CIRURGIA MINEIRA – HISTÓRIA E BRILHO
João Amílcar Salgado
O tema HISTÓRIA DA CIRURGIA tem muito a ver com Minas Gerais pelos fatos seguintes:
1. O 1º manual de clínica no Brasil é mineiro, ERÁRIO MINERAL, de 1735, embora seu autor seja português, LUÍS GOMES FERREIRA. Os livros médicos publicados antes no Brasil não eram destinados ao uso para consulta a cada momento de médicos e cirurgiões, pois tratavam de temas médicos específicos. O ERÁRIO é o primeiro manual em forma de tratado abrangente. Ele é um livro mineiro porque o próprio autor confessa que resultou de sua experiência clinicando em Minas, em Sabará e Vila Rica, por vinte anos. Nesse livro ele descreve ter sido o autor da primeira neurocirurgia no Brasil, quando tratou com êxito a fratura no crânio de um escravo. Veja-se a capa da edição facsimilar que fizemos, obra do grande artista Jarbas Juarez (este nome está na internete). Vejam-se também os dizeres da página inicial, para mostrar que o autor é cirurgião e não médico. Ele como cirurgião não podia usar os substantivos medicina e médico e seus respectivos adjetivos. Assim teve de criar esse título esquisito “Erário Mineral”, que quer dizer “tesouro das minas”.
2. O primeiro curso médico oficial no Brasil não é o de Salvador, de 1808, mas de Vila Rica (Ouro Preto), de 1801. O de Vila Rica e o de Salvador não podiam ser denominados na época curso médico ou de medicina, porque eram cursos de cirurgia. A Universidade de Coimbra não permitia a criação de cursos universitários nas colônias. Então os cursos, antes da Independência, só podiam ser de nível técnico, não universitário. Assim os dois cursos eram de cirurgia, que naquele tempo constituía uma formação desse nível. Os cursos de cirurgia de Salvador e do Rio se tornaram cursos universitários de medicina só em 1832, ao passo que o curso de cirurgia de Ouro Preto, em vez de se tornar curso de medicina, foi transformado em curso de farmácia. Antes de 1801 houve cursos que não saíram do papel ou que eram cursos não-oficiais, todos de cirurgia. Os historiadores não médicos fazem a maior confusão, pois anacronicamente equiparam cirurgia e medicina, numa época em que eram separadas.
3. Os cirurgiões que vieram atraídos pelo ouro mineiro eram em geral de origem judaica e por isso eram letrados, em comparação com os cirurgiões do resto do país e do exterior, que eram semi-analfabetos. Esse é o motivo de nosso estudo especial sobre os “cirurgiões letrados” de Minas. Por exemplo, o cirurgião que ensinava no curso citado de Vila Rica, Antonio Vieira Carvalho, traduziu do francês o primeiro livro publicado no Brasil sobre as Enfermidades dos Negros (ver foto da capa do livro). Outro exemplo é o primeiro estudo em Minas de plantas medicinais, de autoria de outro cirurgião letrado.
4. O fator que levou a medicina a absorver as atividades antes relegadas aos cirurgiões foi a tripla descoberta, na segunda metade do século 19, dos micróbios, da anestesia e do raio-x, além da nova enfermagem proposta por Florence Nightingale. Nessa fase, já de cirurgiões de nível superior, Minas também tem história brilhante. O grande arauto dessa cirurgia foi Hermenegildo Vilaça. Dos introdutores da cirurgia médica em Minas, Vilaça é o único nativo e cito de sua escola o tratadista João Resende Alves. Outro é o carioca Borges da Costa, sendo-lhe discípulo Adelmo Lodi, famoso nas memórias de Pedro Nava. Mais um é o também carioca Hugo Werneck de cuja grei é o educador Lucas Machado. Já Clóvis Salgado, de corrente própria, brilhou por idêntica habilidade na cirurgia e na política. Vejam-se, em textos separados, os exemplos de grandes cirurgiões ou clínicos mineiros, que tiveram importância na história da cirurgia brasileira ou mundial: Adauto Barbosa Lima, pioneiro da pediatria cardiológica no Brasil, foi o clínico da equipe, comandada por Hugo Felipposi,. que introduziu a circulação extracorpórea no país. Adib Jatene e Dante Pazzanese: o cirurgião cardiovascular Jatene é mineiro adotivo e autor de importantes inovações na especialidade, enquanto o mineiro Pazzanese é o fundador da cardiologia brasileira e desbravador do caminho para a cirurgia cardiovascular
5. Não deve ser esquecida a incrível história do aristocrata francês Afonso Pavie, um quase-médico que veio clinicar na cidade mineira de Itamarandiba. Foi notável cirurgião, hoje estudado como pioneiro da anestesia loco-regional, ainda feita com cocaína, no começo do século 20.
6. Para a 1ª guerra mundial, em vez de mandar soldados, o Brasil mandou médicos, que causaram admiração, sobretudo os cirurgiões mineiros, pelo preparo, agilidade e elegância operatórios. Foi um dos geradores da fama difundida no 1º mundo, gozada por brasileiros e estendida a ibero-americanos, por tal habilidade - segundo dizem, semelhante à encontrada não só nas mãos, mas também nos pés, no caso do futebol, do samba, do tango e da salsa.
7. Dois políticos mineiros entraram na história da cirurgia como pacientes: Tancredo Neves e José de Alencar. Tancredo é tema de recente livro. O PACIENTE - O CASO TANCREDO NEVES (2010) de Luís Mir, que traz inédita documentação sobre sua morte.
8. Como curiosidade, cito dois fatos de cunho internacional ligados ao notável cirurgião cardiovascular mineiro André Esteves de Lima. Ele foi colega de residência-médica, nos EUA, de Christian Barnard, o qual vindo ao Brasil se hospedou em sua casa (Barnard foi auxiliado decisivamente pelo negro Hamilton Naki, quando fez o histórico 1º transplante de coração). Por outro lado, Leonardo Esteves, filho de André Esteves, era médico-residente em Paris, quando foi o primeiro a atender a princesa Diana, após o acidente que a matou.
9. Os dados aqui resumidos são retirados de dois livros de minha autoria a serem publicados: SÍNTESE CRÍTICA DA HISTORIA DA MEDICINA e FLAGRANTES BIOGRÁFICOS DE MÉDICOS, previstos para 2011.
Minas Gerais tem sua medicina muito lembrada em função de grandes médicos com projeção em várias áreas, principalmente em ciência, arte, política e esporte, como Francisco Melo Franco, Antônio Gomide, Carlos Chagas, Vital Brasil, Mathias de Vilhena Valadão, José Vieira Couto, Francisco Melo Franco, Antonio Gonçalves Gomide, Baeta Viana, Guimarães Rosa, Pedro Nava, JK, Pedro Salles, Agripa Vasconcelos, Osvaldo Melo Campos, Carlos Pinheiro Chagas, Paulo Pinheiro Chagas, Hilton Rocha, Hélio Pellegrino, Washington Tafuri, Dairton Miranda, Célio de Castro, Jota Dângelo, Ângelo Machado, Jair Raso, Cartunista LOR, Chanina, Henry Yu, Edson Razuk e Tostão (todos estão na internete). Isso pode trazer certa sombra ao brilho dos cirurgiões mineiros, daí a oportunidade do presente resumo.
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