sábado, 18 de dezembro de 2010

A SAÚDE E A EDUCAÇÃO NO GOVERNO DILMA

João Amílcar Salgado

O ministro da saúde Temporão e o ministro da educação Hadad do governo Lula – por terem sido tão trapalhões em áreas tão sérias - deveriam ser substituídos por gente mais competente, no novo governo Dilma. De todo o ministério, são os dois mais difíceis de substituir, pois – por mais trapalhões que tenham sido – se mostraram ambos muito bem acomodados aos interesses mercantis ligados tanto à saúde como à educação.

Aos estrategistas de Dilma, a questão desde cedo foi a seguinte: é necessário substituir os dois, mas como encontrar dois substitutos que - no afã de serem menos trapalhões - não acarretem o risco de contrariar os interesses mercantis ligados à saúde e à educação, de tal modo que acabem engendrando duas crises graves no início de um governo, cuja prioridade é transparecer paz e amor?

A partir da ditadura 64-84, os sucessivos governos cevaram seis monstros, que passaram a ser monstros quando perceberam que estavam sendo tratados ou com incompetência, ou com medo ou com promiscuidade ou com a mistura de tudo isso. São as indústrias do pré-pagamento em saúde, do ensino mega-lucrativo, do narcotráfico, da corrupção nos três poderes, do sistema bancário e do desmatamento – que são seis indústrias freqüentemente sócias umas das outras.

No caso da saúde, a incompatibilidade de um sistema único com um PARA-SISTEMA PSEUDO-SUPLEMENTAR, mas que de fato é COMPLEMENTAR, exigiria um ministro-estadista, acompanhado de equipe de mesmo nível, encarregado de solucionar tão gigantesca aberração institucional, com mega-interesses já fortemente estabelecidos.

No caso da educação, está clara a incompatibilidade entre, de um lado, a busca obsessiva em criar um sistema de avaliação educacional, ostensivamente apenas quantitativo, e, de outro lado, a avidez por uma educação de verdade, inescapavelmente qualitativa, manifestada por camadas cada vez maiores da gigantesca população recém-incluída na renda nacional. Isso exigiria bem mais do que um simples Hadad, à frente de equipe mil vezes melhor. A compatibilidade da MÁQUINA DE AVALIAR com O QUÊ AVALIAR seria menos difícil há trinta anos, mas hoje, com os mega-interesses da indústria-do-lucro-fácil em educação, a tarefa é também para estadista. Quem correria esse risco?

Sobre os quatro outros monstros algo semelhante poderíamos dizer. Em vez de falar sobre eles, quero relembrar aqui o texto SAÚDE E EDUCAÇÃO NO GOVERNO LULA que publiquei no tablóide CAROS AMIGOS, por ocasião da posse de Lula em seu primeiro governo:

“Depois de três meses do início de seu governo [março de 2003], Lula vai fazer cinco perguntas a seu ministro da saúde e cinco perguntas a seu ministro da educação.

Ao da saúde:

1. O dinheiro da saúde continua escasso e sendo gasto para remunerar mal os que se esforçam para manter os doentes em pé, enquanto sobra para remunerar bem os que lucram com seu decúbito – e apenas com o decúbito lucrativo?

2. O atendimento oferecido no nível periférico continua sem avaliação ou com avaliação apenas quantitativa? Se continua assim, quando haverá o rigor desejável em verificar a resolubilidade de cada nível, sem distinção?

3. A Constituição continua sendo desrespeitada em relação aos chamados planos de saúde, ou seja, continuam legitimados pelo cínico artifício de chamá-los de planos e, pior, de planos de saúde, e, pior ainda, de assistência complementar?

4. O controle social do atendimento continua sendo usurpado por ilegítimo colegiado de secretários, em detrimento dos conselhos municipais, estaduais e nacional, reorganizados com a representação desta vez legítima?

5. As denúncias de desatendimento e de escândalos continuam sendo amenizadas ou apagadas do noticiário pelo recurso a artifícios de marketing, custeado pelo orçamento da própria saúde?

Ao ministro da educação as perguntas serão as seguintes:

1. A expansão da educação brasileira continua entregue ao gangsterismo educacional, isto é, a compreensível sede de ascensão social pela escada do diploma continua mercadejada na bacia-das-almas do enriquecimento fácil?

2. O ministro continua iludindo a gigantesca clientela escolar, fazendo parecer que avaliações de fachada são o antídoto mágico para a ostensiva falta de escrúpulos do a-sistema vigente?

3. O que restou do anterior sistema público – da pré-escola ao pós-doutorado – continua sendo tratado a pão-e-água, com vil remuneração docente, enquanto subsídios diretos e indiretos continuam sendo facilmente distribuídos a escolas privadas e a falsas instituições não-lucrativas?

4. Os conselhos municipais, estaduais e nacional continuam submetidos a obscuros critérios de barganha política, de tal modo que permanecem sob o controle dos industriais da educação?

5. As denúncias de distorções e descalabros continuam amenizadas ou apagadas do noticiário pelo uso de artifícios de marketing custeados pelo orçamento da própria educação?

Em acréscimo a essas dez perguntas, podemos formular mais uma, que muito bem representa o compromisso conjunto para com a saúde e a educação: o novo governo continua tratando mal os hospitais universitários?

O hospital universitário é o ponto culminante da solidariedade entre saúde e educação. Assim, serve como indicador ideal da seriedade com que ambas são tratadas. Para melhor explicitar tal responsabilidade, podemos desdobrar a pergunta em três questões dela derivadas: a) os hospitais universitários continuam sendo tratados como entidades pedintes, a serem atendidas com sobras ou gambiarras orçamentárias?; b) continuam objeto de jogo-de-empurra entre os dois ministérios respectivos?; e c) continuam obrigados a disputar sua renda própria no mercado distorcido e selvagem?

Tais interrogações são apropriadas e oportunas neste início de administração, porque o colorido dramático do caos diário na saúde, mais visível do que o semelhante na educação, parece apalermar os mais diligentes administradores. De fato, o custo em dor e morte é tal que mesmo a inegável competência de alguns de nossos técnicos se vê dispersa e desgastada pelo varejo de remendos a esmo. Assim, nada justifica qualquer demora na tomada de decisões corajosas e responsáveis.

SUGERIMOS AOS DOIS MINISTROS QUE TENTEM RESPONDER A ESTAS PERGUNTAS A CADA FINAL DE SEMANA” [Insisto: isso foi em março de 2003].

Diante do relatado acima, pode-se deduzir que Lula foi muito esperto em seus oito anos de governo. Avaliou a dimensão dos monstros, na época já enormes, já que foram muito bem cevados no hediondo governo FHC. Decidiu então governar pelas brechas que genialmente vislumbrou entre as poderosas patas dos mesmos. Se os contrariasse, não haveria governabilidade. Foi muito bem sucedido com essa saída. Tanto que se tornou O CARA. Acontece que deixou de herança para a Dilma os mesmos monstros, mais cevados ainda. Daí a dificuldade que ela já está tendo, especialmente na saúde e na educação - e que já ficou demonstrada na incapacidade para substituir Hadad e no medo de nomear Ciro Gomes para a Saúde.

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