sexta-feira, 27 de novembro de 2009


MÁRCIA (ALVES VILELA) DE SOUZA ALMEIDA

Em 2006 recebi das mãos de uma senhora, às vésperas de seus 90 anos, um livro de belo título: SEMEANDO E COLHENDO, que acabara de escrever. Na capa estava estampado seu belo rosto, quando jovem, flagrado em cativante sorriso. Comparei a foto com o rosto ali defronte e me espantei de ver como tantas décadas não foram capazes de desfazer aqueles delicados traços de beleza. Na dedicatória ela escreveu: Ao emérito cientista e cultor das artes, com o carinho e a admiração da prima, Márcia.

Essa extraordinária Márcia fez bem em deixar registrado o que o casal de educadores Márcia-Manoel Almeida SEMEOU e COLHEU pelo Estado de Minas Gerais inteiro. Admira-me como a Márcia fulgura com desembaraço na rica galeria de mulheres da família Vilela, aclamadas como queridas educadoras: Marta Nair Monteiro, Iracema Vilela Lima, Climar Vilela Paiva, Maria Aparecida Salgado e Neusa Vilela Salgado.

Márcia é filha da Dona Micota (Maria Olímpia), uma mâezona da velha têmpera Alves Vilela. Foi a querida dama de Boa Esperança, que ajudou o alfaiate João Rosa, a bem educar seus quase vinte filhos, sendo ambos, por isso mesmo, também notáveis educadores. Ela, exímia na culinária e na costura, e ele, na alfaiataria e na música, que obtiveram de cada filho dominar o canto e também um instrumento musical, dominando ele o saxofone, embora tirasse o sustento de tantos, segundo a Márcia, pelo menor instrumento de trabalho – a agulha – a amiga silenciosa e discreta. Dona Micota era filha de Joana Alves Vilela e do poeta Modestino Moreira, sendo Joana filha de Modesto Vilela e de Laura Alves Vilela (ou seja, curiosamente, a filha do Modesto matrimoniou-se com o Modestino).

Perguntei ao Carlos Netto, também musicista dorense, se, pelo pendor musical, havia a possibilidade de o saxofonista João Rosa ser parente do compositor Noel Rosa, que tinha parentes mineiros. Netto achou pouco provável. Mas hoje estou em busca de algo mais: o eventual parentesco entre dois Joões Rosas: o sulmineiro João Rosa e o sertanejo João Guimarães Rosa.

A música é marca tão forte na Márcia que ela recheou seu livro com as letras e partituras das canções que ela (e eu) mais preza. A tradição musical de Boa Esperança, simbolizada em Nelson Freire, passa necessariamente por esta família. Mas, nas páginas citadas, o que me encantou em especial é a foto saudosa de João e Micota com a filharada, que poderia ter por legenda: UMA FAMILIA SULMINEIRA TÍPICA E EXEMPLAR.

domingo, 22 de novembro de 2009

NOBEL A CHAGAS EM DEBATE respeitoso

João Amílcar Salgado

- Os debates democráticos, que chegaram a acalorados mas não desrespeitosos, ocorridos ontem, 16-11-09, na reunião da Academia Mineira de Medicina, mostram que, num momento tão próximo do final das comemorações do centenário da descoberta da doença de Chagas, persiste a tendência, observada desde a morte de Oswaldo Cruz, de se punir Carlos Chagas pela ousadia de ser gênio, num país eivado de recalques coloniais. E seus detratores de ontem e de hoje persistem na tendência em considerar tal ousadia ainda mais afrontosa já que manifestada por um caipira mineiro.

- É de todo lamentável a confirmação da divisão, também já verificada desde bem antes, de detratores não-mineiros versus defensores mineiros. Isso ficou evidente quando outro mineiro, Vital Brasil foi ontem desaforadamente acusado de cobiça financeira.

- Infelizmente o tempo disponível não permitiu que se discutisse a frustração da premiação Nobel de Chagas, comparada com outras igualmente frustradas, como a de César Lattes, Josué de Castro e Helder Câmara, sendo que o prêmio chegou mais perto não destes, mas de Mário Pinotti, exatamente na área da saúde, por seu estalo de Vieira (como ele mesmo dizia) de ter alegadamente criado a sal cloroquinado e o reboco das cafuas com estrume.

- Outro dado que o tempo não permitiu discutir foi a recentíssima premiação de Barack Obama, que contrasta com a sabida pressão de Harvard em favor de Chagas. Teríamos mostrado que Harvard, na época, não tinha, para os escandinavos, a imagem e a força que tem hoje. Na exposição que fiz, em 1999, fiz um histórico de prêmios Nobel dentro e fora da medicina, pormenorizando as controvérsias. Detive-me especialmente nos escândalos de Roentgen (logo o primeiro premiado) versus Lenard, Cajal versus Golgi e, principalmente, a absurda premiação de MacCleod, em detrimento de Best, pelo isolamento da insulina.

- Outra tendência que parece ganhar corpo é o velho truque de demarcar referencias bibliográficas consideradas confiáveis pelos detratores, daí decorrendo a desqualificação das referências apresentadas pelos defensores. No caso, com o agravante de deslocar para a Argentina e o Uruguai a localização de fontes insuspeitas. Com três pesquisadores mineiros, ligados a Manguinhos, Amílcar Viana Martins, José de Noronha Peres e José Pellegrino, discuti a negativa do premio a Chagas, desde antes de 1961, sem que nunca tivessem vinculado o tema a autores argentinos ou uruguaios. Pelo contrário, quase sempre manifestavam reservas em relação aos retardatários do Cone Sul, exceto os chilenos. Essas reservas se confirmaram afinal quando do lançamento do que seria o primeiro medicamento contra nosso tripanosoma, plenamente aprovado por eles e desaprovado pelos pesquisadores mineiros, e quando da autorização para imunosupressivos a chagásicos.

Como conclusão maior, resta a sugestão de sincero esforço profilático contra os desvios tendenciosos e da busca de ângulos ainda não utilizados ao longo de décadas de debate.

Em tempo. Mais uma sugestão: seria lamentável qualquer êxito na tentativa de aloirar o “acobreado” Carlos Chagas.

sábado, 21 de novembro de 2009

EM MEIO A MEGA-DESASTRES, NAVEGA NOSSA NAU DOS INSENSATOS, COM A SAÚDE E A EDUCAÇÃO A BORDO

Quanto mais bem sucedido vem sendo o atual governo na melhoria da distribuição de renda no país, mais escandaloso é seu fracasso em saúde e educação. Em meio a mega-desastres aéreos e à violência crescente, ninguém está dedicando atenção a nosso risco como passageiros desta verdadeira nau dos insensatos, capitaneada pelos ministros da saúde e da educação.

É ledo engano pensar que uma boa notícia, como o anúncio do pré-sal ou o reconhecimento do BRIC, seja capaz de compensar a derrocada na saúde e na educação. Tais boas-novas desviam a atenção, anestesia dores menores, produz refresco breve – mas as duas feridas largas e profundas, da saúde e da educação, prosseguem subsistentes. Já as más notícias, principalmente a péssima notícia, como de três mega-desastres aéreos recentes ou da violência endemo-pandêmica, podem aprofundar a anestesia, mas seu efeito é igualmente temporário.

E os próprios respectivos setores governamentais se encarregam de reacender, rápido, o ferro-em-brasa da débâcle na educação e na saúde. Isso acontece quando, de modo trapalhão, tentam melhorar as coisas, mas acabam piorando tudo e fazendo tudo ficar irreversível. Por exemplo, no hemisfério norte, tenta-se responder ao craque imobiliário com duras medidas não só contra a farra de contas em paraísos fiscais, de lucros, de salários e de spreads, mas também contra a cultura da irresponsabilidade ou contra os dispositivos controladores cevados na promiscuidade explícita com os controlados. Enquanto isso, aqui tudo prossegue como-dantes-no-quartel-de-abrantes – com farra análoga, só que maior, com a mesma cultura, só que ao jeitinho brasileiro, e com igual promiscuidade, só que muito mais cínica.

Na educação, acabam de transformar o ENEM (herança maldita do fiasco do provão) num arremedo de “exame vestibular nacional”, no qual qualquer cultor do óbvio é capaz de reconhecer autêntico vôo-cego de aprendizes-de-feiticeiro. Este pseudo-vestibular nacional, chega para ser um requinte a mais na desbragada mercantilização do ensino superior. Nesta se inclui a imensa insensatez da explosão de faculdades picaretas de medicina, e, para maior horror, o vergonhoso colapso do ensino público pré-universitário, estando as nossas antigas escolas primárias à mercê de gangues de pivetes e de livros didáticos alegremente obscenos. Intrínseco a isso, no ensino superior público, o mencionado neo-liberalismo farrista causou e causa o sucateamento físico, docente e moral das universidades - sendo este último só agora noticiado, com vários reitores deslocados, na mídia, das páginas de ciência para as páginas policiais. E, para coroar o descalabro, assistimos atônitos à avassaladora aventura do ensino-à-distância, com todo seu claríssimo potencial de fraude e corrupção. Tanto este como o ENEM e o ENADE estão sendo empurrados goela-abaixo das universidades públicas, a poder de coação e até de chantagem.

Na saúde, somos obrigados a assistir deprimente competição diária por estacionamento, quando as ambulâncias municipais, recém-chegadas de cada cidade do Estado, disputam espaço para descarregar casos não-resolvidos no Hospital das Clínicas. Na outra ponta, nos postos de saúde metropolitanos, prossegue, a cada minuto, o confrangedor desfile de dor, pranto, morte e tumulto nas filas de atendimento. Ao mesmo tempo, os “planos de saúde”, que não são planos e nem são de saúde, faturam milhões e milhões. E não constituem nenhuma assistência suplementar ao SUS, mas sim dispositivos de fato complementares, que estão aderidos ao SUS num abraço letal. Os assessores ministeriais, arrasados por tanta incompetência, paradoxalmente se animam diante das últimas ameaças de epidemia ou se assanham no afã de uma campanha contra isso ou aquilo - na esperança de poder parecer que, pelo menos nesta ou naquela questão conjuntural, se estão saindo bem ou menos mal (mas estão muito mal nos escândalos cumulativos do tamiflu restrito a grupo de risco, do atraso da vacina antigripal e do diagnóstico específico da gripe suína limitado a três centros). Ou então anunciam, como se fosse grande achado inovador, a proibição da auto-medicação com elixir paregórico, com formol ou com antibióticos ou ainda do banho ultravioleta, escondendo do público que qualquer restrição à cobiça infinita da industria de saúde é feita de comum acordo com ela própria, sob a alegação neoliberal de procurar não ofender o mercado.

E, para fechar com chave-de-ouro esse tour maldito de insensatezes, se aferram, com cega obstinação, àquilo que considero a maior cara-de-pau da histórica da medicina. É quando fazem o alerta solene de que, caso algo dê errado, caso o problema persista, que o cidadão procure um médico. De preferência um médico despreparado, formado numa faculdade picareta, que eles próprios acabaram de autorizar

* * *

E O MINISTRO NÃO RENUNCIOU!

O principal do texto acima saiu em meu blogue (jamilcarsalgado.blogspot.com) em 22 de junho de 2009. Diante do que está dito aí, os amigos perguntaram: se isso é fato, será que vai estourar algum escândalo produzido por tanta insensatez? E não é que, no dia 1º de outubro de 2009, a imprensa denuncia a fraude do ENEM, levando à suspensão do pretenso vestibular? A partir daí recebi muitos cumprimentos (sem qualquer alegria minha) pela profecia de junho. Mas o maior escândalo não é a fraude. O maior escândalo é que o MINISTRO NÃO RENUNCIOU. E continua a se exibir na mídia como se a coisa nada tenha a ver com ele! E NINGUÉM ESTÁ EXIGINDO A SUA RENUNCIA!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

INDÚSTRIA DE SAÚDE e pedagogia médica

João Amílcar Salgado

FARMACOBRÁS VERSUS BIOBRÁS

Em 1963, eu era recém formado, quando Marcos de Mares Guia, Carlos Ribeiro Diniz, Zigman Brener, Amílcar Martins, líderes do diretório acadêmico e eu participamos de uma reunião para propor que, entre as chamadas reformas-de-base do governo João Goulart (educacional, tributária, eleitoral, agrária e urbana), fosse incluída a da indústria farmacêutica. Defendíamos a criação da Farmacobrás, espelhada na Petrobrás. Como era do estilo do Marcos, ele, mesmo em plena ditadura, prosseguiu defendendo uma indústria nacional de medicamentos e acabou substituindo a nossa Farmacobrás pela Biobrás. Para isso ele se valeu do que observara na Europa e na Norte-América.

Marcos de Mares Guia foi criticado por aproveitar nossa experiência com o curso pré-médico para instituir o cursinho Pitágoras e de aproveitar a nossa proposta da Farmacobrás para instituir a Biobrás, ambas instituições privadas. Como seu admirador, lembro que ele não tirou nada de ninguém, pois era co-autor da experiência e da proposta, tanto como eu e os outros. E digo mais: sua capacidade realizadora percorreu o caminho que se abria a ela. Não havendo o golpe militar e sendo Kubitschek reeleito em 1965, é quase certo que a Farmacobrás fosse criada e que nosso colégio universitário, bem como os símiles do referido curso pré-médico teriam tal envergadura que reduziriam os cursinhos pré-vestibulares a fenômeno menor. E, quanto à edição de livros médicos (outra proposta nossa durante o governo Kubitschek), teríamos, em vez da Cooperativa Editora, uma editora de verdade.

A Biobrás ocupa lugar único na história da industria brasileira. Sua origem remonta, como foi dito, à proposta da Farmacobrás, mas sobretudo ao raciocínio imensamente criativo de Carlos Ribeiro Diniz, segundo o qual a escola bioquímica de Baeta Viana era a única a dominar de fato a enzimologia no hemisfério sul. E isso na terra do mamão e do abacaxi, fontes ultra-disponíveis dos dois mais potentes enzimas proteolíticos vegetais. Daí que cumpria aos bioquímicos mineiros a missão de fabricar medicamentos para o povo brasileiro, a partir de tais privilégios. Marcos de Mares Guia apresentou para tese professoral audaciosa proposta nesse sentido. Essa tese do Marcos e a minha de doutoramento têm este ponto em comum: em vez de meras peças acadêmicas, são um manifesto e um desafio em favor da solução de problemas da realidade brasileira. A quebra do monopólio da fabricação da insulina por um país do hemisfério sul foi uma das conseqüências de tal posição revolucionária, depois completada pela fabricação da insulina humana recombinante. Infelizmente a empresa brasileira assim criada hoje está nas mãos de uma indústria européia.

Outro fato, de que participei mais recentemente, está ligado ao desejo do Marcos de fabricar a vacina para a leishmaniose cutânea, desenvolvida por nosso querido Wilson Mayrink, concretizando um sonho de Samuel Pessoa. Técnicos governamentais obstaculizavam a autorização para que uma indústria mineira fabricasse a vacina de um cientista mineiro. O Marcos pediu ao Philadelpho Siqueira e a mim para falarmos com Sérgio Arouca em favor da causa de nosso Estado e este nos atendeu, depois que lhe sumariei o histórico acima.

ENSAIOS TERAPÊUTICOS

O conceito de ações alfa e beta da adrenalina, antes objeto de dúvidas, levou ao desenvolvimento de medicamentos que poderiam ser úteis na cardiopatia chagásica e também em testes comprobatórios da denervação cardíaca. Fomos os primeiros a pesquisá-los nesse sentido. Também fomos os primeiros a usar o mebendazol para demonstrar a simulação clinico-radiologica da úlcera péptica pela estrongiloidose. Ainda fomos os primeiros a usar o hicantone na esquistossomose, quando verificamos que o fabricante, por informação falsa, nos induziu a experimentar no indivíduo humano a forma injetável, sem testes prévios em animais.

A analogia entre, de um lado, as ações alfa e beta da adrenalina e, de outro, eventuais ações alfa e beta da histamina levou ao surgimento da cimetidina, da qual fizemos o primeiro teste duplo cego no Brasil, comparativamente a outros três em outros países. Demonstramos o erro do uso analgésico de antiácido no grupo placebo e comprovamos eficácia igual para a cimetidina e o antiácido, desde que prescritos adequadamente.A metodologia endoscópica usada aí teve repercussão nacional e nossos principais adeptos reuniram condições para a criação do Instituto Alfa de Gastroenterologia, no qual os ensaios terapêuticos se desdobraram no estudo do Helicobacter pilori.

TESE DE SEBASTIÃO SOARES LEAL E A TENTATIVA DE FORMULAR E FABRICAR NOVO MEDICAMENTO

Em 1982 Sebastião Soares Leal defendeu tese histórica sobre eficácia e custo de anti-ácidos comerciais. A repercussão levou à edição da tese em livro, pela Cooperativa Editora. O pesquisador concluiu que quase todos os anti-ácidos comerciais teriam que ser ministrados em alta quantidade para serem eficazes, sendo o pior de todos aquele fabricado pelo governo (Central de Medicamentos). Com base nessa pesquisa propus a formulação de um anti-ácido ideal, mas não houve interesse governamental. O laboratório Wyeth se ofereceu para fabricá-lo, depois desistiu e me devolveu o projeto. Para minha surpresa mais tarde lançou um anti-ácido baseado parcialmente nesse projeto.

PADRONIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS

Em 1972, implantou-se a residência médica inaugural da UFMG, a partir de comissão designada pelo diretor da Faculdade, da qual Ennio Leão (marco internacional no ensino pediátrico) era presidente e eu seu vice. A proposta era de concretizar uma residência médica verdadeira e decente, portanto isenta de todos os vícios que a residência atual exibe. Desse propósito surgiu a comissão de padronização hospitalar, outra novidade, composta de subcomissões para várias áreas, sendo a mais importante a subcomissão de padronização de medicamentos. E lá fomos o Ênio Leão e eu para a padronização. Antes tínhamos criado mais outra novidade, a farmácia hospitalar, entregue à competência da farmacêutica Zildete Pereira de Souza, que logo se tornou a maior autoridade nesta área no país. A seriedade decorrente fez surgir o primeiro de uma série de problemas com fabricantes de medicamentos

Uma das maiores companhias multinacionais estava lançando novo antibiótico. Com base no que antes acontecia, escolheu nosso hospital como trampolim de marketing. Mas nossa comissão deu parecer negativo, assinado pelo presidente Ênnio Leão, segundo o qual o produto ainda não contava com estudos isentos sobre sua segurança. O gerente geral veio de São Paulo e ofereceu viagem ao Caribe para nós dois, que não aceitamos. O diretor da Faculdade nos chamou a uma reunião e só aceitamos comparecer sem a presença do gerente geral. O diretor acabou subscrevendo o parecer inicial.

ENSINO CONTRA-CONSUMISTA DE FARMÁCIA HOSPITALAR

No currículo médico implantado a partir de 1975 pela UFMG foi iniciado pela primeira vez o ensino contra-consumista de farmácia hospitalar dentro da disciplina também pioneira de PRÁTICA HOSPITALAR. O ensino de contra-consumo foi criminosamente suspenso no currículo após 1985

ENSINO COM PRESCRIÇÃO CONTRA-CONSUMISTA DE GENÉRICOS

No currículo médico implantado a partir de 1975 pela UFMG foi iniciada pela primeira vez a prescrição contra-consumista de genéricos. A partir de 1985, a indústria farmacêutica conseguiu “padronizar” produtos por meio de procedimentos suspeitos de suborno. A estratégia para re-aproximar os alunos dos nomes comerciais de medicamentos culminou com um torneio de futebol no Centro Esportivo Universitário em que os times tinham nomes como persantin e buscopan, sendo os atletas premiados com camisas, bolas, chuteiras, aparelhos de pressão, termômetros e estetoscópios. O docente organizador do torneio teria sido denunciado ao Conselho Regional, mas sem qualquer conseqüência. Infelizmente o lançamento de genéricos no Brasil não aproveitou a experiência pioneira da UFMG, certamente em razão dos interesses em jogo.

BOLETIM CONTRA-CONSUMISTA DISTRIBUIDO A TODOS OS MÉDICOS MINEIROS

A partir de 1980 foi executado audacioso projeto de levar a cada médico de Minas Gerais informações cientificas sobre medicamentos e terapêutica isentas de qualquer propaganda de fabricantes. O conteúdo eram traduções de artigos saídos nos periódicos THE MEDICAL LETTER e no DRUG & THERAPEUTIC BULLETIN. Foi um tremendo sucesso entre os médicos, principalmente os do interior. Causa nostalgia até hoje. A publicação chamou-se BOLETIM DE MEDICAMENTOS E TERAPÊUTICA que era impresso na gráfica ociosa do então INAMPS, com a cobertura corajosa de Adelmar Cadar. Com a posse de Newton Cardoso no governo mineiro a gráfica foi estadualizada e a impressão do boletim foi proibida.

AGÊNCIAS GOVERNAMENTAIS PARA MEDICAMENTOS, EQUIPAMENTOS, ALIMENTOS E SERVIÇOS EM SAÚDE.

A falsificação de medicamentos e a promiscuidade entre a indústria química e o tráfico de narcóticos não eram novidade desde o final da 2ª guerra mundial. A corrupção dos sangue-sugas e da FUNASA e os remédios falsos têm correspondentes na educação, sobressaindo as razões que levaram ao fim do respectivo Conselho Federal. A mercantilização da saúde e da educação, iniciada na ditadura e agigantada no neo-liberalismo de Color-Sarney-FHC, multiplicam ao infinito todo o passivo triste de tão nobres áreas sociais.


NO CENTENÁRIO DE HERMES DE PAULA (1909-2009)

HERMES DE PAULA

Seresteiro e historiador dos lindes roseanos

João Amílcar Salgado

O Hermes chegou ao Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais e se apresentou não como médico e sim como historiador-seresteiro do norte de Minas. Esse homem fascinante, apesar de estarmo-nos apresentando naquele instante, logo me pareceu um personagem de minha infância. Tal é o sortilégio do homem do sertão mineiro, que vi repetir-se com vários outros. No prefácio de seu livro de título feliz, A MEDICINA DOS MÉDICOS E A OUTRA..., escrevi:

[O] historiador daquela medicina que vicejou aprisionada nesse fantástico ecossistema de chapadões e buritis (hoje ameaçado pelo florestamento predatório) não poderia ser (...) mais apropriado do que o médico plural Hermes de Paula, que, com esta obra, se faz professor emérito da medicina não-elitista e sem preconceitos – sem dúvida a verdadeira medicina que nos convém. Seu prolongado e íntimo convívio com a comunidade sertaneja, seu invejado pendor de seresteiro-folclorista, também emérito, bem como seu honroso título de diligente cronista da região conquistaram para ele um lugar de realce no colegiado que preside o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais.

De suas serestas ele, como Riobaldo, poderá dizer: “Arte que cantei, e todas as cachaças. Depois os outros à fanfa entoaram ... mas rogando no estatuto daquela letra e retornando meu rompante; cantavam melhor cantando.” E de suas cavalgadas no sertão da história regional, tal como o referido jagunço, deverá dizer: “Assim eu entrei dentro de minha liberdade” ... “E ainda hoje, o suceder deste meu coração copia é o eco daquele tempo; e qualquer fio de meu cabelo branco que o senhor arranque, declara o real daquilo, daquilo – sem traslado...” Enfim, a lição boa que ele, com este paciente trabalho nos dá, é a citada pelo mesmo Tatarana: “Para um trabalho que se quer, sempre a ferramenta se tem” ... “O resto maior é com Deus...”

Este é um livro repleto de preciosidades sobre gente da maior importância na história das medicinas mineira e brasileira. Começa, contudo, com uma sátira aos médicos, OS DOTÔ DA MEDICINA, do poeta popular Cândido Canela, na qual, bem antes que Michel Foucauld criasse o conceito de medicalização, protestava: Im antes de havê dotô / Num tinha tanta duença; para afirmar: Mais hoje tudo mudô, / Ninguém pode mais falá, / Us nome que seus dotô / Nas duença já qué dá.

De permeio, encontra-se a curiosidade de que Montes Claros nos deu dois médicos que se fizeram conhecidos radialistas: o ginecologista e poeta José Marques Gomes (dom-silveriense mas montesclarense adotivo, que, sob o nome artístico de Paulo Roberto, ancorava os programas NADA ALÉM DE DOIS MINUTOS, LIRA DE XOPOTÓ e HONRA AO MÉRITO na época de ouro da Rádio Nacional) e o sanitarista Teófilo Pires (que lia O NOME DO DIA nas emissoras de Belo Horizonte), dos quais fui habitual radio-ouvinte. E de grande valor é o depoimento do próprio Hermes sobre quando conviveu com nada menos que o formidável cientista Vital Brasil.

Confesso, entretanto, que minhas preferidas no livro do Hermes são as páginas dedicadas aos boticários de antigamente. Eu, que sou de família de boticários e farmacêuticos, me senti mais irmão do Hermes, quando li no capítulo RECEITUÁRIO NO TEMPO DAS FAMÁCIAS (1910-30) a seguinte frase: Guardo bem esta tradição do bem servir das farmácias, pois trabalhei nessa ocasião em farmácia durante algum tempo. Além disso, o autor teve a ótima idéia de transcrever várias consultas e várias receitas, tudo de sabor supimpa para um historiador da medicina. Encantei-me, sobretudo, pelo mais antigo boticário de Montes Claros, Euzébio Sarmento. Tanto, que convenci a Ceres Pinheiro Ribeiro de incluir em sua famosa tese, DE ESTUDANTE DE MEDICINA A MÉDICO NO INTERIOR, a carta que Euzébio envia ao capitão Jacinto Silveira (colhida por de Paula no livro MINHA TERRA, NOSSA HISTÓRIA, escrito pelo filho deste, Olinto Silveira).

Diz a carta de 27/01/1897: Prezadíssimo Sr. Cap. Jacintho. Saudando-o, e a sua Exma. Família, faço votos para que continuem no gozo da melhor saúde e de todas as demais felicidades que desejar se possa. Sinto profundamente que o seu digno pai, meu particular amigo e compadre, continue a passar mal de seus incômodos, e muito mais pela certeza que tenho de estar ele sendo vítima de um estado mórbido diante do qual a ciência médica se confessa impotente. Desculpe-me a franqueza, pois em abono da verdade e testemunho da amizade que consagro a toda a sua Exma. Família, vejo-me na dura necessidade, conquanto cheio de verdadeiro pesar, de declarar-lhe que o seu pai, além dos sofrimentos antigos do fígado e do estômago, que tanto o atormentaram durante a sua laboriosa existência, está sendo hoje vítima de uma grave lesão do coração, de cujo sofrimento pode obter alguns ligeiros alívios mediante um tratamento profilático muito constante e racional, mas não curar, como é do nosso desejo. Não me tenho assomado a auxiliá-lo nesse tratamento com mais assiduidade, porque me reconheço e me confesso inteiramente incapaz para o desempenho duma missão tão espinhosa quão difícil. Remeto-lhe as 20 oitavas de bromureto de potássio de sua encomenda e também um pouco de digitalis em rama, em lugar de digitalina, visto ser este alcalóide eminentemente tóxico, e exigir no seu emprego a mais rigorosa vigilância do profissional que a empregue... Sempre às ordens, aguardo ocasião de ser útil e subscrevo-me com muito apreço e estima. Seu Amo. Ato. Obro. Euzébio A. Sarmento.

Fui a Montes Claros e o sulmineiro Itagiba de Castro Filho, meu distinto amigo, levou-me à casa do Hermes de Paula, onde colocamos em dia nossa conversa sem fim. Ele parecia especialmente feliz, pleno de verve e transbordante de tiradas espirituosas. Seu livro já estava na gráfica e ali combinamos que o lançamento seria ao caráter do autor: ao som do Grupo de Serestas João Chaves, criado pelo Hermes. E na festa, sob as árvores em frente ao Centro de Memória, seria executado todo o repertório da gravação dupla do Grupo, hoje clássica.

Infelizmente o estado de saúde desse médico-seresteiro montesclarense - irmão-gêmeo, em mil aspectos, do médico-seresteiro Juscelino de Diamantina - não permitiu que isso se realizasse. Mas tenho a certeza de que, toda a vez que ponho a tocar essa gravação, o vulto sempiterno de Hermes de Paula paira sobre os acordes, e então se cumpre a frase imortal do virtuose valenciano Joaquim Rodrigo: Nosotros seremos en la eternidad sonidos.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO MÉDICA EM Minas
Os estudantes e professores de medicina de Minas Gerais, bem como os médicos e historiadores em geral, devem ter pleno conhecimento da importância deste Estado na história da medicina brasileira. Antes de tudo devem pelo menos reconhecer como mineiros eminentes médicos brasileiros que foram capazes de façanhas insuperáveis na ciência, na política e nas artes: Vieira Couto, Vidal Barbosa, Tiradentes (terapeuta prático), Francisco Melo-Franco, Silva Teles, Gonçalves Gomide, Soares Meireles, Basílio Furtado, Peter Lund (adotivo), Carlos Chagas, Vital Brazil, Hilário de Gouveia, Hermenegildo Vilaça, Baeta Viana, Wilson Beraldo, Afonso Pavie (adotivo), Osvaldo Melo Campos, Osvaldo Costa, Luigi Bogliolo (adotivo) Marcelo Campos-Christo, Washington Tafuri, Juscelino Kubitschek, Clóvis Salgado, João Antônio Avelar, Agripa Vasconcelos, Antônio Silva Melo, Pedro Nava, Guimarães Rosa e Hélio Pellegrino. Ao mesmo tempo, devem também saber que Minas não só originou o primeiro manual de medicina clínica na Colônia, denominado ERÁRIO MINERAL, de 1735, como inaugurou o ensino médico oficial e regular no país, no ano de 1801, em Vila Rica. Mais recentemente, de 1975 a 1985, o ensino médico desenvolvido sob a liderança da Universidade Federal de Minas Gerais conclamou todas as escolas médicas brasileiras para que abandonassem o conservadorismo em que jaziam desde 1964. O repto consistia em adequá-las quer à sociedade de consumo, quer às inovações tecnológicas, ambos os fenômenos em aceleração crescente após a segunda guerra mundial.
A Faculdade de Medicina da UFMG, responsável pelo segundo curso médico de Minas e pelo primeiro de nível superior, data de 1911, um ano apenas depois do Relatório Flexner e dois anos depois da descoberta da doença de Chagas. Entre os cursos superiores mineiros, ela foi precedida por três cursos em Ouro Preto: Farmácia, Engenharia e Direito, e, em Belo Horizonte, pelo curso de Odontologia (1907).
Em relação ao Relatório Flexner, que, em 1910, reformulou o ensino médico nos EUA, houve notável paradoxo, associado à criação, em 1907, do Instituto depois chamado Ezequiel Dias, hoje Fundação Ezequiel Dias. Caso os fundadores da primeira faculdade de medicina mineira estivessem em sintonia com o que acontecia nos EUA, eles teriam aproveitado aquele relatório para implantar diretrizes inovadoras na nascente escola médica. Como uma dessas diretrizes era o uso de laboratórios de pesquisa biológicos no ciclo básico, a presença do Instituto Ezequiel Dias, criado quatro anos antes, facilitava extraordinariamente esse uso, ainda mais que Ezequiel Dias era justamente um dos fundadores da Faculdade. Tal aproveitamento não se deu porque os fundadores estavam voltados para a Europa e não para os EUA, e o Instituto Ezequiel Dias foi para a nova Faculdade o que o Instituto Oswaldo Cruz foi para a Faculdade do Rio. A semelhança no relacionamento interinstitucional foi favorecida, inclusive, pelo fato de serem irmãs as esposas de Dias e Cruz.
Assim, a diretriz flexneriana só foi trazida ao Brasil quarenta anos depois pela Fundação Rockefeller, quando já não era mais adequada aos EUA e chegou aqui como uma espécie de sucata ideológica, ítem de exportação freqüente na relação entre o primeiro e o terceiro mundos. A inadequação do modelo Flexner aos EUA e, com mais razão, ao Brasil, na segunda metade do século 20 decorreu do acelerado desdobramento da medicina de consumo. No Brasil, o projeto Rockefeller consistiu em financiar a mudança flexneriana nas três principais faculdades das três maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio e Belo Horizonte. No Rio, alguns catedráticos não quiseram abrir mão de feudos universitários e o financiamento para ali destinado foi deslocado para nova faculdade do interior paulista, em Ribeirão Preto.
Esperava-se que os três currículos modelares logo influenciassem todas as faculdades do país. Mas, por causa do anacronismo da importação do modelo, a diretriz flexneriana logo, em menos de uma década, teve de sofrer modificações de graus variáveis. Os médicos formados nesse período passaram a ser chamados de rockefeller generation. Eram mais bem preparados do que seus antecessores, mas vieram a ser particularmente desajustados quanto aos recursos para clinicar, pior ainda quando assalariados. O melhor resultado foi na área da pesquisa, com impulso significativo, mas os potenciais pesquisadores dessa geração foram lamentavelmente mal aproveitados em número e em qualidade.
Como foi dito, a diretriz importada cedo se frustrou, mesmo porque os próprios norte-americanos passaram a exportar outras diretrizes, cada qual substituída antes que fosse testada, inclusive com a substituição da agência exportadora, quando a Fundação Rockefeller cedeu lugar à Fundação Kellogg e, depois, ao Banco Mundial (motor da privatização), acrescida do uso lamentável da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) como subagências auxiliares. A esse comportamento demos o nome de chuva de modismos (currículo flexneriano, paradigma preventivista, ensino integrado, currículo curto, mastery learning, instrução programada, ensino auto-diretivo, currículo por objetivos, currículo abrangente, integração docente-assistencial, ensino por problema, ensino para a qualidade total, ensino por acreditação, exame de ordem, provão, ensino por evidência, empreendedorismo, currículo humanista e outros em gestação), que prossegue até hoje.
Os fatos relatados aconteceram também na América Ibérica e em outros países habituados a encarar os EUA como modelo. Com a frustração e a desorientação apontadas, acrescida da crescente crise de inflação de custos na assistência médica estadunidense, várias iniciativas independentes de inovação educacional surgiram no México, Inglaterra, Canadá e Brasil. Na própria Organização Panamericana de Saúde, passou a projetar-se cada vez mais a linha independente e original de Juan César Garcia, um argentino que discordava dos paradigmas de exportação, sendo defensor de inovações nascidas das realidades regionais de saúde.
Partidários desta atitude apareceram no México, Peru, Colômbia, Chile e Cuba sendo seu mais notável representante brasileiro Domingos da Silva Gandra. Nos próprios EUA verificou-se fenômeno semelhante em estados como a Flórida, Michigan, Ohio e Novo México, onde pedagogos esboçaram independência diante dos tradicionais centros hegemônicos. Um desses líderes, Lynn P. Carmichael viu sua proposta de médico de família distorcida no nascedouro, quando foi deslocada da graduação para a pós-graduação. Fora das Américas, inovações no Canadá (McMaster) e na Inglaterra (Southampton e Nottingham) influenciaram iniciativas na Holanda (Maastricht), Portugal (Lisboa), Israel (Bem Gurion), Egito (Cairo), Austrália (New Castle) e China (Changai). Infelizmente a estratégia de fortalecimento da União Européia incluiu o desestímulo temporário a inovações educacionais (Bologna), de modo a não acentuar as diferenças entre os países membros.
No Brasil, a inovação mineira levou, a partir de 1979, à regionalização da ABEM, à criação da Associação Mineira de Educação Médica (quando as nove faculdades de então estavam sintonizadas no mesmo rumo de mudança e de se tornarem todas públicas), do Conselho Estadual de Saúde (influenciando a criação de outros conselhos estaduais, dos conselhos municipais e do Conselho Nacional de Saúde) e ao surgimento do internato rural fora da UFMG, inclusive na Amazônia, bem como à eleição de um brasileiro para presidir a OPAS (Carlyle Macedo), de outro brasileiro (Philadelpho Siqueira) para presidir a Federação Panamericana de Escolas Médicas (FEPAFEM) e de um dos líderes (Cid Veloso) a reitor da Universidade Federal de Minas Gerais. O mesmo movimento foi um dos pontos de origem da chamada Campanha das Diretas, ou seja, da redemocratização do país, e seus líderes estavam preparados para provocar inovações semelhantes distribuídas por todo o país, caso houvesse a posse e o governo Tancredo Neves. Se tivesse havido este governo, o sistema de saúde que se esboçava, teria sido o inverso da bagunça atual e seria até mesmo modelo para outros países.
Os governos federais, gradualmente, a partir das administrações José Sarney e Itamar Franco, primaram pelo desmonte de cada uma destas conquistas e por neutralizar e minar a sustentabilidade da inovação mineira. Sarnei, trêmulo diante da prepotência de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan, passou a fazer o contrário de tudo o que Tancredo ia fazer, particularmente favorecendo as universidades católicas em detrimento das federais. Itamar, que, por pressão de denúncias mineiras, acabou com o corrupto Conselho Federal de Educação, quando voltou a Minas para ser governador, teve atitude oposta para com o Conselho Estadual de Educação – e o resultado é o horripilante desastre que aí está, de uma escola médica a cada esquina. Por sinal, as administrações Thatcher e Reagan fizeram tudo para inviabilizar o Congresso Mundial de Educação Médica em Edimburgo, em 1988, e ainda abafaram suas conclusões. Reagan antes já havia imobilizado o brasileiro Carlyle Macedo como presidente da OPAS, escalando espiões que o vigiaram durante todo o tempo de sua gestão.
Tudo isso tornou ininterrupto o sucateamento das universidades públicas, o corte orçamentário e o rebaixamento salarial, transformando os hospitais universitários em caricaturas assistenciais. Mas o principal malefício foi o vilipêndio da educação, convertida em covil de gente gananciosa, obcecada com o lucro a qualquer custo, sob o comando perverso de apedeutas pedagógicos, encastelados em organizações crescentemente milionárias, ornadas com quase todas as características do crime organizado.
As perspectivas mundiais hoje estão melhores, com o crescimento econômico e o fim da era Bush e com Barack Obama ousando tocar no até então intocável setor saúde. Já a América do Sul, antes infelicitada pelo triste trio Menem-Fujimore-Henrique Cardoso, viu emergir, em reação, o trio populista Evo-Chaves-Lula. Ambos os trios exibem, em comum, olímpica indiferença pela saúde e pela educação, cujo futuro, portanto, prenuncia-se sombrio no Brasil e em Minas Gerais. Para nossa maior desgraça, os dois jovens ministros do segundo mandato Lula, exatamente o da saúde e o da educação, despontaram até como presidenciáveis, mas deixaram de sê-lo, em virtude dos escândalos endemo-epidêmicos e do caos na saúde (agravado pelos episódios espantosos do caldo de cana, do açaí, da dengue invencível e dos mistérios da gripe suína) , dos escândalos das verbas educacionais do ENADE e do ENEM, bem como da inteligente ironia de um dos dirigentes de uma faculdade baiana. Como pilotos da trágica nau-insensata da saúde-educação, se subsistirem, serão instruídos a persistir na estratégia de não incomodar a lucratividade sem freios das indústrias de educação e de saúde. E nada de bom pode surgir para a educação e a saúde neste país, caso estas indústrias, cada vez mais poderosas, não sejam disciplinadas e submetidas ao interesse de nossas necessidades sociais.
O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Este texto é fração modificada a partir da palestra de abertura do Congresso Mineiro de Educação Médica, Uberaba, maio de 2007.

sábado, 5 de setembro de 2009



ANTÔNIO GUILHERME E JOSÉ GUILHERME VILELA – DOIS COLEGAS GUILHERMES QUE ARREBATARAM MINHA ORATÓRIA

João Amílcar Salgado

Tenho sido orador em diferentes ocasiões, inclusive em minhas formaturas, exceto em duas e nestas oraram em meu lugar colegas de nome Guilherme. Deixei de discursar pelas circunstancias que narro a seguir.

O primeiro caso foi a formatura no ginásio, em Nepomuceno, que se deu logo após o falecimento de meu pai, perda da qual eu ainda não me recuperara. Então o orador foi o Antônio Guilherme que era negro e inteligentíssimo. Naquela época, em 1951, os professores e alunos do Ginásio Municipal e também os nepomucenenses em geral aplaudiram o acontecimento como demonstração de ausência de preconceito racial. E eu, nos meus 14 anos, acabei tendo a desconfortável impressão de que estava sendo colocado no lado preconceituoso, pois, caso eu fosse o orador, tal demonstração não seria possível.

O segundo caso foi a formatura no científico, em Belo Horizonte, da qual o então governador Juscelino Kubitschek era o paraninfo. Os formandos já haviam escolhido a professora Beatriz Alvarenga, mas, como era centenário do Colégio Estadual, o Juscelino, que estava sendo lançado à Presidência do país, não poderia perder o palanque. A maioria dos estudantes não aceitou a troca da querida professora pelo governador, mas o reitor Eli Menegale impôs autoritariamente a substituição. Eu era um dos líderes a favor da Beatriz e Menegale jamais arriscaria ouvir de mim, na festa, a contestação do paraninfo. E, assim, mais uma vez o orador foi um Guilherme. Era um tranqüilo e afável estudante do curso clássico, que iria passar brilhantemente no vestibular de direito, de nome José Guilherme Vilela – e que certamente não iria ofender o governador. De minha parte, nos meus 17 anos, não fiquei muito ofendido, porque o Zé Guilherme me representava mais que aos outros, já que sou Vilela por linha materna.

Em 2004 nossa turma do Estadual completou 50 anos de formada e fizemos um agradável almoço ao qual compareceram quatro professores da época: Beatriz Alvarenga, Wagner Brandão, Aluizio Pimenta e José Elias Murad. Infelizmente o orador e então magistrado José Guilherme Vilela não pôde, à última hora, vir de Brasília.

Neste momento, lembro estes fatos saudosos dos anos dourados, como homenagem a este nosso querido orador, assassinado há pouco em pavoroso latrocínio.

sábado, 1 de agosto de 2009

AURELIANO CHAVES E OS ABREU SALGADO

João Amílcar Salgado

Antônio Aureliano Chaves de Mendonça nasceu em 1929, portanto tinha cinco anos de idade, quando houve a histórica agressão física a João de Abreu Salgado, contra a qual seu tio Aristides Vieira de Mendonça nada fez. Mais tarde, Aureliano foi aluno de Abreu Salgado, a quem muito prezava, pela influência em sua formação ética. O ex-aluno Toninho, que viria a ser parlamentar, governador e vice-presidente da República, concedeu post-mortem, quando ocupante do Palácio da Liberdade, a Medalha da Inconfidência ao professor João de Abreu, pela vida totalmente dedicada à educação de muitas gerações de todas as camadas sociais. A medalha também premiou João de Abreu Salgado como o primeiro biógrafo do venerável Padre Vítor, com o livro MAGNUS SACERDOS (1946).

O parentesco dos Salgado com os Vieira Chaves de Mendonça ocorre tanto pelo lado dos Ferreira de Brito como pelo lado dos Silva Campos. José Vieira de Mendonça, pai do Aureliano, e João de Abreu Salgado, além de parentes, eram professores de português e latim em Três Pontas, daí resultando certa rivalidade, que, mais de uma vez, resultou em polêmica gramatical. Essa polaridade vernácula refletia também o posicionamento político de ambos, pois Zé Vieira era militante integralista, enquanto João de Abreu era democrata convicto. Curiosamente, a residência de Vieira era freqüentada por Plínio Salgado, enquanto o outro Salgado, João de Abreu, lhes era adverso. Com o fim da ditadura Vargas, voltaram a convergir: Aureliano Chaves, filho de José Vieira, se tornou líder udenista de Três Pontas e João Salgado Filho, filho de Abreu Salgado, se tornou líder udenista da cidade vizinha de Nepomuceno.

O episódio da agressão a João de Abreu Salgado está vivamente relatado no livro da filha Ruth de Abreu Salgado, intitulado MINHA HISTÓRIA, NOSSAS VIDAS (2007). Já um dos pontos altos da biografia de Aureliano Chaves, pouco conhecido, se situa na área da educação e da saúde. Trata-se de seu apoio decisivo ao secretário de saúde Dario Faria Tavares, na implementação do INTERNATO RURAL do curso de medicina da UFMG – conforme está relatado no texto OS 30 ANOS DO INTERNATO RURAL (2008).

sábado, 18 de julho de 2009

O ESCÂNDALO DA CRIAÇÃO DE UM CURSO CHAMADO DE BIOMEDICINA NA UFMG

Acabo de tomar conhecimento pela televisão de triste e inacreditável notícia: A UFMG ESTÁ CRIANDO UM CURSO DE BIOMEDICINA! Faço aqui uma advertência pessoal, ditada por minha amizade a alguns dos respectivos responsáveis. Se a notícia for verdadeira e se a diretoria da Faculdade e sua Congregação nada fizeram contra tamanha leviandade, então a memória da instituição e das pessoas omissas estará irreversivelmente manchada. Isso se aplica igualmente à Associação Médica de Minas Gerais, ao Conselho Regional de Medicina, ao Sindicato dos Médicos e à Academia Mineira de Medicina – extensivamente a cada um e a todos os respectivos membros.



NEUSA VILELA, ANÍBAL SALGADO, EDWARD TONELLI, SÔNIA SHIRLEY E EXPEDITO VILELA FORMAM-SE NO SÃO JOSÉ

Em dezembro de 1955 o Ginásio São José de Nepomuceno diplomou famosa turma cujo convite de formatura é uma preciosidade histórica que divulgamos acima, graças à gentileza da Maria Aparecida Lourençoni.

quinta-feira, 16 de julho de 2009


OS CEM ANOS DO MÉDICO CARLOS CAIAFA FILHO
João Amílcar Salgado
Carlos Caiafa Filho diplomou-se em medicina na atual Universidade Federal de Minas Gerais, em 1934. Isso significa ter ele alcançado um dos momentos mais altos do ensino na Faculdade, alma máter de figuras hoje reverenciadas na história, na ciência, na educação e na medicina, mineiras e brasileiras. De fato, de 1925 a 1935 graduaram-se aí homens como Lucas Machado, Silviano Brandão, Caio Líbano, Juscelino Kubitschek, Pedro Nava, Pedro Sales, Odilon Behrens, José Ferolla, Amílcar Martins, Valdemar Versiani, Orestes Diniz, Guimarães Rosa, Ageu Murta, Josefino Aleixo, Rubem Ribeiro, Osvaldo Costa, Flávio Neves, Sebastião Mesquita, Sócrates Veiga, Manuel Campanário, Vicente Vono, Hilton Rocha, Berardo Nunan, Moura Gonçalves, Aloísio Neves e Noronha Peres. Quando entrou na Faculdade, Juscelino e Nava tinham acabado de sair, mas, em compensação, enquanto era primeiro e segundanista, João Guimarães Rosa era quinto e sextanista.
Na turma de Carlos Caiafa Fo sobressaem Aristóteles Brasil, Ernesto Ayer, Evandro Barros, Henrique Horta, Javert Barros (por sinal, paraninfo de minha turma, que saudei como orador), Bolivar Drummond, Lúcio Nelson de Sena e Oswino Pena So. Dois outros merecem citação especial: Mário de Castro, craque de futebol, e Paulo de Castro Miranda, que foi baleado no conflito entre os estudantes e o reitor Mendes Pimentel, em 1930. Caiafa Filho, então segundanista, foi um dos líderes nesse conflito. A esse propósito, entre os dois Castro (Mário e Paulo) há um fato em comum: se Paulo foi baleado, Mário deixou de jogar em protesto contra a morte de um fã do clube Vila Nova, baleado por um torcedor do Clube Atlético.
Osvaldo Costa, formado em 1931 e que viria a ser o maior dermatologista das Américas, foi outro contemporâneo de Caiafa e Mário. Ele também foi craque do Atlético. Enquanto Mário tinha o apelido futebolístico de Orion, Costa era o goleiro Perigoso, desde o colégio em São João del Rei. O Perigoso foi o mais famoso goleiro do Atlético, antes do Cafunga. Tive o privilégio de conversar longamente com o Osvaldo Costa, o Cafunga e o Caiafa, cada qual em separado, sempre relembrando com humor aqueles tempos de romantismo e boemia. Nessas conversas, dois outros craques eram mencionados recorrentemente: Guará e Friedenreich. As lembranças de Caiafa eram facilitadas pelo acervo atleticano de seu escritório doméstico: uma escultura de um galo carijó, baseada em desenho do Mangabeira, a bandeira, o diploma de Sócio Benemérito e muitas fotos. Coincidentemente, após o falecimento dos três (Caiafa Filho, Osvaldo Costa e Cafunga), me tornei amigo quase cotidiano de Fernando Pieruccetti, o Mangabeira. Mais tarde ainda, me tornei grande amigo de outro grande médico e grande craque atleticano, este no final da década de 30: Hélio Lopes, que, como goleador, era o aclamado Gauchinho, embora legítimo ouropretano.
E a coisa não finda aí: mais outro craque representa surpreendente ligação entre Carlos Caiafa Filho e a história atleticana. É nada menos que Dondinho, o pai de Pelé. Isso porque Caiafa foi o primeiro treinador do Dondinho (João Ramos do Nascimento), na equipe da Congregação Mariana de Campos Gerais, entre 1936 e 1938. Em seu livro VIDA DE MENINO ANTIGO, Caiafa Filho diz que, antes disso, o Dondinho era da turma rival de meninos, com a qual seu grupo entrava em briga de rua, quase a cada dia. Brigavam contra a turma do Carlito do Euzébio (sobrinho do Padre Maurício), entre os quais estavam o Rodão, o João Rabelo, o Geraldo do Guilherme Surdo, o Benedito Rabelo, o Marcelo, o Gaguinho, o Dondinho (futuro pai do PELÉ), o Morais, o João Trancolino (o Dá Um Pé...) e outros de que não me lembro agora. O sonho do garoto Dondinho devia ser poder chutar bola no campinho do Largo da Matriz, em frente à Casa Caiafa. Ali o Caiafinha era o dono da bola, do campo, do time e até de alguns jogadores, como o Canhão da Flausina ..., seu grande amigo.
Carlos Caiafa Filho é filho de um imigrante italiano (nascido em Castel Ruggero, região de Salerno, vindo menino para Minas), mas, em vez de torcedor do Palestra Itália (hoje Cruzeiro), clube futebolístico da colônia italiana, ou do América, clube dos estudantes universitários, foi desde cedo apaixonado pelo Atlético. A explicação está na convivência e amizade com o trio maldito, reinante nos campeonatos de 1927 a 1932. O trio encantou os atleticanos com incríveis jogadas e numerosos gols e era formado pelo citado Mário e por Said (Said Paulo Arges) e Jairo (Jairo Assis Almeida). Nessa época o campo do Atlético localizava-se onde hoje é o Mercado Central, enquanto o do seu maior rival, América, ficava defronte: onde hoje é o Minascentro.
Caiafa Filho é meu ex-sogro e também meu parente. O casamento de seu pai com a dona Umbelina Ferreira de Brito, consangüínea de meu avô, teve a influência deste. O Caiafa, pai, deslocou-se de Campos Gerais a Três Pontas para fazer o curso de normalista, que nesta época era para ambos os sexos. A Escola Normal Municipal de Três Pontas, surgida do Padre Vítor e do médico e senador estadual Josino de Paula Brito, na virada do século 19 ao 20, é marco cultural na região. Meu avô era colega de turma do Caiafa e aí é que deve ter favorecido seu namoro com a futura esposa. Na biblioteca da família foi preservada uma HISTÓRIA SAGRADA e nela se lê: este livro me foi oferecido por meu estimado amigo e colega João de Abreu Salgado (a) Carlos Caiafa. Quem resguardou o livro foi a filha Anita, por sua vez casada no ramo Mesquita dos Brito, no caso o farmacêutico José Augusto de Mesquita (colega de profissão, parente e amigo de meu pai, João Salgado Filho). Esta dama típica da aristocracia regional comentou comigo: que pena que esses dois normalistas, tão amigos, os bisavós Carlos e João, não tenham sabido (ou talvez saibam) que teriam os mesmos bisnetos!
Quando Carlos Caiafa Filho chegou como jovem médico a Campos Gerais, seu pai, em vez de professor, era forte fazendeiro e alto comerciante, na prosperidade ressurgida da crise de 1929. De presente de formatura, entregou ao filho uma baratinha último tipo, daquelas de poltrona escamoteável no porta-malas. O jovem, sem dúvida o melhor partido da cidade, mas que não era nenhum galã, teve pouca dificuldade em conquistar a moça mais bonita dali, Alzira Rabelo de Figueiredo - permanentemente bela por nove décadas.
Sabedor disso, passei a estimular Caiafa Filho a escrever seu livro de memórias, ainda mais que ele estudou interno no colégio marista de Varginha (e também no do Rio de Janeiro), sendo que fui ali interno três décadas depois. Nossas memórias seriam complementares, tanto no referente ao internato como ao curso de medicina. Infelizmente ele, excelente calígrafo apesar de médico, redigiu em manuscrito apenas o primeiro volume e assim deixou de nos brindar com histórias incríveis do mundo estudantil e do mundo docente de nossa Faculdade. Seu livro revelou um autor de escrita fácil e cativante, cheio de bossa humorística, talento cedo manifestado, mas tardiamente efetivado. A dona Alzira ficou de certo modo aliviada por não ver publicadas algumas das coisas que o autor prometia para o segundo volume, com o título de MINHA VIDA DE ESTUDANTE DE MEDICINA.
De meu lado, sei também de muita coisa que sairia nesse volume e digo que seria sensacional, especialmente o anedotário das repúblicas e o incidente com o Reitor. Mas seria também de excepcional interesse um terceiro volume, com o relato de sua vida de médico em Campos Gerais. A tarimba ali acumulada, ele a trouxe consigo quando veio para Belo Horizonte. Aqui passou a cuidar de variada clientela, pois atendia em consultório na própria residência, na Zona Sul, e também na periferia. Cliniquei às vezes a seu lado e sei de sua competência, repleta de truques preciosos, e que era especial em pediatria. Dizia o farmacêutico Joaquim Augusto Rabelo (Quinca Rabelo, tio de sua esposa e também contemporâneo de meu pai, com quem eu adorava conversar) que o Caiafa já se formou bom pediatra, mas se tornou melhor ainda, depois da dúzia de filhos que muito bem criou e educou.

domingo, 17 de maio de 2009


NILO LIMA BARRIOS OUTRO IMPORTANTE HISTORIADOR NEPOMUCENENSE
João Amílcar Salgado
Para enaltecer a memória de um lugar a gente deve reconhecer antes o amor de seus historiadores pela vida ali vivida. Depois de dizer da importância do historiador João Menezes Neto, passo a mostrar o valor de outro: o ilustre odontólogo Nilo Barrios, que pacientemente vem coligindo fatos, principalmente fotos, do passado da Vila.
Dona Leolita Lima Barrios, sua mãe, foi a maior amiga de infância de minha mãe, que sempre relembrava os momentos felizes passados na legendária fazenda da Santa Cruz, do pai daquela, cujo casarão foi infelizmente demolido, mas que hoje se vê de certo modo revivificada por sediar o pesqueiro do Getúlio. Já o Nilo, além de meu querido parente, foi meu contemporâneo na mesma Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na qual graduamos em plenos anos dourados, no mesmo mês de dezembro de 1960 – fazendo-se ele dentista e eu médico. Hoje tenho a maior inveja do Nilo, porque seu paraninfo foi nada menos do que Juscelino Kubitschek, em seu último ano de presidente da República. Mostro anexa a foto do formando sendo cumprimentado pelo padrinho JK, e podemos ver em seu rosto a imorredoura emoção daquele instante.
Por sua vez JK deveria estar especialmente feliz nesse dia porque prezava muito o dentista Pedro Paulo Penido, então reitor da UFMG e antes seu companheiro de Túnel da Mantiqueira, aqui no Sul de Minas, na revolução de 1932. Quando governador, JK quis dar a Diamantina, sua terra natal, uma Universidade, começando por uma Faculdade de Medicina, já que era médico. Os médicos, quase todos udenistas, inviabilizaram tal idéia e seu grande amigo Penido o ajudou a iniciar a futura Universisdade com o curso de Odontologia, em 1953. O sonho de JK só se cumpriria em 2005 quando foi institucionalizada a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, devendo contar futuramente com o curso médico. Esta é a razão da emoção de JK na formatura do nepomucenense Nilo Lima Barrios, que, por sinal, é contra-parente da esposa Sara de JK (ligada a dois ramos nobres do Sul de Minas: os Negrão de Lavras e os Lemos de Passos).
Nos anos dourados, cada nepomucenense que se formava era brindado com uma festa a mais na Vila, pois seus familiares providenciavam comes-e-bebes para sua chegada, que era triunfal. Os carros saíam para esperar o homenageado na Ponte da Dona Mariana, na antiga estrada de terra (foi assim que a Vila inventou a carreata), e vinham todos buzinando (e aí foi inventado o buzinaço), com foguetório, até a casa dele - onde era saudado por um futuro colega e por um neo-colega. Todos os que viveram tais momentos os relembram nostálgicos. Na foto desta festa do Nilo reconhecemos as seguintes pessoas: Francisco Vilela Lopes, João Menezes Neto, professor Vítor (Diretor do Ginásio), José Maria Ribeiro (mestre de cerimônia), os pais do Nilo (Daniel e Leolita Barrios) e o também dentista José Augusto Moreira da Silva. Logo Nilo Lima Barrios se revelou excelente profissional e isso era previsível porque cursou a UFMG em período áureo. Demais, exibe desde então rara harmonia entre habilidade manual, bela cultura odontológica e educadíssimo trato com os pacientes.
Estamos ansiosos pelo livro ilustrado que o Nilo prepara. Posso garantir, pelo que já me mostrou, será riquíssimo de imagens e de fatos reveladores. E será mais um desafio a que outros o imitem na reconstituição do passado nepomucenense.

terça-feira, 12 de maio de 2009


VÍTOR SANFONEIRO HOMEM-SHOW NA FEIRA DE NEPOMUCENO



A feira aos sábados na Vila transformou-se num passeio gostoso, mesmo para quem não necessita comprar nada. Não perco uma feira, quando estou na cidade, e foi lá que encontrei meu novo amigo, o VÍTOR SANFONEIRO. Em pouco tempo, deu para concluir que este nepomucenense é um homem-show autêntico, porque reúne e exibe muito talento e variados recursos de apresentação. Entusiasmado com o primeiro número, eu quis saber de onde ele era. Pelo que a Vera Chaves e meu primo Ivã Garcia me informaram, o Vítor pertence a uma família amiga, gente que vem de antiga ligação com a farmácia de meu pai. Eis acima a foto de nosso abraço fraterno naquele dia (vitorsanfoneiro@hotmail.com)

sábado, 18 de abril de 2009

CARLOS AMÍLCAR SALGADO RECEBE A MEDALHA DA INCONFIDÊNCIA
A Medalha da Inconfidência é a maior condecoração oferecida em Minas Gerais e é concedida pelo governo do Estado a personalidades que contribuíram para o desenvolvimento do Estado e do País. Trata-se de tributo de honra criado por Juscelino Kubitschek quando foi governador dos mineiros. Os condecorados a recebem no dia 21 de abril, na solenidade oficial comemorativa da morte heróica de Tiradentes. Neste ano de 2009, o médico CARLOS AMÍLCAR SALGADO recebe a medalha das mãos do governador Aécio Neves. Outro agraciado no presente ano é o cantor Francisco Buarque de Holanda, que conta com ilustre ramo mineiro entre seus ascendentes. Carlos Amílcar Salgado é o terceiro de uma série de agraciados na mesma família, pois seu bisavô, o pedagogo e historiador João de Abreu Salgado, a recebeu “post-mortem” do governador Aureliano Chaves e seu pai, o também médico João Amílcar Salgado, a recebeu do governador Tancredo Neves.

quinta-feira, 19 de março de 2009

AO PERSISTIREM OS SINTOMAS OS MÉDICOS DEVERÃO SER CONSULTADOS SOBRE O COLAPSO DE SUA DIGNIDADE PROFISSIONAL

Nós, os médicos, estamos sendo agredidos a cada momento com o apelo em favor da auto-medicação: é quando a propaganda de remédio finaliza cada anúncio com a cínica advertência de que, AO PERSISTIREM OS SINTOMAS, UM MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. É como se o fabricante de tais remédios esteja a dizer ao sofrido povo brasileiro: OLHE, CONSUMA EM MASSA ESTA PORCARIA PARA QUE EU LUCRE MACIÇAMENTE, MAS, SE ALGO DER ERRADO, FIQUE TRANQÜILO, OS MÉDICOS SERÃO MEUS CÚMPLICES. Sim, os médicos cuidarão da trapalhada e terão renda adicional às custas desta mesma trapalhada. Em suma, esta farsa está levando o médico a participar de gravíssimo crime, que é o incitamento à auto-agressão. Como os Conselhos Federal e Estadual de Medicina até agora não agiram - tal cumplicidade já deixou de ser condenavelmente passiva para ser inacreditavelmente ativa. Em minhas palestras, sempre toco nesse assunto, para dizer que A PERSISTENCIA DESSA CÍNICA ADVERTENCIA deve ser assumida como indicador central do colapso da profissão médica no Brasil. No dia em que tal advertência deixar de ser veiculada, será o sinal de que enfim o médico brasileiro começa a recuperar sua dignidade profissional. Nesse dia, o médico estará começando a se reerguer das bofetadas que lhe vêm sendo inflingidas a cada anúncio. E, nesse dia, os orgãos corporativos estarão deixando de se curvar, saindo de sua posição de vergonhosa submissão e de inofensiva complacência, para afirmarem que existem de fato.

sexta-feira, 13 de março de 2009

JOÃO MENEZES NETO - nepomucenense de memória inigualável e rara inteligência crítica
João Amílcar Salgado
Na minha infância, quando éramos vizinhos, ele era o Joãozinho da dona Norvina, isto porque, na Vila daquele tempo, as crianças eram das mães e não dos pais. Eu, por exemplo, era o Amírca da dona Vange. Só que o João(zinho) Menezes Neto estudava na cidade na casa dos avós, enquanto seus pais ficavam lá na fazenda do Sapé. Então ele era da dona Norvina, mais especificamente, Norvina Garcia Frade Menezes, sua avó paterna, que também pode ser considerada minha avó emprestada, de tanto que eu passava os dias em sua casa e em sua companhia. Ela morava no comércio, como se dizia, mas, na sua prosa, nos seus cacoetes e principalmente nas coisas deliciosas de sua cozinha, ela nunca abandonou a legendária fazenda do Morembá, onde foi criada e de onde saiu para casar com o João Evangelista de Menezes, o maior amigo de meu pai. A dona Norvina, (comadre de minha mãe por ser madrinha de minha irmã Neusa) foi uma das pessoas mais adoráveis que conheci.
O Joãozinho Menezes, desde pequeno, passou a jogar futebol no campinho da rua Nova (rua João Inácio Dias), de onde surgiram vários craques da Vila, um deles ele, que, quando foi estudar e jogar no Instituto Gammon em Lavras, recebeu o apelido de Farelinho, com o qual foi aplaudido goleador nos estádios da região. E nesse colégio ele brilhou também no atletismo, projetando-se como velocista. Melhor ainda foi seu desempenho nos estudos, diplomando-se excelente dentista. No curso e na prática odontológica logo se revelou não só hábil mas ágil cirurgião, de tal maneira que, se tivesse cumprido seu desejo de estudar também medicina, teria feito enorme sucesso como médico cirurgião. De qualquer modo essa sua vocação médica vem sendo concretizada por meio do filho Henrique Lima de Menezes, meu ex-aluno que se revelou médico de rara competência e impressionante dinamismo, do neto Marcelo Menezes Breyner e certamente de outros descendentes.
Usando de minha condição de pedagogo na área da saúde, afirmo que é uma pena que este cérebro maravilhoso não tenha sido professor universitário. Ele tem uma espécie incomum de capacidade de memorização: a memória enciclopédica associativa. Isso quer dizer que seus neurônios acumulam as informações não só sem qualquer esforço, mas as conservam automaticamente associadas. O engenheiro Antônio Lívio Salgado, ex-diretor das Centrais Elétricas de Minas Gerais, confessou-me que o João Menezes Neto foi o melhor entre os melhores professores que encontrou em nosso antigo Ginásio São José, onde ministrou aulas de Ciências, com invejável firmeza e indelével clareza. Todos os conterrâneos já sabem dessas suas qualidades superiores, principalmente os que já conversaram com ele sobre três assuntos: futebol, parentesco e anedotário municipal.
De futebol fala de cátedra, pois, além de ex-craque, acompanha o noticiário cotidiano e, na rua em que mora, a cada minuto, topa alguém com quem lembra um momento memorável do futebol nepomucenense, brasileiro ou mundial. Por exemplo mostrei-lhe uma foto emprestada pelo Bôca (Clécio Felicori, outro brilhante ex-craque) e ele identificou cada pessoa, sendo que a foto era de 1937! E ele arrematou: o Romeu Felicori, este aqui, foi um jogador tão excepcional que, se tivesse aceito o convite para carreira fora da Vila, teria chegado à seleção nacional.
Em matéria de parentesco, o Joãozinho foi preciosa fonte para sua prima, a Denise Garcia, quando ela escrevia o livro OS GARCIA-FRADE. Certo dia ele me perguntou se o escritor Luiz Vilela havia localizado o nome dele entre os Garcia-Frade. Respondi que eu mesmo fiz essa pergunta ao Luiz e este me disse que ouvira falar por alto da publicação. O Joãozinho ficou surpreso e exclamou: Então ele, um escritor, não leu o livro?!.... Depois de acalmá-lo, expliquei que há pessoas, mesmo escritores, que não dão valor a parentescos. E acrescentei: isso indica que os estudiosos de genealogia não são tão comuns e devem ser estimulados, pois a história de Minas Gerais só pode ser conhecida por meio dos segredos escondidos nas árvores genealógicas.
No anedotário municipal, o Joãozinho também não tem competidor. Alguns dos melhores causos de meu livro O RISO DOURADO DA VILA foram fornecidos por ele, que, aliás, em virtude destes e outros subsídios, deveria figurar como co-autor da obra. Além disso, ele é primo do Vito Paca (Vítor Menezes Bernardes) e sobrinho-neto do Joãozico Meneiz (João Batista de Menezes). O Vito e o Joãozico são dois dos personagens-campeões do anedotário da Vila. O repertório de ambos foi-me passado pelo Joãozinho por meio de uma áudio-fita, que gravei em duas longas e gargalhantes tardes.
Mais que dos Garcia-Frade, o Joãozinho é o cronista da família Menezes. Os Menezes de Nepomuceno se ligam aos aristocratas Menezes da Espanha e Portugal, que vieram para o Brasil antes de D. João VI e com ele. São gente da alta nobreza documentada desde o século IX, remontando, a partir dos Teles de Menezes, às casas reinantes dos reis leoneses-asturianos. Ao longo desse tempo milenar, somam escritores, governantes, militares, religiosos, profissionais liberais, educadores, historiadores, artistas e desportistas.
Em Nepomuceno, os primeiros Menezes notáveis são um militar, herói da Guerra do Paraguai e da Retirada da Laguna – o Capitão João Antônio de Menezes - e um sacerdote - o Cônego João Evangelista de Menezes - hoje nome da antiga praça do Rosário. Aos dois deve ser acrescentado um primoroso artista, autor da nossa escultura do SENHOR MORTO (e de outros lavores na Matriz de Campo Belo): Francisco Gorgonha de Menezes. Os três são filhos do ilustre cidadão campobelense Manuel Francisco de Menezes. Outra cidade que conta com ilustres consanguíneos do ramo destes Menezes é Piumhi.
Quando o Joãozinho e eu relatamos tal origem fidalga ao hoteleiro João Tito de Menezes, ele exclamou: eu devia saber disso há mais tempo, para cortar o topete de muita gente metida a ser de família importante e que, vai ver, não é nada! O próprio João Tito deveria ser nome de mais de um lugar. Proponho que a chamada Ponte dos Menezes passe a chamar-se PONTE DO TITO MENEZES, como a chamávamos.
Já o Joãozinho da dona Norvina, esse também é digno de homenagem mais que merecida. Sugiro que o governo municipal, além de mudar o nome da ponte, outorgue formalmente ao seleto João Menezes Neto o título com o qual o povo da Vila já o consagrou: o de HISTORIADOR EMÉRITO DE NEPOMUCENO.

O autor é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e historiador do Sul de Minas

quinta-feira, 12 de março de 2009

OS 80 ANOS DE CLIMAR PAIVA – ILUSTRE ALVES VILELA
Os cidadãos nativos e adotivos da Vila estão acompanhando com aplauso a sucessão de reuniões de clãs locais. No momento, a propósito da terceira reunião dos Alves Vilelas, sugiro duas coisas. Primeiro, que todas as demais famílias nepomucenenses façam congraçamentos semelhantes. Segundo, que a próxima dos Vilelas seja uma reunião conjunta de todos os sub-ramos, numa autêntica VILELADA.
A primeira festa foi a dos 90 anos da mui amada Maria Tagliaferri Vilela, na agradável fazenda de sua filha Glorinha, regida (a fazenda e a comemoração) pelo esposo desta, o Toninho Lima Reis – imbatível na fidalguia com que recebe cada um e a todos. A segunda, comandada pelo casal Roberto Vilela Gonçalves e Elina Lima, foi a reunião dos numerosos descendentes do legendário João Alves Vilela Lima. Este foi um Alves Vilela autêntico e tão marcante e em tantos aspectos, sobretudo por sua inventividade e sua habilidade fitoterapêutica, que será objeto de livro biográfico, coordenado pelo neto Evódio Vilela – destacado docente da Universidade Federal de Lavras. A terceira acaba de ocorrer em comemoração aos 80 anos (que parecem menos de 60) da vitoriosa Climar Vilela Paiva, quando foi oportuno homenagear também seu saudoso esposo Jainir Santos Paiva (nosso Nininho), os filhos, irmãos e inesquecíveis genitores.
Divulguei ali um texto que assim termina: Exemplo ilustre dos Alves Vilelas de Nepomuceno são os filhos do casal Jainir-Climar: MARCOS, EDILSON, RENATO e LUCIANO. São todos engenheiros agrônomos (como outros notáveis Vilelas agrônomos), com pós-graduação nos EUA e que brilham na Universidade, na Embrapa ou como empresários – um por um verdadeiros cientistas que honram o boom agrícola que ora vivemos e, mais que isso, a tradição de pesquisa agronômica de Minas e do Brasil. Em Ituiutaba, exemplo igualmente nobilitante dos Alves Vilelas é o jurista João Batista Vilela (como outros notáveis Vilelas juristas e escritores), astro maior, em Minas, no Brasil e no exterior, na especialidade do Direito Privado.
Em adendo especial, fiz a seguinte evocação:
CLYDE ALVES VILELA – MINHA TERNA REFERÊNCIA NO PANFLETO E NO HUMOR
Clyde Alves Vilela, meu inesquecível Tio Lela, recebeu este nome inglês de meu avô Joaquim Alves Vilela, que primou por escolher nomes sofisticados da história e da literatura para os filhos: DEMÉTRIO, ADELAIDE, ADÉLIA, LICÍNEA, CLYDE e EVANGELINA. O povo da Vila recusou a pronúncia inglesa e fez bem em apelidar o Clyde de Lela. Ele foi uma inteligência incomum, exímio e criativo farmacêutico (inventou vários remédios de manipulação) e também temido panfletário na política municipal. Estas qualidades me foram espontaneamente apontadas por seu parente e amigo de juventude Oscar Negrão de Lima, catedrático de Medicina Legal da atual UFMG.
Além de usar de inteligência e criatividade privilegiadas no exercício profissional, no jornalismo partidário e no jogo de xadrez, usou-as em duas outras áreas, hoje marco na tradição de nossa família. Foi um dos contribuintes célebres ao folclore estudantil de Ouro Preto, para onde, no curso de Farmácia, levou o senso de humor inigualável de sua cidade natal – e criou para os filhos que teve com a também inesquecível tia Mariinha (Maria Cardoso Vilela) nomes tão originais quanto designativos de algumas das pessoas mais estimadas da vida nepomucenense: CLIMAR, MARCLI, CLYDE, ILCRAM e RAMILC. Em meu livro de memórias O RISO DOURADO DA VILA, de 2003, procurei deixar fixados para sempre estes e outros dos traços essenciais desse paradigmático grupo familiar sulmineiro.

O autor João Amílcar Salgado é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina e do Sul de Minas da Universidade Federal de Minas Gerais