quinta-feira, 19 de junho de 2008

A ONOMATOMANCIA NEPOMUCENENSE
João Amílcar Salgado
Os habitantes da cidade de Nepomuceno desenvolveram há muito tempo o hábito de achar semelhanças fisionômicas entre as pessoas. De mania divertida passou a ser um esporte, principalmente por influência do cinema, quando vários artistas que apareciam na tela eram apontados como semelhantes a pessoas da cidade. O costume progrediu de modo recíproco, quando as pessoas da cidade passaram a ser apelidadas com o nome (onomato) de atores ou personagens. E a coisa se expandiu com os jovens que buscavam estudo ou trabalho em outras cidades. Qualquer pessoa desses lugares poderia ser apelidada de seu parecido. Uma penúltima etapa desse cacoete foi a busca de semelhanças não mais entre pessoas, mas entre acontecimentos, especialmente os engraçados. E mais uma etapa afinal ocorreu na mente de alguns fanáticos colecionadores de tais semelhanças. Estes passaram a suspeitar que outras cidades conspiravam para imitar coisas que acontecem, aconteceram ou (pior) acontecerão em nossa cidade.
A essa mania própria de Nepomuceno dei o nome de ONOMATOMANCIA NEPOMUCENENSE. Com isso, a antiga Vila passa a ser A CAPITAL ONOMATOMANTE DO MUNDO. Tal título ficou incontestável diante de três episódios que elevam o fenômeno nepomucenense ao plano internacional. Interessante é que dois deles têm como protagonista nada menos que o saudoso Edmilson Cardoso Costa, personalidade queridíssima de nossa história. Pouca gente o tratou por seu nome verdadeiro, pois era conhecido por nada menos que dois apelidos: Zotinho e Passata. Era Zotinho, em seu lado sério de corretor de café, um dos melhores que já tivemos. E era Passata, em seu lado boêmio, companheiro da juventude e disputado para estudantadas, seja na Vila seja na Capital.
O primeiro episódio internacional de onomatomancia nepomucenense em que o Passata se envolveu foi quando o ator Marlon Brando dançou o último tango em Paris, no filme do mesmo nome (1972). Todos os ex-estudantes nepomucenenses que viram a cena na tela exclamaram: será que a família Bertolucci de Lavras relatou ao autor da fita os mesmos passos de tango exibidos pelo Passata no cabaré Montanhês, em Belo Horiconte, em 1959? Ao saber dessa façanha do Passata, o diretor Bernardo não teria resistido à tentação de fazer do causo um filme. Não só incluiu a mesma dança no roteiro, mas encerrou o enredo com ela e, mais que isso, fez dela o nome do próprio filme. É onomatomancia prá ninguém botar defeito!
O segundo episódio do mesmo Passata foi quando a CIA resolveu procurar, em todos os países, os sósias mais perfeitos do presidente Reagan. Isto porque este tinha levado seis tiros, em 1981, e o papel dos sósias era aparecerem em público em vez do presidente. Ora, desde quando Reagan era mero e péssimo artista de cinema, nós já o chamávamos de Passata quando aparecia na tela do cine-teatro da Samina (nossa inesquecível Sá Mina: Guilhermina Guimarães Cardoso). Um agente da CIA foi informado disso por um primo, professor visitante da antiga ESAL, e veio bater uma foto sigilosa do Passata em Nepomuceno. Nosso herói tirou o terceiro lugar no mundo, entre os sósias selecionados. Mas quase esganou o ianque, quando este lhe propôs sete mil dólares por mês para levar tiro em vez do verdadeiro Reagan.
O terceiro episódio foi quando passou aqui o filme Melhor Impossível, estrelado por Jack Nicholson (1997), e este aparecia na tela evitando pisar nos riscos do piso das ruas de Nova Iorque, ou seja, o ator protagonizava autêntico fenômeno de catação-de-risco. Todos os nepomucenenses que viram a cena exclamaram: olha lá!, o Jack está, vergonhosamente, imitando cena acontecida em Nepomuceno em 1946, sendo que o protagonista original era nosso querido dentista e professor de inglês Sílvio Veiga Lima! E note-se que o Jack era ali uma celebridade a fazer o papel de um catador-de-risco, enquanto hoje sabemos que, pelo menos, duas celebridades, o cantor Roberto Carlos e o ator Leonardo DiCaprio confessaram ser catadores-de-risco em suas vidas reais.
Até o momento, a única hipótese para a chegada da catação-de-risco aos EUA é ter sido levada por um nepomucenense chamado Joaquim Lucinda, que se vangloriava de ter ido até lá, mais de uma vez, por um atalho secreto de poucos dias, a pé. Na Europa, o fantástico pseudologista barão de Münchausen (1720-1797) hoje é também conhecido como o Lucinda europeu - e vice-versa. A propósito, meu grande amigo José de Souza Andrade Filho, um dos maiores histopatologistas brasileiros - ao ler meu livro O RISO DOURADO DA VILA, onde traço a história da onomatomancia nepomucenense - deduziu que ele próprio, era, sem o saber, o papa onomatomante da medicina, graças a suas pesquisas sobre analogias na terminologia médica.
Não posso encerrar sem proclamar que a onomatomancia nepomucenense foi alçada até mesmo às artes plásticas, pois está registrada no enorme e belíssimo painel pintado por Jarbas Juarez Antunes (Jarbinha, Binha) para o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Nele está sintetizada a história da medicina e aparecem ali um homem examinado por doutores medievais, um outro de óculos dissecando um cadáver e um terceiro de avental ensinando pediatria, que, depois de disfarçados a meu pedido, são, em ordem respectiva, o próprio Jarbas, eu e o Edward Tonelli, onomatomanticamente eternizados por uma homenagem a nossa cidade.

O autor é professor titular de Clínica Médica da UFMG e historiador do Sul de Minas

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