sábado, 20 de setembro de 2008

O ENSINO DE MEDICINA MAIS IRRESPONSÁVEL DO MUNDO

João Amílcar Salgado

A Associação Brasileira de Escolas Médicas, hoje de Educação Médica, foi fundada no início da década de 60. Teve por modelo a associação congênere criada bem antes nos EUA, exatamente para, entre outros fins, coibir a criação indiscriminada de cursos médicos. Quando esta foi criada, o processo sobre novos cursos passou a obedecer às seguintes instâncias: a decisão era tomada pela corporação da associação de escolas, que era acatada pela Associação Médica e a posição desta era acatada pela sociedade em geral, inclusive sancionada pelo poder público.

Com o agigantamento da indústria de saúde a partir da segunda guerra mundial, tal controle veio sendo progressivamente modificado pela entrada em cena de poderosos interesses industriais ligados a medicamentos e a equipamentos, com reflexos indiretos sobre o sistema de educação médica, especialmente na pós-graduação. No final do século 20 e no início do 21, interesses crescentes ligados à cada vez mais poderosa indústria de serviços passam a pressionar diretamente sobre o modelo educacional e diretamente sobre a graduação. A tendência é o enfraquecimento do poder decisório das associações corporativas, podendo ocorrer, principalmente se Obama for derrotado, que o controle da formação de médicos passe às próprias organizações de serviço.

No Brasil observa-se que essa mudança está ocorrendo de maneira tão agressiva que as entidades médicas e os “irresponsáveis” pelo ensino médico encontram-se francamente intimidados e até escandalosamente marginalizados. E culminam com uma atitude totalmente ridícula diante do surgimento desenfreado de cursos médicos. Atitude que varia desde fingir que nada de mal está ocorrendo até o estarrecedor apelo para que se fale na coisa com cuidado, para não desagradar ao ministro e para não ofender o Banco Mundial, a Fundação Getúlio Vargas ou a Rede Globo de televisão.

Com a atual demanda exacerbada de mão-de-obra para serviços, indústria e agricultura, em geral, é freqüente a queixa dos dirigentes de que estão sendo obrigados a formar seu próprio pessoal. Ora, essa providência, em vez de motivo de queixa, no caso dos serviços lucrativos de saúde, é seu sonho. Ou seja, o sonho dos mercadores da saúde é serem donos de escolas médicas, para nelas formar seus próprios balconistas, travestidos de doutores. Tudo culminará com o gangsterismo educacional abraçado ao gangsterismo em saúde - para desgraça de toda a população brasileira, sem distinção entre pobres e ricos.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

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