mil anos atrás, e o desenho molecular, da metade do século 20, é a esmagadora demonstração de que o código xamânico intuiu com incrível precisão o código genômico.
Vista sob tais antecedentes, a polêmica sobre uma ou duas serpentes perde muito de sua paixão. Nada melhor que um pouco mais de cultura para desinflamar debates apressados. A propósito, a medicina brasileira, desde antes da chegada dos europeus, está envolvida, de modo bem específico, com a serpente. No exercício da medicina a que foi obrigado, Anchieta foi informado pelos nativos de que as pessoas picadas por cobra e que sobreviviam poderiam ser novamente picadas sem qualquer dano - o que não deixa de ser um lampejo de imortalidade. Daí por diante coisas maravilhosas aconteceram. Pois não foi brasileira e também mineira a contribuição decisiva de Vital Brasil contra o MAL da ofensa ofídica? E não foi da brasileiríssima jararaca que nossos cientistas (um deles o mineiro Wilson Beraldo) descobriram o BEM não só da bradicinina (chave de herméticos segredos da fisiologia), mas também da família revolucionária de anti-hipertensivos, iniciada com o captopril?
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O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais