sábado, 19 de março de 2011


JK E A CONTRABUCHA PASSAQUATRENSE

João Amílcar Salgado

BUCHA foi termo corrente entre os estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo no final do século 19. É a corruptela de BURSCHENSCHAFT, designação de irmandade estudantil criada na Universidade de Iena, em 1815, em prol da unificação alemã. A burschenschaft brasileira lutava pela república e vários de seus integrantes eram parentes entre si, por troncos bandeirantes comuns a São Paulo e Minas Gerais. A Faculdade de Medicina de São Paulo, inaugurada em 1913, teve sua bucha tardia, e a organização comparável na Faculdade de Belo Horizonte, hoje da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), anterior à paulista (1911), pode ser identificada no grupo da revista RADIUM, mas cuja pretensão parecia apenas literária e científica.

A bucha evoluiu, após a graduação dos estudantes de direito, para uma espécie de clube de políticos ansiosos por dirigir o país, tanto que vários de seus seguidores já estavam no poder mesmo antes da queda da monarquia. Em posições estratégicas, foram decisivos para a proclamação do novo regime. A articulação bem sucedida se prolongou até a revolução de 1930, por meio da política do café-com-leite, acordo de alternância entre bucheiros de São Paulo e de Minas na presidência.

Nesta perspectiva, a revolução de 30 foi uma frente anti-bucha. Só a partir de 32, já em contexto getulista, surgiria uma articulação correspondente àquela derrotada, para a qual propus a designação de contra-bucha (in ORIGEM E EVOLUÇÃO PEDAGÓGICA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFMG, FMUFMG:.Belo Horizonte, 2001). A evidência desta é fácil de verificar, se se analisa a biografia dos líderes reunidos na cidade de Passa Quatro para enfrentar os paulistas. Dois se tornaram presidentes: Eurico Dutra e Juscelino Kubistschek (JK). Quatro governaram estados: Ernesto Dorneles, o Rio Grande do Sul, Benedito Valadares, Minas Gerais, Zacarias Assunção, o Pará, e o próprio JK, também Minas Gerais. Dois se tornaram reitores: Pedro Penido e Otaviano de Almeida, este duas vezes.

Dois ex-alunos e um professor da Faculdade de Medicina da atual UFMG compõem esta relação: JK, médico da turma de 1927, Valadares, formado no fugaz curso de odontologia da mesma faculdade, em 1915, e Almeida, farmacêutico, médico, docente, organizador dos serviços médicos de campanha, apaziguador da vida acadêmica e mestre de JK.

Os estudantes de medicina apoiaram o movimento de 30, a ponto de um deles ser morto (José Ferreira Viana) e outro sofrer seqüela definitiva (Paulo de Castro Miranda), no incidente que envolveu o reitor Mendes Pimentel. Mas, em 32, já estavam do lado paulista, entrincheirados em frente à faculdade. Almeida, como médico da polícia, foi o herói que impediu o pior - partindo a seguir para Passa Quatro. Ao voltar, veio a ser reitor, para restabelecer a normalidade na universidade. A faculdade de medicina permaneceu foco anti-getulista e a pregação do professor Baeta Viana, ídolo dos estudantes, foi importante fator na queda da ditadura. A própria presença dele como reitor da fugaz Universidade do Distrito Federal antes pesara no desfecho do golpe de 1937.

Os ex-estudantes da época e os estudantes e médicos posteriores se mantiveram majoritariamente anti-getulistas, anti-valadaristas e anti-juscelinistas, a ponto de virtualmente terem expulso JK da Associação Médica. Apenas no final de seu governo é que houve reconciliação parcial, quando o presidente foi recebido festivamente para a aula magna do ano letivo de 1960. A avaliação isenta de JK como médico e governante só foi feita, entre historiadores médicos, após a criação do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, na mesma UFMG, em 1978, culminando com a recente publicação do livro de Fernando Araújo, JUSCELINO KUBISTSCHEK, O MÉDICO (2000).

Os historiadores em geral, interessados no fenômeno da contra-bucha passaquatrense, nas razões mineiras da oposição à ditadura Vargas e na história das universidades brasileiras, terão no livro de Araújo referência preciosa.

TEMA LIVRE APRESENTADO AO 6O CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA MEDICINA. BARBACENA, MG, 14-16/06/2001

2 comentários:

Pedro disse...

O ilustre Professor João Amilcar Salgado escrevendo a nossa história!

Pedro disse...

O ilustre Professor João Amilcar Salgado escrevendo a nossa história!