domingo, 23 de novembro de 2008

VINÍCIO DE TODOS OS PALCOS

João Amílcar Salgado

Tangos arrabaleros, boleros de arrastre, valsas e canções seresteiras – eis o encanto que desfruto freqüentemente junto ao grupo do Vinício, com seus músicos feiticeiros: Nievas, Maximiano, Lenice, Ramonda e Fernando. São brasileiros e argentinos que extraem, de cochichos de violinos e resmungos de gaitas, malabares melódicos para a gente fruir e sonhar. Quem os irmana é um maestro zíngaro, com ascendentes galego-ítalo-franceses - doublé de ator e cantor, de arranjador e intérprete – provando ser o mais poeta (mal dos Vinícios) dos Tisos, todos poetas. Por que? Porque se recusa, como ocorreu a Chaplin, a deixar de ser a criança que de fato é. Encanecido, ainda é o pirralho que brincava de pique com o garoto Aureliano, na praça acolhedora de Três Pontas. É o sempre menino, herdeiro de muitos traços da mãe-heroina Antonieta, e que acompanhava encantado o pai, o irrecuperável boêmio Mário (dono de uma legenda em seu rastro), pelos bailes da vida, comendo poeira aos solavancos das boléias.

Estávamos no coquetel do Pedro Bial, celebrando o documentário sobre Guimarães Rosa. Rara ocasião de encontros inapagáveis, por exemplo entre a maior autoridade mundial em Rosa, Luiz Savassi Rocha, e o januarense Levínio Castilho, descendente de Rotílio Manduca, o Zé Bebelo existido de carne-e-osso. Mostro a Castilho a flautista Taciana, o ornamento musical da confraternização - grávida e angelical, tão digna do maior silêncio e tão indiferente ao bla-bla-blá invencível. Garanto: virtuose na flauta como o pai no violino! Lembro-lhe, demais, que o Juscelino incentivou o maestro Epaminondas a constituir a maior orquestra de violinos do mundo aqui no Brasil, aplaudida de 1950 a 80, e nela estava incluído o violino vibrante do Vinício. Imediatamente, Levínio quis a família e a respectiva orquestra em sua inesquecível festa de cidadão honorário. E até hoje o vejo com sua esposa Teresinha, de origem bom-despachense, a sempre bela musa de Guignard, em rodopios de valsas e tangos, tendo em volta os irresistíveis violinos tisos. Eram o norte e o sul de Minas frente a frente, temperados pelos eflúvios de um bom despacho e da melhor cachaça. Ora o deputado montesclarense Genival Tourinho explicava o fenômeno humano chamado Simeão Ribeiro Pires, ora o sindicalista nepomucenense Luiz Fernando Maia dizia das façanhas de seu pai Alfredinho Maia e dos vínculos oeste-sul entre Assunçãos. Ora, então, valsavam o neuriatra Guilherme Cabral e a arquiteta Solange, aplaudidos sem socapa.

Agora, estamos num sábado de supermercado e lá está a troupe do Vinício, enlevando os consumidores em doces acordes. Que ótima idéia, que sacada feliz! Vejo os rostos duros se abrindo. Vejo os olhares se alongando em saudades reincidentes. Vejo lábios sintonizados na evocação de letras que dizem mais do que dizem. E tais respostas são captadas pelos menestréis que redobram o dolorido de tons e entre-tons. E o mais belo de tudo é a nobreza dos músicos, que não é diminuída pelo ambiente. Ao contrário, é o recinto que se enobrece com a humildade cativante deles todos, cada qual merecedor de récita e coro sinfônico, cada qual generoso no talento que sobeja.

Parabéns ao gerente que percebeu esta surpreendente brecha entre a sociedade de consumo e a tradição seresteira destas paragens! Parabéns à gente belorizontina, pelos semblantes recuperados, humanizados, ternos, desta manhã de sábado! Parabéns, enfim, aos prestidigitadores musicais, inventores desta nova prática matinal de beleza.

Um comentário:

ana disse...

Ola parente nepomucenense; na verdade sou agregada, o seu parente é o Carlos, meu marido;
dicas: quinzinho, cida, vo ia, therezinha, vo sebastiao, liginha, riuma, toninho...
Li o artigo sobre catação de risco e livro de sua autoria; até então nao sabia diagnosticar..tratava este tema como defeito ou alteração
Alteração é sintoma precoce do defeito (sinal de alerta do defeito_); o defeito é pura catação de risco, e às vezes o pior.. pós catação de risco..
Sou medica, meu irmao psiquiatra, e nao conheciamos este CID. Quando fará parte do Compêndio Médico?
Preciso manter contato e saber como tratar destes casos..