sexta-feira, 13 de março de 2009

JOÃO MENEZES NETO - nepomucenense de memória inigualável e rara inteligência crítica
João Amílcar Salgado
Na minha infância, quando éramos vizinhos, ele era o Joãozinho da dona Norvina, isto porque, na Vila daquele tempo, as crianças eram das mães e não dos pais. Eu, por exemplo, era o Amírca da dona Vange. Só que o João(zinho) Menezes Neto estudava na cidade na casa dos avós, enquanto seus pais ficavam lá na fazenda do Sapé. Então ele era da dona Norvina, mais especificamente, Norvina Garcia Frade Menezes, sua avó paterna, que também pode ser considerada minha avó emprestada, de tanto que eu passava os dias em sua casa e em sua companhia. Ela morava no comércio, como se dizia, mas, na sua prosa, nos seus cacoetes e principalmente nas coisas deliciosas de sua cozinha, ela nunca abandonou a legendária fazenda do Morembá, onde foi criada e de onde saiu para casar com o João Evangelista de Menezes, o maior amigo de meu pai. A dona Norvina, (comadre de minha mãe por ser madrinha de minha irmã Neusa) foi uma das pessoas mais adoráveis que conheci.
O Joãozinho Menezes, desde pequeno, passou a jogar futebol no campinho da rua Nova (rua João Inácio Dias), de onde surgiram vários craques da Vila, um deles ele, que, quando foi estudar e jogar no Instituto Gammon em Lavras, recebeu o apelido de Farelinho, com o qual foi aplaudido goleador nos estádios da região. E nesse colégio ele brilhou também no atletismo, projetando-se como velocista. Melhor ainda foi seu desempenho nos estudos, diplomando-se excelente dentista. No curso e na prática odontológica logo se revelou não só hábil mas ágil cirurgião, de tal maneira que, se tivesse cumprido seu desejo de estudar também medicina, teria feito enorme sucesso como médico cirurgião. De qualquer modo essa sua vocação médica vem sendo concretizada por meio do filho Henrique Lima de Menezes, meu ex-aluno que se revelou médico de rara competência e impressionante dinamismo, do neto Marcelo Menezes Breyner e certamente de outros descendentes.
Usando de minha condição de pedagogo na área da saúde, afirmo que é uma pena que este cérebro maravilhoso não tenha sido professor universitário. Ele tem uma espécie incomum de capacidade de memorização: a memória enciclopédica associativa. Isso quer dizer que seus neurônios acumulam as informações não só sem qualquer esforço, mas as conservam automaticamente associadas. O engenheiro Antônio Lívio Salgado, ex-diretor das Centrais Elétricas de Minas Gerais, confessou-me que o João Menezes Neto foi o melhor entre os melhores professores que encontrou em nosso antigo Ginásio São José, onde ministrou aulas de Ciências, com invejável firmeza e indelével clareza. Todos os conterrâneos já sabem dessas suas qualidades superiores, principalmente os que já conversaram com ele sobre três assuntos: futebol, parentesco e anedotário municipal.
De futebol fala de cátedra, pois, além de ex-craque, acompanha o noticiário cotidiano e, na rua em que mora, a cada minuto, topa alguém com quem lembra um momento memorável do futebol nepomucenense, brasileiro ou mundial. Por exemplo mostrei-lhe uma foto emprestada pelo Bôca (Clécio Felicori, outro brilhante ex-craque) e ele identificou cada pessoa, sendo que a foto era de 1937! E ele arrematou: o Romeu Felicori, este aqui, foi um jogador tão excepcional que, se tivesse aceito o convite para carreira fora da Vila, teria chegado à seleção nacional.
Em matéria de parentesco, o Joãozinho foi preciosa fonte para sua prima, a Denise Garcia, quando ela escrevia o livro OS GARCIA-FRADE. Certo dia ele me perguntou se o escritor Luiz Vilela havia localizado o nome dele entre os Garcia-Frade. Respondi que eu mesmo fiz essa pergunta ao Luiz e este me disse que ouvira falar por alto da publicação. O Joãozinho ficou surpreso e exclamou: Então ele, um escritor, não leu o livro?!.... Depois de acalmá-lo, expliquei que há pessoas, mesmo escritores, que não dão valor a parentescos. E acrescentei: isso indica que os estudiosos de genealogia não são tão comuns e devem ser estimulados, pois a história de Minas Gerais só pode ser conhecida por meio dos segredos escondidos nas árvores genealógicas.
No anedotário municipal, o Joãozinho também não tem competidor. Alguns dos melhores causos de meu livro O RISO DOURADO DA VILA foram fornecidos por ele, que, aliás, em virtude destes e outros subsídios, deveria figurar como co-autor da obra. Além disso, ele é primo do Vito Paca (Vítor Menezes Bernardes) e sobrinho-neto do Joãozico Meneiz (João Batista de Menezes). O Vito e o Joãozico são dois dos personagens-campeões do anedotário da Vila. O repertório de ambos foi-me passado pelo Joãozinho por meio de uma áudio-fita, que gravei em duas longas e gargalhantes tardes.
Mais que dos Garcia-Frade, o Joãozinho é o cronista da família Menezes. Os Menezes de Nepomuceno se ligam aos aristocratas Menezes da Espanha e Portugal, que vieram para o Brasil antes de D. João VI e com ele. São gente da alta nobreza documentada desde o século IX, remontando, a partir dos Teles de Menezes, às casas reinantes dos reis leoneses-asturianos. Ao longo desse tempo milenar, somam escritores, governantes, militares, religiosos, profissionais liberais, educadores, historiadores, artistas e desportistas.
Em Nepomuceno, os primeiros Menezes notáveis são um militar, herói da Guerra do Paraguai e da Retirada da Laguna – o Capitão João Antônio de Menezes - e um sacerdote - o Cônego João Evangelista de Menezes - hoje nome da antiga praça do Rosário. Aos dois deve ser acrescentado um primoroso artista, autor da nossa escultura do SENHOR MORTO (e de outros lavores na Matriz de Campo Belo): Francisco Gorgonha de Menezes. Os três são filhos do ilustre cidadão campobelense Manuel Francisco de Menezes. Outra cidade que conta com ilustres consanguíneos do ramo destes Menezes é Piumhi.
Quando o Joãozinho e eu relatamos tal origem fidalga ao hoteleiro João Tito de Menezes, ele exclamou: eu devia saber disso há mais tempo, para cortar o topete de muita gente metida a ser de família importante e que, vai ver, não é nada! O próprio João Tito deveria ser nome de mais de um lugar. Proponho que a chamada Ponte dos Menezes passe a chamar-se PONTE DO TITO MENEZES, como a chamávamos.
Já o Joãozinho da dona Norvina, esse também é digno de homenagem mais que merecida. Sugiro que o governo municipal, além de mudar o nome da ponte, outorgue formalmente ao seleto João Menezes Neto o título com o qual o povo da Vila já o consagrou: o de HISTORIADOR EMÉRITO DE NEPOMUCENO.

O autor é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e historiador do Sul de Minas

Um comentário:

AAA disse...

Dr. João Amilcar, quero parabenizá-lo através desse trabalho a todos os anteriores. Todo jovem de Nepomceno deveria ler os artigos postados no seu blog, para que tomassem conhecimento de um pouco da nossa história contada de forma alegre e descontraída. Parabéns por todo esse memorial que ficará certamente gravado para todo o sempre.
Abraços,
Antônio Antunes Almeida.