quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

OS 100 ANOS DE HILTON ROCHA


João Amílcar Salgado
Em meu pequeno livro OS GLORIOSOS 44 DE 55, de 2010, comemorativo dos 50 anos da turma de 1960, pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há o perfil de Hilton Rocha, como nosso homenageado. Um ano após, foi a vez de comemorarmos os 100 anos da Faculdade e de Hilton Rocha, ambos nascidos em 1911. Este sul-mineiro de Cambuquira cintila forte na constelação de ilustres Ribeiros dessa privilegiada região de nosso Estado. O Estado de Minas Gerais, aliás, ocupa posição única no Brasil, pois tem no caeteense Hilário de Gouveia o fundador da oftalmologia brasileira, em João Penido Burnier, originário de notável família juiz-forana, o criador de celebrado instituto oftalmológico em Campinas e em Hilton Rocha o maior oftalmologista brasileiro de seu tempo. Não bastante isso, o herdeiro do título de maior oftalmologista do país é também mineiro: Roberto Abdala Moura, diplomado na turma precedente à minha.
Na sessão em que a Associação Médica, a Academia de Medicina, a Faculdade, o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais e a família brindaram o centenário de Hilton Rocha, seu filho Ricardo Rocha causou forte emoção, relembrando aspectos da juventude e do cotidiano do homenageado. Tendo bastante semelhança física com o pai, inclusive a voz, e similar fluência verbal - o filho me surpreendeu quando não se esquivou de tocar na atuação política do pai, a que também me refiro no sobredito livreto.
Hilton Ribeiro Rocha estudou em colégio do Rio de Janeiro. Uma ideia de como era o ensino ali pode ser auferida do livro VIDA DE MENINO ANTIGO (1986) do também médico e também sul-mineiro Carlos Caiafa Filho. Hilton diplomou-se em 1933 e Carlos em 34, sendo Rocha torcedor do América, enquanto Caiafa era fanático pelo Atlético, este na certa contagiado por seu colega de turma e grande amigo, o artilheiro alvi-negro Mário de Castro. Outro que se formou um ano após o Hilton foi Javert Barros, coincidentemente o radiologista que ganhou do oftalmologista a votação para paraninfo de nossa turma. Como orador da turma eu o teria saudado. Na eleição, os favoritos eram Liberato DiDio, Hilton e Javert e o cabo eleitoral de Hilton era o doutorando capixaba Emir Soares, futuro senhor das lentes de contato.
Ouvi ainda criança alguém mencionar Hilton Rocha, pois a farmácia de meu pai era a sede de fato da UDN de Nepomuceno. Ali vi o udenista Alberto Correa Lima escrevendo a lista dos mais ricos cafeicultores locais para intimá-los a depositantes do novo Banco Nacional. E repetia que entre os da Capital estava gente não só rica mas famosa, como Hilton Rocha. Daí que meu pai foi companheiro de Hilton Rocha nesse empreendimento, surgido tão auspicioso e extinto em condições tristes e vergonhosas. O opulento sul de Minas foi fator estratégico da correspondente empreitada política que resultou na eleição de Milton Campos. Estavam juntos, por exemplo, o grupo de Boa Esperança, onde Milton foi promotor, comandado por Geraldo Freire, o de Três Pontas, tendo à frente Aureliano Chaves e o de Campanha, cujo condutor era o notável médico Zoroastro de Oliveira, pai do excepcional cirurgião Sérgio Almeida de Oliveira, que mais tarde cuidaria das coronárias de Hilton Rocha. Coordenava tal arregimentação o raro estrategista Oscar Dias Correa.
Além de Hilton Rocha, dois outros luminares simbolizavam o udenismo médico, então esmagadora maioria na classe. Eram eles Baeta Viana e Roberto Ribeiro de Oliveira Resende. Aquele atraía gerações de ex-alunos e este, discípulo dileto de Baeta, arrastava atrás de si a numerosa grei dos Resendes e dos Ribeiros espalhada pelo Centro, Sul e Mata. O fenômeno começou com fato único: um candidato presidencial, o Brigadeiro Eduardo Gomes, foi homenagem oficial de uma formatura de médicos, a turma de 1946, da atual UFMG.
Um dos ativistas sulmineiros era Bilac Pinto, que teria sugerido o posicionamento hostil da Associação Médica, liderada por Hilton, contra o médico Juscelino Kubitschek, governador pessedista do Estado. A manobra se destinava a inviabilizar a candidatura presidencial do diamantinense. Tais adversários não tinham sequer noção da determinação deste, que, hoje sabemos, ultrapassou todos os obstáculos a ele adrede colocados, até alcançar o triunfo final de sua posse. Alípio Correa Neto, mineiro de Cataguases e presidente inaugural da Associação Médica Brasileira, desejou que o primeiro congresso da entidade médica fosse apoiado com toda a pompa pelo primeiro presidente médico do país. Os mineiros da equipe de Alípio temeram de Kubitschek atitude negativa, denotadora da mágoa que lhe haviam infligido. Ao contrário, o recém-empossado, ao receber a proposta, não só externou atitude inversa, como localizou e buscou, entre eles, Hilton Rocha, para caloroso abraço.
Mais tarde Hilton Rocha foi influenciado por alguns docentes da Faculdade, partidários e colaboradores da ditadura militar, no sentido de usar de seu prestígio para inviabilizar o Internato Rural, que implantávamos como novidade rumorosa do ensino médico. Isso ele teria conseguido facilmente, caso não topasse a surpreendente e firme discordância de dois de seus mais caros correligionários udenistas: Aureliano Chaves e Dario Tavares. Ambos não só apoiaram o Internato como alocaram para sua implantação recursos antes destinados pelos EUA ao controle da natalidade. E os poderosos de Brasília julgaram prudente não enfrentar a temida altivez desses dois.
Três de meus maiores amigos me manifestaram admiradores incondicionais de Hilton Rocha: Ciro Gomide, Caio Manso e Osvaldo Costa. Ciro era dublê de dentista e historiador, sendo o maior biógrafo de Tiradentes no mundo - e veio para zeloso auxiliar de Rocha em aspectos odontológicos da oftalmologia. Caio (mais um sul-mineiro) já era catedrático na Veterinária da UFMG e foi recrutado por Hilton, como pioneiro em fundoscopia canina, para pontificar no biotério do Hospital São Geraldo - só que resolveu estudar medicina humana e conquistou invejável clientela como oculista de gente. Osvaldo Costa, insuperável dermatologista perioftálmico, foi, ao lado do próprio Hilton, a grande atração nas aulas do doutorado deste, sendo ambos queridíssimos dos doutorandos, sobretudo de outros Estados e de outros países. Muito me orgulha ter sido professor de pedagogia médica desse doutorado, vanguarda no país. Ao ser inaugurada a Sala Osvaldo Costa no Centro de Memória, vivi momento único, quando fui orador ao lado de Rocha, de Costa e do convidado especial deste, Camilo Teixeira da Costa. Os presentes foram unânimes em desejar que cada fala se prolongasse indefinidamente – coisa raríssima em matéria de discurso.
Ao longo dos anos, seja como paciente, seja na colaboração em atendimentos, ensino e pesquisa, passei, a admirar, desde cedo e ao lado de outros mais recentes, vários dos integrantes da escola Hilton Rocha: Amélio Bonfiglioli, magistral cirurgião, Ênio Coscarelli, cientista nato, Nassim Calixto, astro internacional em glaucoma, Henderson Almeida, requintado oftalmopediatra, Geraldo Queiroga, somatório de cultura, domínio tecnológico e desempenho profissional, Marcelo Lopes da Costa, erudito conciliador da especialidade com a história da medicina, Emílio Castelar, erudito conciliador da especialidade com o sanitarismo, Lúcio Almeida, completo especialista alicerçado em completa formação médica, Raul Soares e Joel Boteon, finas competências a serviço da relação médico-paciente, Ricardo Guimarães, que me levou ao Anhembi na histórica controvérsia da cirurgia refrativa, e Valênio França, gigante simultâneo em plástica de vias lacrimais e em história da oftalmologia. E é imperioso acrescentar que, em vias lacrimais, a medicina mineira registra um nome áureo, o do inventivo cirurgião Sérgio Donato Valle.
Eu estava no Centro de Memória da Medicina, quando ouço a voz alegre de Ciro Gomide, feliz por estar ali ao lado de Hilton Rocha. Vieram para combinar a aula deste sobre OS GRANDES CEGOS DA HUMANIDADE. Foi a única vez em que tive uma conversa amena com o scholar. Pareceu sentir-se em casa quando eu disse ser seu companheiro na admiração a Gregório Marañón. E mais, revelei-lhe saber serem ele e Pedro Vidigal os únicos possuidores das obras completas do enciclopédico espanhol. Ele então prometeu doar sua coleção ao Centro. Na aula, que foi filmada, ele mostrou que seu talento de orador não se modificara, desde quando, na festa que nos ofereceu na formatura, ele, parafraseando Da Vinci, fez o elogio dos olhos, como JANELA DA ALMA, VITRINE DO CORPO.

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